Estratégia e gênero, como ocorrem na prática?

Jaqueline Zermiani Brandt, Mestranda em Administração Pública na Universidade do Minho, Escola de Economia e Gestão – Braga, Portugal

Rosalia A. Barbosa Lavarda, Doutora em Administração pela Universidade de València – València, Espanha, e professora adjunta na Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Ciências da Administração, Florianópolis, SC, Brasil

Marie-Anne Stival Pereira e Leal Lozano, Doutoranda interdisciplinar em Ciências Humanas na Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, Florianópolis, SC, Brasil

O ‘fazer estratégia’, ou seja, a interconexão de práticas, práxis e praticantes chama-se strategizing — atividades e práticas estratégicas. As práticas são todas as atividades da organização, a práxis é a forma como essas práticas são realizadas e os praticantes são os sujeitos que as executam (Jarzabkowski, Balogun e Seidl, 2007).

Os praticantes estão num sistema social e suas interações, o modo como executam as práticas, os motivos e desejos envolvidos de todos tornam possível compreender a práxis em vários níveis (Whittington, 2014).

Pensando no contexto das mudanças e interações sociais, o strategizing pode ser estudado na construção da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Essa perspectiva busca incorporar ações e políticas que visem reduzir as desigualdades entre homens e mulheres na sociedade (Farah, 2004).

As políticas públicas voltadas para as mulheres até então adotadas no país, de forma geral, não necessariamente contemplam a perspectiva de gênero, pois em seu escopo costumam reiterar as posições de gênero desiguais já estabelecidas. De acordo com Bandeira (2005), embora haja distinções, as políticas brasileiras para as mulheres não excluem as de gênero, mas em longo prazo devem se transformar em políticas de gênero.

Percebeu-se, ao analisar as práticas (atividades), como são realizadas (práxis) e quem as realizam (praticantes), quais ações e políticas públicas de gênero são incorporadas e contribuem na minimização das desigualdades entre homens e mulheres.

As práticas da CMPPM de Florianópolis enquadram-se em sete atividades: projetos Diálogo com as Comunidades e 16 Dias de Ativismo; as ações de Renomeação da Câmara Técnica, Proposta da Estrutura da Secretaria da Mulher, Datas Comemorativas, Articulação e Gestão. Essas atividades seguem um processo burocrático tendo em vista o setor público; entretanto, não há formalização de quais atividades devam ser realizadas.

Buscou-se também identificar como cada prática é desenvolvida. Dessa forma, notaram-se 26 ações desempenhadas pelas praticantes e, nesse processo, a delegação de atividades é por consenso, cabendo à coordenadora a tomada de decisão final, assumindo o papel de middle-up-down, por articular decisões que vêm de cima para baixo (top-down) e de baixo para cima (bottom-up).

Caracterizou-se o praticante que influencia a estratégia-como-prática social e verificou-se que todas as integrantes da equipe, por participarem das ações e projetos, contribuem no fazer a estratégia acontecer. Devido a todas as integrantes da equipe serem mulheres, evidenciou-se a existência de certo engajamento e motivação crescente, o que acaba impactando suas vidas pessoais e outras mulheres da região.

Todas as integrantes eram mulheres brancas, o que pode sinalizar a ainda presente ausência de negras e indígenas na formulação das pautas voltadas para as mulheres florinopolitanas, assim como na efetiva construção de agendas que atendam às demandas dessas mulheres no município. Não foram questionadas identidade de gênero nem tampouco a orientação sexual da equipe, o que nos dificulta analisar se as mulheres lésbicas e as pessoas transexuais também sofrem tal dificuldade na construção de políticas voltadas para elas em Florianópolis. Quanto à perspectiva de gênero nas políticas públicas, constatou-se que elas decorrem da demanda de mulheres do município e que todas as atividades realizadas buscam promover a redução das desigualdades de gênero, como em campanhas de conscientização da violência contra as mulheres (16 Dias de Ativismo) e projetos com intuito de buscar promover maior autonomia para o mercado de trabalho e empoderamento econômico (Diálogo com as Comunidades).

Percebe-se que o estudo da estratégia-como-prática social tem um novo rumo na construção de políticas públicas de gênero. Passando um olhar humanizado de que todas as práticas e a forma com que são realizadas (práxis) pelos praticantes podem impactar a sociedade e minimizar as desigual­dades entre gêneros no mercado de trabalho e nos ambientes sociais.

Entende-se que a CMPPM de Florianópolis realiza, de acordo com sua estrutura organizacional, atividades que busquem a promoção de autonomia das mulheres em espaços sociais e profissionais, e os anseios das colaboradoras, que passaram a se identificar com a causa, trazem um olhar e ânimo diferentes. Assim, suas atividades estão impactando diversas mulheres no município de Florianópolis (SC); no entanto, é importante ainda ressaltar que tantas outras mulheres ainda não são impactadas por tais políticas, sendo importante um maior enfoque na busca daquelas que necessitem de ações do Estado para alterarem as ainda presentes relações de desigualdades, violência e exploração que ainda são infligidas tanto por questões de gênero, mas também de raça, classe, orientação sexual, geracional, deficiência física, entre tantas outras.

Referências

BANDEIRA, L. Brasil: fortalecimento da Secretaria Especial de políticas para as mulheres: avançar na transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: SPM, 2005.

FARAH, M. F. S. Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 47-71, 2004.

JARZABKOWSKI, P., BALOGUN, J. and SEIDL, D. Strategizing: the challenge of a practice pers­pective. Human Relation, v. 60, n. 1, p. 5-27, 2007.

WHITTINGTON, R. Making strategy: the hard work of institutional innovation in an open professional field. In: EURAM — EUROPEAN ACADEMY OF MANAGEMENT ANNUAL ME­ETING, XIV, 2014, Valencia. Annals… p. 1-34.

Para ler o artigo, acesse

BRANDT, J. Z., LAVARDA, R. A. B. and LOZANO, M-A. S. P. L. Estratégia-como-prática social para a construção da perspectiva de gênero nas políticas públicas em Florianópolis. Rev. Adm. Pública [online]. 2017, vol.51, n.1, pp.64-87. [viewed 29 may 2017]. ISSN 0034-7612. DOI:  10.1590/0034-7612147905. Available from: http://ref.scielo.org/jhs5xr

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Grupo de Pesquisa Strategy As Practice: www.dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/4563747408935962

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

BRANDT, J. Z., LAVARDA, R. A. B. and LOZANO, M-A. S. P. L. Estratégia e gênero, como ocorrem na prática? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2017 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2017/06/01/estrategia-e-genero-como-ocorrem-na-pratica/

 

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