A esquizofrenia pode ser prevenida?

Arthur Maciel Nunes Gonçalves, Médico psiquiatra, Doutor em Psiquiatria (Unicamp), Consultório particular em São Paulo, SP, Brasil

Desde a década de 1990, pesquisadores ao redor do mundo têm estudado formas de prevenção desse transtorno, de maneira a impedir ou, ao menos, adiar o seu surgimento (YUNG, MCGORRY, 1996). As pesquisas sobre o tema têm proliferado na literatura psiquiátrica e novas categorizações desses estados de predisposição à esquizofrenia foram apresentadas nas últimas décadas (FUSAR-POLI, 2013).

Nos debates que precederam o lançamento da quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), da Associação Psiquiátrica Americana, uma nova categoria diagnóstica foi proposta para abarcar os principais casos de risco de desenvolvimento da esquizofrenia. O debate em torno das vantagens e desvantagens da inclusão dessa categoria, a Síndrome Psicótica Atenuada, foi acalorado e ela acabou sendo rejeitada do corpo principal do manual, sem poder ser usada para fins diagnósticos (GONÇALVES, DANTAS, BANZATO, 2016).

No artigo intitulado “A historical account of schizophrenia proneness categories from DSM-I to DSM-5 (1952-2013)”, publicado na Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental (v. 21, n. 4), Arthur Gonçalves et al. mostram que o debate sobre a prevenção da esquizofrenia na verdade precedeu à primeira edição do DSM (1952) em quase três décadas. Apontam também que, mesmo antes disso, já havia na literatura psiquiátrica internacional propostas de categorias para diagnosticar estados de propensão à doença, com similaridades importantes em relação às atuais categorias.

No levantamento histórico realizado, cujo foco é a psiquiatria nos EUA, fica claro que, embora a especialidade tenha se modificado ao longo do tempo, algumas questões em relação à sua prática ainda permanecem em debate. Assim, os autores indicam que a Síndrome Psicótica Atenuada era uma proposta inovadora, que incorporava elementos sofisticados da psiquiatria contemporânea, como uma vasta gama de evidências científicas consistentes, mas foi rejeitada devido a temidas consequências indesejadas, como a possível estigmatização dos pacientes diagnosticados (que poderiam pejorativamente ser considerados “pré-esquizofrênicos”) e o temor da excessiva e inadequada prescrição de medicamentos antipsicóticos para eles, mesmo sem indicação científica.

Os autores concluem o artigo sugerindo, a partir dos elementos que encontraram em sua pesquisa histórica, que o bom exercício da psiquiatria requer bem mais do que evidências científicas atualizadas, sendo necessário reconhecer e discutir as influências filosóficas, socioculturais e ideológicas que moldam a prática psiquiátrica desde suas origens.

Figura 1 – Evolução de transtornos psicóticos e psicóticos ao longo dos DSMs. Associação Americana de Psiquiatria, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (1952, 1968, 1980, 1987, 1994a, 2000, 2013). Em negrito, categorias ligadas pelo menos temporariamente com estados de tendência à esquizofrenia. Em itálico, categorias removidas em impressões subseqüentes. Transtornos de personalidade do tipo psicótico foram incluídos para esclarecimento do contexto. Fonte: Os autores.

Referências

FUSAR-POLI, P. et al. The psychosis high-risk state: a comprehensive state-of-the-art review. JAMA Psychiatry, v. 70, n. 1, p. 107-120, 2013. ISSN: 2168-6238 [viewed 1 March 2019]. DOI: 10.1001%2Fjamapsychiatry.2013.269. Available from: https://jamanetwork.com/journals/jamapsychiatry/article-abstract/1392281.

GONCALVES, A. M. N., DANTAS, C. R. and BANZATO, C. E. M. Values and DSM-5: looking at the debate on attenuated psychosis syndrome. BMC Medical Ethics, v. 17, n. 7, 2016. ISSN: 1472-6939 [viewed 1 March 2019]. DOI: 10.1186/s12910-016-0090-8. Available from: https://bmcmedethics.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12910-016-0090-8.

YUNG, A. R.; MCGORRY, P. D. The Prodromal Phase of First-Episode Psychosis: Past and Current Conceptualizations. Schizophrenia Bulletin, v. 22, n. 2, p. 353-370, 1996. ISSN: 1745-1701 [reviewed 1 March 2019]. DOI: 10.1093/schbul/22.2.353. Available from: https://academic.oup.com/schizophreniabulletin/article/22/2/353/1928366.

Para ler o artigo, acesse

GONCALVES, A. M. N. et al. A historical account of schizophrenia proneness categories from DSM-I to DSM-5 (1952-2013). Rev. latinoam. psicopatol. fundam., v. 21, n. 4, p. 798-828, 2018. ISSN: 1415-4714 [viewed 1 arch 2019]. DOI: 10.1590/1415-4714.2018v21n4p798.7. Available from: http://ref.scielo.org/xthspf

Link externo

Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental – RLPF: www.scielo.br/rlpf/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

GONÇALVES, A. M. N. A esquizofrenia pode ser prevenida? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/03/11/a-esquizofrenia-pode-ser-prevenida/

 

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