Debatendo a escravidão negra nos Estudos em Gestão e Organização a partir de perspectivas decoloniais e afrodiaspóricas

Cíntia Cristina Silva de Araújo, Docente e Pesquisadora, Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI), São Paulo, SP, Brasil

Alexandre Faria, Professor e pesquisador, Fundação Getulio Vargas (FGV), Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (EBAPE), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Jair N. Santos, Professor e pesquisador, Universidade Salvador (UNIFACS) e Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Salvador, BA, Brasil

Nidhi Srinivas, Professor e Pesquisador, The New School, New York, NY, Estados Unidos

Objetivo

Esta chamada visa promover um envolvimento transformador da escravidão negra com os Estudos em Gestão e Organização a partir de perspectivas decoloniais e afrodiaspóricas, reconhecendo os resquícios da escravidão negra na gestão e nas organizações e recuperando epistemes decoloniais e afrodiaspóricas, além de também reunir um grupo crescente de acadêmicos, praticantes e indivíduos da sociedade civil que lutam contra a radicalização do capitalismo escravista no Norte e no Sul.

Prazo para submissões

28/02/2022 (às 23:59 GMT-3)


O campo de Estudos em Gestão e Organizações (EGO) liderado pelos Estados Unidos reafirma a ideia dominante e duradoura nos EUAe em outros países do Ocidente (Baptist, 2016) de que a escravidão negra é uma questão do passado com vestígios remanescentes no atrasado Sul. Em contraste, perspectivas decoloniais e afrodiaspóricas do Sul e do Norte, incorporando epistemologias e cosmologias da escravidão negra, enquadram a escravidão ‘moderna’ como uma continuação em mudança da longue durée do capitalismo escravista colonial/racial/patriarcal inaugurado no século XVI com a ‘descoberta’ das Américas por conquistadores/descobridores eurocêntricos (Mignolo, 2011; Marable, 2015). A escravidão moderna como um ‘problema gerencial’ emerge no Norte em conjunto com o ressurgimento dos movimentos de desocidentalização, descolonização e desracialização em escala global, acompanhados por contra-movimentos e alternativas renovadas e dinâmicas crescentemente radicais de expropriação contrárias aos ‘outros invasores’ tanto no Norte quanto no Sul (Stoler, 2017). A negação da escravidão/escravização como constitutiva da gestão e das organizações modernas, de um Norte Global cada vez mais heterogêneo, discriminatório e desigual é citada por autores críticos (Araújo & Carneiro Jr., 2020; Cooke, 2003), vozes afrodiaspóricas em geral (Nkomo, 1992) e, em particular, autores decoloniais do Sul que ressignificaram o racismo e a colonialidade como dimensões constitutivas do capitalismo e do conhecimento gerencial/organizacional predominantemente eurocêntrico (Abdalla & Abdalla, 2017; Ibarra-Colado, 2006).

Todavia, uma crescente literatura em EGO do Norte ‘global’ sobre a escravidão moderna nega essas contribuições ao abraçar uma agenda ‘gerencial’ renovada sobre desenvolvimento sustentável e direitos humanos (Voss et al., 2019), que enquadra a escravidão moderna como um problema administrativo contingente para organizações e cadeias de suprimento que é desencadeado pela globalização do capitalismo moderno em crise (Gold et al., 2015; New, 2015). Esta agenda gerencial que incorpora reivindicações contestadas de superioridade civilizacional do Oeste/Norte em relação ao ‘resto do mundo’ (Davis, 2011; Gonzalez, 2020; Wynter, 2003) foi apresentada por instituições de pesquisa do Atlântico Norte moldando rearticulações desocidentalizadas de debates, agendas, narrativas e políticas universalistas (Bales, 2005). Em nossa opinião, a ‘globalização’ da escravidão moderna coloca em risco uma população crescente, heterogênea e desigual de escravizados e do planeta ao negar a relação constitutiva entre capitalismo e escravidão negra destacada pela literatura decolonial e afrodiaspórica. Afinal, é mera coincidência que na América Latina “os povos que descendem, parcial ou totalmente, das populações colonizadas pelos europeus, são em sua grande maioria dominados e discriminados onde quer que vivam?” (Quijano, 1993, p. . 205)

Paralelamente à radicalização da colonialidade e aos mecanismos eurocêntricos de apropriação do conhecimento libertador desencadeados pela globalização do neoliberalismo contra-revolucionário liderado pelos EUA, uma práxis decolonial e afrodiaspórica ressurgente desafiou essa brutalidade epistêmico-material de mais de cinco séculos de escravidão capitalista (Bernardino-Costa et al., 2018). Junto com pesquisadores de outras partes do Sul Global em geral, os pesquisadores brasileiros resistiram, reexistiram e reconheceram outras vozes, corpos e epistemes em sua busca por conhecimento transformador engajado com a maioria oprimida que personifica um legado tão ambivalente. Assim, acolhemos diversas teorias, cosmologias, metodologias e ideias para responder a uma variedade de questões, tais como:

  • De que forma perspectivas decoloniais e afrodiaspóricas podem ajudar o campo de Estudos em Gestão e Organizações (EGO) a combater a escravidão, o racismo estrutural e a desigualdade social abissal?
  • ‘Escravidão’, ‘escravização’, ou ‘escravismo’? Como estas conceituações permitem (ou não) a análise radical do período colonial/escravista nos EGO e na evolução geo-histórica de teorias e práticas no campo?
  • Em que medida os EGO predominantemente eurocêntricos contribuem para que o capitalismo global em geral e grandes empresas em particular se beneficiem de diferentes modalidades de escravidão, racismo e preconceito contra negros e outras minorias e da ‘democratização’ da injustiça-desigualdade social no Sul e no Norte ?
  • Que vozes e perspectivas decoloniais e afrodiaspóricas vêm sendo negadas e apropriadas pelos EGO predominantemente eurocêntricos? Como pesquisadores dos EGO podem mudar essas dinâmicas?
  • Que iniciativas decoloniais e afrodiaspóricas em EGO, em educação e em pesquisa, vêm ajudando a transformar as realidades contraditórias de sociedades periféricas do Sul Global?
  • Como grandes empresas, organizações governamentais, e organizações do terceiro setor respondem às críticas ao envolvimento e cumplicidade de ‘organizações’ do capitalismo global em dinâmicas de recolonização via escravidão, trabalho forçado ou tráfico de pessoas?
  • Qual o papel dos diferentes atores do turismo patrimonial em dinâmicas de desmantelamento-rearticulação das narrativas dominantes sobre o período colonial em empreendimentos turísticos históricos (Buzinde, 2010)?
  • Quais são os maiores desafios para combate ao trabalho escravo em países do Sul e Norte marcados pela contínua rearticulação da hegemonia do capitalismo escravista?
  • Quais são os resquícios da escravidão negra em mudanças corporativas e práticas de resistência vinculadas aos conceitos de diversidade e inclusão em organizações, universidades e escolas de negócios?
  • Em que medida a continuidade do período da escravidão no capitalismo moderno influencia e desafia relações contemporâneas de trabalho nas organizações?
  • Qual é o papel da Contabilidade Crítica predominantemente Eurocêntrica na análise dos processos de legitimação da escravidão negra a partir de perspectivas decoloniais e afrodiaspóricas (Silva, 2014)?
  • Qual é o papel das grandes empresas e setores econômicos que mais se beneficiam do regime de escravidão negra e na manutenção de sistemas de dominação e de estratificação patriarcal e racial dentro e fora das organizações e instituições acadêmicas (Nkomo, 1992)?

Para mais informações sobre a chamada, acesse o link

https://bit.ly/3A4dZtK

Referências

ABDALLA, M.M. and FARIA, A. Em defesa da opção decolonial em administração/gestão. Cadernos EBAPE.BR [online]. 2017, vol. 15, no. 4, pp. 914–929 [viewed 28 October 2021]. https://doi.org/10.1590/1679-395155249. Available from: http://ref.scielo.org/ttbrz5

ARAÚJO, C.C.S. and CARNEIRO JR, E. A Bibliometric Analysis of the Intellectual Structure of Studies on Slavery in the 21st Century. International Journal of Professional Business Review [online]. 2020, vol. 5, no. 1, pp. 105–127 [viewed 28 October 2021]. http://doi.org/10.26668/businessreview/2020.v5i1.175. Available from: https://www.openaccessojs.com/JBReview/article/view/175

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BAPTIST, E.E. The half has never been told: Slavery and the making of American capitalism. London: Hachette UK, 2016. Available from: https://doi.org/10.1017/S0022050715000996

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STOLER, A.L. Introduction: The dark logic of invasive others. Social Research: An International Quarterly [online]. 2017, vol. 84, no. 1, pp. 3-5 [viewed 28 October 2021]. Available from: https://www.muse.jhu.edu/article/659219

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Link externo

Cadernos EBAPE.BR – CEBAPE: https://www.scielo.br/cebape

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

DE ARAÚJO, C.C.S., et al.. Debatendo a escravidão negra nos Estudos em Gestão e Organização a partir de perspectivas decoloniais e afrodiaspóricas [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/10/28/debatendo-a-escravidao-negra-nos-estudos-em-gestao-e-organizacao/

 

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