Luiz Coppi, professor, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil.
O que fazer quando nos dizem que nosso trabalho já não tem utilidade e que poderia ser facilmente substituído por uma máquina? O que fazer quando as transformações tecnológicas que nos envolvem parecem corroborar com essa tese? Essas questões foram disparadas por uma afirmação do CEO (Chief Executive Officer, diretor executivo) da OpenAI, empresa responsável pelo Chat GPT, segundo quem os grandes modelos de linguagem que constituem essas plataformas poderiam suplantar a eficiência docente em diagnosticar estudantes e em consolidar propostas pedagógicas.
São estas as questões que o artigo Digitais: notas sobre o amor, o caráter e a docência, publicado pelo periódico Educação em Revista (vol. 41, 2025) e finalizado no final de 2023 por nós — Luiz Coppi, professor da Faculdade de Educação da Unicamp, e Gabriela Carvalho, mestra em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero —, se propôs a encarar.
A linha de raciocínio empreendida, entretanto, não se pautou em confirmar ou em refutar a tese de que as pessoas poderiam ser substituídas na docência. Resolveu-se, a título de exercício reflexivo, apostar em um “e se?” e dar-lhe consequência: e se, sim, as tecnologias chegarem a um estágio em que sejam mais eficazes do que professories? O que isso implica? Por que as plataformas digitais fazem, de forma mais eficaz, aquilo que fazemos em nosso ofício? Será preciso, necessariamente, não o fazer? Esse foi o grande deslocamento que se aventou nesta reflexão.
Entendemos, ao longo das pesquisas bibliográficas que empreendemos, que a tese da substituição depende de uma redução do exercício docente e do trabalho em geral, aos parâmetros bem específicos da utilidade e da eficiência mercadológica. Isso não significa, porém, que a profissão possa ser pensada somente a partir de tais enquadramentos. Na verdade, como nos ensina Günther Anders (2003), encerrá-la aí é extremamente perigoso.
Nesse sentido, o artigo busca, num primeiro momento, indicar que a pretensão a lidar com a docência a partir das demandas da eficiência mercadológica não é nova: ora se manifesta por meio de tentativas de aumentar o que se faz num mesmo intervalo de tempo ou de ampliar a clientela discente; ora em imposições à inibição de devaneios, de emoções e de reflexões pessoais sobre o próprio fazer; e, agora, por meio dessa ideia de que as máquinas de ensinar serão mais baratas e mais eficazes.
Para explorar esse universo das inteligências artificiais, recorremos a autores como João de Fernandes Teixeira, Jaime Sichman e Lucia Santaella. Depois, assumindo a hipótese de que o trabalho pode ser pensado não apenas a partir de sua utilidade, mas também a partir de seu sentido, autores como Jan Masschelein, Maarten Simons, Jorge Larrosa e Richard Sennett dão o tom do “amor” e do “caráter” mencionados no título.
Amar algo a ponto de forjar um caráter na relação com isso que se ama, forjar quem se é, não é pouca coisa. E a uma docência ciosa disso, importa menos a serventia daquilo que se faz e mais a existência que emerge desse fazer.
Ainda se põe em cena, como uma concretização dessa docência pensada por seus sentidos, um relato de memória em que o escritor moçambicano Mia Couto narra uma vivência escolar de quando era criança em que um professor, com um gesto relativamente simples, mas bastante corajoso, lhe dá algo que ele entende como uma verdadeira lição.
Ailton Krenak, em A vida não é útil, ensina-nos a pensar a existência para além de uma mera barganha pela sobrevivência. Em linhas gerais, foi este o desafio que este artigo procurou enfrentar. Em vez de entrarmos no jogo proposto pelas Big Techs, de competirmos com as tecnologias em termos de eficiência ou de custo-benefício, deslocarmos o entendimento acerca do trabalho de uma chave produtivista para uma que privilegie os sentidos daquilo que se faz.
Parece-nos uma forma de reivindicar os termos e as questões do cenário contemporâneo. É uma reivindicação por, mesmo mergulhados no Digital, ainda podermos fazer jus às digitais que imprimimos naquilo que fazemos e naquilo que somos.
Para ler o artigo, acesse
COPPI, L.A.C. and CARVALHO, G.A. Digitais: notas sobre o amor, o caráter e a docência. Educação em Revista [online]. 2025, vol. 41, e48352 [viewed 27 June 2025]. https://doi.org/10.1590/0102-4698-48352. Available from: https://www.scielo.br/j/edur/a/x57nXjv6XTp5BbBgL36brGG/
Referências
ANDERS, G. Nous, fils d’Eichmann. Paris: Rivages Poche, 2003
KRENAK, A. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020
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