André Luís Mota Itaparica, Universidade Federal da Recôncavo da Bahia (UFRB), Cachoeira, Ba, Brasil.
A arte da pintura não ocupa um lugar de grande destaque na obra de Friedrich Nietzsche, o que não quer dizer que não ocupa lugar algum. Apesar disso, a reflexão sobre as artes plásticas na filosofia de Nietzsche é um tema pouco explorado, lacuna que o artigo procura preencher, ao evidenciar, através das referências a Rafael Sanzio em O nascimento da tragédia, alguns aspectos de sua metafísica estética que não são objeto de grande atenção na bibliografia secundária.
O artigo Rafael e a metafísica de artista em O nascimento da tragédia, publicado pelo periódico Trans/Form/Ação (2025, vol. 48, no. 2), defende que as artes plásticas desempenham um papel, em O nascimento da tragédia, maior do que parecem ter: a arte apolínea é fundamental, não apenas para representar o aspecto figurativo da tragédia como também pode ser um meio de acesso a alguma compreensão da experiência dionisíaca.
Utilizando a relação de Nietzsche com a obra de Rafael como fio condutor, observa-se como o filósofo alemão, ao recorrer a reflexões de Friedrich Schiller, Arthur Schopenhauer, Richard Wagner e Jacob Burckhardt, criou uma elaborada e criativa compreensão das artes figurativas a partir de sua expressão no sonho. Nesse contexto, é de grande relevância o ensaio de Schopenhauer sobre a visão de espíritos, texto pouco estudado e que, no entanto, introduz o tema do enfraquecimento da aparência na aparência e do fortalecimento da visão interior do sonhador, questão central para a compreensão do aspecto onírico do apolíneo, tal como é desenvolvido na metafísica de artista nietzschiana.
De acordo com Schopenhauer, experiências como a vidência e os sonhos premonitórios podem ser explicadas se investigar sua origem no “órgão do sonho”, já que a intuição não é meramente sensual, mas intelectual (cerebral). Por órgão do sonho, Schopenhauer entende a atividade do cérebro quando, no sonho, os sentidos externos estão atenuados.
Quando isso ocorre, o cérebro passa a perceber estímulos internos de processos orgânicos vitais que são ignorados na vigília e que dão acesso à vontade metafísica, uma vez que o corpo é o ponto de união entre os dois aspectos do mundo, vontade e representação. A partir desses estímulos, o cérebro forma imagens que podem resultar em vidência e sonhos premonitórios. A tese central é que imagens podem ser formadas num processo que prescinde de estímulos externos e que não se confunde nem com a imaginação nem com a associação de ideias.
Wagner, e depois Nietzsche, se apropriam dessas ideias de Schopenhauer em suas concepções estéticas. De acordo com Wagner, o mesmo processo descrito no ensaio sobre a visão de espíritos ocorre quando ouvimos música. Nietzsche também o faz explicitamente quando menciona Rafael em O nascimento da tragédia, associando-o ao tema do enfraquecimento da aparência na aparência, o que, por sua vez, ecoa o tema clássico, na teoria e história da arte do Renascimento, do acesso do artista a ideias por meio de sua visão interior.
Para Nietzsche, seguindo uma indicação de Burckhardt, o poder da arte de Rafael consistiria sobretudo no uso desse expediente para tentar expressar algo impossível figurativamente: o efeito da música no ouvinte. Essa conclusão se baseia na referência de Nietzsche a O êxtase de Santa Cecília, pintura mencionada numa anotação póstuma, relacionada ao livro sobre a tragédia.
O artigo se destaca por retomar as conhecidas teses da metafísica de artista de Nietzsche em O nascimento da tragédia e suas fontes românticas, acrescentando a análise de temas do ensaio de Schopenhauer sobre a visão de espíritos como parte fundamental do apolíneo, tema mencionado apenas esporadicamente na literatura secundária. Além disso, o artigo recorre a importantes textos da história da arte, o que enriquece e contextualiza a caracterização nietzschiana das obras de Rafael, recorrendo, para isso, não apenas ao texto de O nascimento da tragédia, mas também a anotações póstumas e cartas.
Para ler o artigo, acesse
ITAPARICA, A.L.M. Rafael e a metafísica de artista em O nascimento da tragédia. Trans/Form/Ação [online]. 2025, vol. 48, no. 2, e025027 [viewed 23 April 2025]. https://doi.org/10.1590/0101-3173.2025.v48.n2.e025027. Available from: https://www.scielo.br/j/trans/a/33JbW9WggWgFcrd4cWF3v4b/
Referências
NIETZSCHE, F. O Nascimento da Tragédia. São Paulo: Companhia das Letras, 2020
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