João Miguel Diógenes de Araújo Lima, editor assistente, Sociedade e Estado, doutorando, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil.
Como compreender a complexidade e a diversidade de experiências “não ordinárias” vivenciadas na pandemia de Covid-19, especialmente no período de lockdown? Bettina E. Schmidt e Kate Stockly propõem essa análise em Experiences of Divine Bliss, Anger and Evil during the Pandemic: Non-ordinary Experiences during Lockdown, artigo publicado no dossiê Sociedade, cultura, sentido da vida e saúde mental no contexto de (pós)pandemia do periódico Sociedade e Estado, vol. 39, no. 3 (2024).
A partir de relatos obtidos em pesquisa online, as autoras ressaltam o papel dos grupos espirituais e religiosos no processo de interpretação e construção de sentido das experiências “não ordinárias” que, na ausência dessas comunidades, as pessoas precisam recorrer a outros grupos ou buscar sozinhas pelo sentido dessas experiências.
A pandemia de Covid-19, particularmente no seu início, gerou momentos impactantes de pessoas em busca de atendimento hospitalar e enterros coletivos, como ocorreu em Manaus em abril de 2020. As políticas de isolamento e distanciamento social – conhecidas em geral como “lockdown” – provocaram uma ruptura nas rotinas diárias.
Com interesse em conhecer modos de elaborar essas experiências, a análise baseia-se em pesquisa online realizada a partir de 2020 pelo Religious Experience Research Centre da University of Wales Trinity Saint David, do Reino Unido, em colaboração com o Center for Mind and Culture, dos Estados Unidos. Do conjunto de relatos obtidos de variados países, quatro foram selecionados: todos de homens, sendo três da Grã-Bretanha e um da Espanha; um identificado como anglicano e um identificado como católico; um deles doente com SARS-CoV-2.
Outros recortes de análise da mesma pesquisa encontram-se publicados (Schmidt; Stockly, 2021; Schmidt; Stockly, 2023). Bettina E. Schmidt é professora de estudos da religião e de Antropologia da Religião na University of Wales Trinity Saint David e diretora do Religious Experience Research Centre. Kate Stockly, coautora do artigo, é pesquisadora de pós-doutorado no Center for Mind and Culture. As autoras amparam sua análise em referências antropológicas e sociológicas dos estudos da religião.
Os relatos dos quatro participantes são categorizados entre bênção divina, raiva e frustração, alucinações e encontros com “o mal”, entendidos como respostas ao estresse e à incerteza da época. Interpretam e dão sentido a momentos perturbadores ou reconfortantes, com base em suas crenças e contextos socioculturais.

Imagem: Flickr
Tal capacidade de interpretar experiências não ordinárias em momentos de ruptura cotidiana é crucial para o bem-estar individual, pois atuam como mecanismos de enfrentamento. Embora o contexto sociocultural seja relevante no processo de construção de sentido, as autoras argumentam que o elemento racional e objetivo, por si só, não é capaz de responder tudo, e que a literatura sobre religião ainda traz lacunas para operar entre o ordinário e o não ordinário, o racional e o “irracional”.
Considerando que o bem-estar é em grande parte relacional (White, 2016), Schmidt e Stockly ressaltam, como conclusão, que grupos espirituais e religiosas exercem um papel de segurança e de construção de sentido em processos como aquele, vivido na pandemia. Na ausência desses grupos, as pessoas recorrem a grupos alternativos ou precisam fazer esse esforço de construção de sentido sozinhas.
Como contribuição para a agenda de pesquisas futuras no tema, as autoras sugerem mais investigações para compreender as respostas aos estressores durante a pandemia, e como grupos e comunidades têm contribuído para “reformar e estabelecer novas dinâmicas, incluindo mudanças nas relações de trabalho, crenças espirituais, participação religiosa e amigos e familiares no pós-pandemia” (Schmidt; Stockly, 2024, pp. 15, tradução nossa).
Para ler o dossiê completo acesse
Sociedade e Estado. vol. 39, no. 3, 2024
Para ler o artigo, acesse
SCHMIDT, B.E. and STOCKLY, K. Experiences of Divine Bliss, Anger and Evil during the Pandemic: Non-ordinary Experiences during Lockdown. Sociedade e Estado [online]. 2024, vol. 39, no. 3, e53575 [viewed 24 April 2025]. https://doi.org/10.1590/s0102-6992-20243903e53575. Available from: https://www.scielo.br/j/se/a/wf4JGNNyJvNx9MQdL3VfFqx/
Referências
SCHMIDT, B.E. and STOCKLY, K. The Fruits of Spiritual Experiences during the Pandemic: COVID-19 and the Effects of Non-Ordinary Experiences. Interdiscipliary Journal for Religion and Transformation in Contemporary Society [online]. 2024, vol. 10, no. 1, pp. 223-251 [viewed 24 April 2025]. https://doi.org/10.30965/23642807-bja10079. Available from: https://www.sciencedirect.com/org/science/article/pii/S2365314024000032
SCHMIDT, B.E. and STOCKLY, K. The Silence Around Non-Ordinary Experiences During the Pandemic. Alternative Spirituality and Religion Review [online]. 2021, vol. 13, no. 1, pp. 1-21 [viewed 24 April 2025]. https://doi.org/10.5840/asrr20226889. Available from: https://www.pdcnet.org/asrr/content/asrr_2022_0999_6_8_89
WHITE, S.C. Cultures of Wellbeing: Method, Place, Policy. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2016
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