Maior tempo de convívio durante pandemia provocou mudanças no relacionamento entre pais e filhos

Profa. Dra. Aline Sommerhalder, Docente Associada 3 na Universidade Federal de São Carlos – Departamento de Teorias e Práticas Pedagógicas e Programa de Pós-graduação em Educação; Diretora do Centro de Pesquisa da Criança e de Formação de Educadores da Infância (Cfei), São Carlos, SP, Brasil. 

Profa. Dra. Luana Zanotto. Docente Adjunta na Universidade Federal de Goiás – Faculdade de Educação Física e Dança (FEFD); Membro Pesquisadora do Cfei, Goiânia GO, Brasil. 

Profa. Dra. Anna Aluffi Pentini, Docente Ordinaria (Titular) na Università degli Studi Roma Tre – Dipartimento di Scienze della Formazione, Roma, Itália. 

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O artigo intitulado A reorganização do convívio familiar com crianças em pandemia pela covid-19 no Brasil derivou de uma pesquisa concluída e abordou o convívio doméstico no cotidiano de famílias com crianças escolares diante da pandemia pelo Covid-19. O trabalho aborda possíveis mudanças nas rotinas, hábitos e condutas diárias de famílias com crianças em idade escolar.

Ocorreram mudanças na rotina de vida das crianças, sem atendimento presencial nas escolas e ampliação do tempo dentro de casa? A complexidade dessa urgente situação e do viver no cotidiano diante dessa nova realidade doméstica mobilizou as pesquisadoras das duas Universidades Públicas a questionarem esses contextos familiares. O estudo apresentado traz alguns resultados do lado brasileiro da pesquisa, que teve realização concomitante na Itália, no período da pandemia.

De vertente mista (qualitativo e quantitativo), o estudo com trato crítico-interpretativo assumiu referencial de pensamento sócio-humanista, tendo Paulo Freire como um dos autores. Participaram 478 famílias sendo que a maioria dos participantes da pesquisa foram mulheres (90,8%) que exerciam ainda a função de mãe. Isso não significa que eram chefes ou responsáveis pelos lares domésticos, mas que optaram voluntariamente por participar do estudo. A investigação foi executada por meio de desenho de E-survey com questionário on-line de opinião pública. Majoritariamente residentes em municípios do estado de São Paulo, as participantes indicaram que houve transformação do cotidiano em casa e no cenário familiar ocasionado pela pandemia.

O estudo foi realizado por meio de uma rede de parceria internacional entre pesquisadoras do Brasil (Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, campus de São Carlos) e da Itália (Università degli Studi Roma Tre – UniRoma 3, campus de Roma). O desenho metodológico desencadeou a necessidade de produção de um instrumento especificamente formulado para a coleta de dados, em versão original inglês com tradução livre para o italiano e português, sob coordenação das pesquisadoras.

O instrumento foi aplicado nos meses de maio e junho de 2020, por meio do Google Forms (60 dias de coleta no Brasil e na Itália). Informações sobre caracterização dos participantes, a configuração familiar (número de residentes no mesmo espaço, agregados durante a quarentena, etc) e características físicas do ambiente doméstico também foram coletadas. O material foi composto por 42 questões abertas e 33 fechadas, totalizando 75 questões. 

No Brasil, o questionário foi endereçado às cinco regiões do país, além do Distrito Federal. Houve maior participação do Sudeste, especialmente da macrorregião centro-leste do Estado de São Paulo. A média de idade das brasileiras foi de 39,24 anos, com participantes entre 20 e 64 anos. Os dados quantitativos foram tabulados por meio de estatística descritiva – frequência (f) e percentual (%), com auxílio do programa Microsoft Excel. Os dados qualitativos foram submetidos ao processo de análise de conteúdo (BARDIN, 2009) com uso de análise temática (MINAYO, 1992). 

Duas categorias foram estruturadas: “A estruturação familiar em contexto pandêmico” e “As relações com crianças no cotidiano familiar em contexto pandêmico”. Os resultados dessas duas categorias foram tratados a partir do constructo teórico de Freire (FREIRE, 2014; FREIRE, 2017) e outros autores inseridos no campo sócio-humanista. 

Dentre os resultados, vale destacar que os impactos do isolamento social nas relações familiares e transformações ocorridas por esse acontecimento não foram iguais para todas as famílias, e somente uma parte delas conseguiu cumprir as recomendações do isolamento social (por questões de necessidade de captação de recursos financeiros, por exemplo). Dentre os 222 participantes respondentes que estavam trabalhando em contexto doméstico naquela oportunidade., somente 175 responderam compartilhar positivamente a presença dos filhos em casa, especialmente com atenção às tarefas escolares. 

As famílias em condição de trabalho remoto tiveram que modificar seu cotidiano dentro de casa diante da presença ampliada das crianças e demanda para acompanhamento das tarefas escolares. Isso desencadeou o aumento das regras de convívio e a aplicação de castigo se ampliou, quando estas regras não foram cumpridas pelas crianças. Os castigos foram justificados pela desobediência das crianças, como teimosia e birras em não cumprir as tarefas (sejam as escolares ou domésticas) ou por muitas horas no videogame e uso de celular.

Além disso, as crianças com maior idade (em caso de irmãos) foram acionadas para ajuda e cuidado do irmão menor, bem como realização de limpeza e organização dos espaços domésticos. Sobre o cotidiano da vida adulta na casa durante a pandemia, destaca-se a ampliação do sentimento de impaciência em situações de soma das obrigações profissionais em trabalho remoto com as tarefas domésticas. 

Outras investigações que possam apresentar as percepções de familiares sobre as crianças no cenário da covid-19 deveriam ser realizadas, especialmente abordando o manejo das relações com as crianças e seus efeitos sobre a qualidade de vida infantil e aprendizagem escolar. Outra necessidade de estudo está posto na necessidade de examinar como as atividades de ensino do contexto escolar foram desenvolvidas no âmbito remoto (na residência).

Referências

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Rev. e atual. Lisboa: Edições, 70, 2009.

FREIRE, P. Educação como prática da Liberdade. 14. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2017.

FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: Paz e Terra, 2014.

Primeiríssima infância–interações na pandemia: comportamento de pais e cuidadores de crianças de 0 a 3 anos em tempos de Covid-19 [online]. Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. 2021 [viewed 09 August 2023]. Available from: https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/primeirissima-infancia-interacoes-pandemia-comportamentos-cuidadores-criancas-0-3-anos-covid-19/ 

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em Saúde. São Paulo: Hucitec/Abrasco, 1992.

Consequências adversas do fechamento das escolas. Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). 2020 [viewed 09 August 2023]. Available from: https://pt.unesco.org/covid19/educationresponse/consequences#:~:text=Maior%20exposi%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20viol%C3%AAncia%20e,o%20trabalho%20infantil%20igualmente%20cresce

Para ler o artigo, acesse

SOMMERHALDER, A., ZANOTTO, L. and PENTINI, A. A. A REORGANIZAÇÃO DO CONVÍVIO FAMILIAR COM CRIANÇAS EM PANDEMIA PELA COVID-19 NO BRASIL. Educação Em Revista [online]. 2023, vol. 39, e35663 [viewed 09 August 2023]. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-469835663. Available from: https://www.scielo.br/j/edur/a/w6ZxqkkSzwBCWRkVkB4yH5B/#  

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SOMMERHALDER, A., ZANOTTO, L. and PENTINI, A. A. Maior tempo de convívio durante pandemia provocou mudanças no relacionamento entre pais e filhos [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/08/09/maior-tempo-de-convivio-durante-pandemia/

 

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