Como ideias e elites importam para a industrialização

Renato Perissinotto, Professor de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, Paraná. Brasil.

Wellington Nunes, Professor de Administração Pública e Políticas Públicas da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Foz do Iguaçu, Paraná. Brasil. 

Logo do periódico DADOSA literatura que estuda processos de transição tardia de sociedades agrárias para sociedades industrializadas em perspectiva comparada mobiliza diversas variáveis para entender por que algumas são bem-sucedidas e outras não. Quase sempre, um argumento predominantemente institucionalista, centrado nas capacidades estatais, combina-se com a mobilização de variáveis de outra natureza, notadamente os condicionantes históricos dos processos de transição e as conjunturas críticas que servem de estímulo ou de obstáculo para que uma sociedade abandone o seu antigo modelo econômico (ver, por exemplo, Acemoglu e Robinson, 2012; Amsden, 1989; Chang, 2006; e Evans 1995).

Uma outra parcela da literatura, porém, sem abandonar a importância das variáveis acima identificadas, confere centralidade aos grupos que criam e conduzem essas instituições em momentos críticos para o processo de transição nas sociedades analisadas. Stephen Haggard (1990), David Waldner (1999), Atul Kohli (1999) e Elizabeth Thurbon (2016), por exemplo, defendem ir além de um argumento estritamente institucionalista, pois avaliam não ser possível derivar automaticamente as policies promotoras da industrialização de certos parâmetros institucionais. Para que as instituições produzam tais políticas não basta que tenham capacidade para fazê-lo, mas é preciso também que se combinem com a disposição das elites para formulá-las e para construir as instituições adequadas à sua implementação.

Inspirado nessas proposições, o artigo Elites, Estado e Industrialização: uma Análise Fuzzyset, publicado no periódico Dados – Revista de Ciências Sociais, vol. 66, no. 4 (2023), procura testar a proposição geral de que a presença de uma elite modernizadora, subjetivamente disposta a perseguir, numa dada conjuntura crítica, o objetivo da industrialização e capaz de forjar coalizões políticas que a sustentem, é uma condição necessária para a promoção do desenvolvimento industrial em países tardios. 

 Imagem de uma ponte sendo iluminada pelo sol e, ao fundo, uma cidade com vários prédios.

Imagem: Unplash.

Há duas hipóteses correlatas: i) a presença de uma elite subjetivamente orientada está intimamente vinculada à construção de instituições estatais eficientes para a promoção da industrialização, podendo assumir diferentes formas; ii) o tipo de Estado criado depende do tipo de elite em questão e a combinação entre essas duas variáveis gera rotas distintas de transição para sociedades industrializadas.

As hipóteses são testadas com base na comparação entre treze casos que se propuseram a transitar de uma sociedade agrária para outra industrializada, em diferentes momentos do século XX e com níveis distintos de êxito: três que fracassaram inteiramente nessa empreitada (Zaire, Nigéria e Filipinas); cinco que obtiveram relativo sucesso (Índia, Chile, Argentina, México e Brasil); e cinco que completaram essa transição plenamente (Suécia, Noruega, Coreia, Taiwan e Japão).

O modelo analítico, construído a partir do diálogo com a literatura, é composto por quatro condições causais (legado histórico, tipo de conjuntura crítica, elite modernizadora e tipo de Estado) e uma variável de resultado (industrialização tardia). A relação de causalidade entre elas foi testada por meio de Análise Qualitativa Comparativa, em sua variante para conjuntos difusos (fsQCA), abordagem adequada para analisar causalidade complexa. Em termos práticos, trata-se de verificar se há condições necessárias e/ou suficientes para a ocorrência de determinado fenômeno. 

A análise empírica confirma as três hipóteses aventadas inicialmente. A primeira delas defende que a industrialização tardia tem como condição necessária a presença de uma elite subjetivamente orientada e, ao mesmo tempo, capaz de construir coalizões que possam sustentar o objetivo industrializante – o que foi confirmado, para os casos considerados, pela análise de necessidade (ver Tabela 1).

Análise da necessidade das condições
Condições testadas Consistência Cobertura
LH 0,79 0,85
CC 0,83 0,85
EM 0,88 0,91
TE 0,83 0,98
LH+CC+EM+TE 0,94 0,80
CC+EM+TE 0,94 0,80
EM+TE 0,88 0,91
Fonte: Perissinotto, R. and Nunes, W. (2020).
Notas: LH = legado histórico econômico e institucional; CC = conjuntura crítica; EM = elite modernizante; TE = Tipo de Estado.

 

A segunda hipótese propõe que a presença desse tipo de elite está intimamente vinculada à construção de instituições estatais que favoreçam o desenvolvimento via industrialização; ou seja, a presença da elite é condição necessária, mas não suficiente. Isso foi confirmado pela análise de suficiência, que mostrou que ao menos duas condições (elite modernizadora e tipo de Estado) precisam estar presentes para que a industrialização ocorra. Ou seja, elites com intenções modernizadoras precisam construir instituições que possam concretizá-las. 

Por fim, a terceira hipótese sugere que o tipo de Estado criado para viabilizar a industrialização depende do tipo de elite que lidera o processo de construção institucional. A implicação disso é clara: combinações variadas entre diferentes tipos de elite e diferentes tipos de Estado podem gerar rotas distintas de transição para sociedades industrializadas. Essa implicação permite, por exemplo, pensar em uma rota asiática (a partir de Japão, Coréia do Sul e Taiwan) e outra escandinava (com base em Suécia e Noruega) para a industrialização.

Referências

ACEMOGLU, D. and ROBINSON, J. Por Que as Nações Fracassam: as Origens da Riqueza e da Pobreza. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

AMSDEN, A. Asia’s Next Giant. South Korea and Late Industrialization. Oxford: Oxford University Press, 1989.

CHANG, H.J. Kicking Away the Ladder. Developmental Strategy in Historical Perspective. London: Anthem Press, 2006. 

EVANS, P. Embedded Autonomy: States and Industrial Transformation. Princeton: Princeton University Press, 1995.

HAGGARD, S. Pathways from the Periphery. The Politics of Growth in the Newly Industrializing Countries. Ithaca: Cornell University Press, 1990.

KOHLI, A. Where do high growth political economies come from? The Japanese lineage of Korea’s “developmental state”. World development [online]. 1994, vol. 22, no. 9, pp. 1269-1293 [viewed 08 August 2023]. Available from: https://www.princeton.edu/~kohli/docs/HighGrowth09_1994.pdf 

Thurbon, E. Developmental Mindset. The Revival of Financial Activism in South Korea. Ithaca: Cornell University Press, 2016.

WALDNER, D. State Building and Late Development. Ithaca: Cornell University Press, 1999.

Links externos

Dados – Revista de Ciências Sociais: www.scielo.br/dados

Página Institucional do Periódico: http://dados.iesp.uerj.br/

Renato Perissinotto: https://www.researchgate.net/profile/Renato-Perissinotto 

Wellington Nunes: https://www.researchgate.net/profile/Wellington-Nunes-2

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

PERISSINOTTO, R. and NUNES, W. Como ideias e elites importam para a industrialização [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/08/08/como-ideias-e-elites-importam-para-a-industrializacao/

 

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