Influências externas e perda de autonomia no governo Bolsonaro do Programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisa do CNPq

Adolfo-Ignacio Calderón, Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Bolsista de Produtividade em Pesquisa, CNPq, Diretor Financeiro, Associação Brasileira de Avaliação Educacional (ABAVE) , Campinas, SP, Brasil.

Logo do periódico Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em EducaçãoO avanço da produção científica no Brasil, em diversas áreas do conhecimento, ocorre por meio de diferentes mecanismos de indução promovidos por políticas públicas, em variados níveis de governo. Um dos principais instrumentos nessa estrutura é o Programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisa (PBPP), promovido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Talvez a maioria dos brasileiros desconheça a importância desse programa para a ciência no país. Ele atua como um sistema de seleção, classificação e diferenciação entre pesquisadores de várias áreas do conhecimento. De acordo com documentos oficiais do CNPq, o PBPP é destinado “aos pesquisadores que se destaquem entre seus pares” (Brasil, 2023, p. 1). Seus editais, focados na análise de projetos de pesquisa e na trajetória acadêmico-científica dos candidatos, visam “valorizar pesquisadores com produção científica, tecnológica e de inovação de destaque em suas respectivas áreas”, além de “incentivar o aumento da produção científica, tecnológica e de inovação de qualidade” (Brasil, 2023, p. 1).

Um fator que confere legitimidade ao programa junto à comunidade científica é que os projetos de pesquisa e formação de recursos humanos são avaliados por Comitês de Assessoramento (CA). Esses comitês são compostos por pesquisadores selecionados através de uma consulta nacional à comunidade científica e tecnológica. Cada CA, correspondente a uma área do conhecimento, atua com ampla autonomia, tomando decisões de forma democrática entre seus pares sobre a relevância científica e social das propostas avaliadas.

Em 2020, durante o governo Bolsonaro (2019-2022), foi lançado mais um edital para seleção de pesquisadores para o Programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisa (PBPP), por meio do Edital Chamada CNPq nº 09/2020 (Brasil, 2020). Este edital se destacou pela exigência de aderência dos projetos de pesquisa avaliados pelos CA às Áreas de Tecnologias Prioritárias (ATP), definidas pelo então Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. A aderência às ATP foi um critério de avaliação essencial para a obtenção da mais alta pontuação na seleção, exigência que permaneceu em vigor por um período trienal (2021-2023).

Para a área de Educação, essa exigência se mostrou particularmente desafiadora, já que, na maioria dos casos, não havia uma relação direta entre as ATP e os temas prioritários dessa área. Ao longo desse período, um total de 440 pesquisadores da área de Educação tiveram seus projetos avaliados e aprovados, diante dessa nova condição.

Assim, os CA perderam sua autonomia na decisão sobre os temas de pesquisa de maior relevância científica e social para suas respectivas áreas. A aderência às ATP, devido ao seu peso elevado entre os critérios de avaliação, tornou-se fator determinante tanto para os pesquisadores já inseridos no PBPP, que buscavam manter sua posição no programa, quanto para aqueles que aspiravam a ingressar nele.

Imagem de blocos de madeira, ao fundo com letras em preto e, em destaque, letras em azul montando a palavra "research"

Imagem: Canva

É precisamente, nesse cenário, que o artigo A avaliação dos projetos para a obtenção de Bolsa de Produtividade em Pesquisa: a aderência às áreas de tecnologias prioritárias do CNPq à luz do pensamento de Robert Merton, publicado no periódico Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação (vol. 32, no. 125, 2024), tem como objetivo discutir e refletir, à luz das contribuições teóricas de Robert Merton, Pai da Sociologia da Ciência, sobre a influência extrínseca à pesquisa científica brasileira especificamente na área de Educação, decorrente da exigência de aderência dos projetos de pesquisa do PPQ às áreas de tecnologias prioritárias (ATP).

Este trabalho resulta de uma pesquisa qualitativa, de caráter bibliográfico e documental, que também incorpora reflexões pessoais do autor, fundamentadas em evidências empíricas.

A temática é tratada no contexto de uma política pública de um governo marcado pelo negacionismo científico, pelo desdém ao trabalho de Paulo Freire e seu legado para a Educação, além de ataques diretos a professores, escolas e universidades. Esse cenário de desvalorização das ciências humanas afetou profundamente o campo educacional e a percepção pública dessas instituições no Brasil.

Ao longo do artigo, com base nas contribuições teóricas de Merton, foram analisadas a dinâmica do PBPP dentro da estrutura científica nacional, as implicações para a ciência brasileira da exigência de aderência dos projetos avaliados às ATP, além da resistência da comunidade científica às influências externas sobre o campo científico.

Destaca-se que o que está em xeque é a forma de relacionamento entre o governo da época e a comunidade científica, marcada pela falta de diálogo. Ressalta-se, porém, o consenso sobre a importância e a necessidade do financiamento governamental para o avanço do conhecimento em áreas de fronteira entre Educação e tecnologias.

Defende-se que a concretização de uma relação simbiótica e sinérgica entre o poder estatal e a comunidade científica está condicionada à legitimidade atribuída à ciência na esfera social e a existência de um governo que tenha uma forte convicção na capacidade intrínseca da ciência para impulsionar não somente o desenvolvimento tecnológico, mas também social e educacional do país.

Argumenta-se, ainda, que, talvez, o maior desafio na era da infodemia e pós-verdade (Gamba; Righetti, 2024), em um cenário brasileiro e global pós-pandemia, seja construir relações de confiança entre a sociedade e a ciência, especialmente as ciências da Educação, tão desprezadas durante ao longo do governo Bolsonaro.

Para ler o artigo, acesse

CALDERÓN, I.A. A avaliação dos projetos para a obtenção de Bolsa de Produtividade em Pesquisa: a aderência às áreas de tecnologias prioritárias do CNPq à luz do pensamento de Robert Merton. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação [online]. 2024, vol. 32, no. 125, e0244891 [viewed 18 February 2025]. https://doi.org/10.1590/S0104-40362024003204891. Available from: https://www.scielo.br/j/ensaio/a/stGTCfg8Yg98cSVvrk5xLQj/

Referências

Chamada CNPq Nº 09/2020 Bolsas de Produtividade em Pesquisa [online]. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. 2020 [viewed 18 February 2025]. Available from: http://memoria2.cnpq.br/web/guest/chamadas-publicas?p_p_id=resultadosportlet_WAR_resultadoscnpqportlet_INSTANCE_0ZaM&idDivulgacao=9623&filtro=encerradas&detalha=chamadaDetalhada&id=58-107-6827

Chamada CNPq Nº 09/2023 Bolsas de Produtividade em Pesquisa e Bolsas de Produtividade em Pesquisa Sênior [online]. Escritório de Apoio Instit. ao Pesquisador (EAIP – FFLCH). 2023 [viewed 18 February 2025]. Available from: https://eaip.fflch.usp.br/node/215

GAMBA, E. and RIGHETTI, S. Negacionismo científico e suas consequências. São Paulo: Edições 70, 2024

Links externos

Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação – SciELO

Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

CALDERÓN, I.A. Influências externas e perda de autonomia no governo Bolsonaro do Programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisa do CNPq [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2025 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2025/02/18/influencias-externas-e-perda-de-autonomia-no-governo-bolsonaro-do-programa-de-bolsas-de-produtividade-em-pesquisa-do-cnpq/

 

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