Desejo e homoerotismo em escritos de Machado de Assis

Tiago Seminatti, Assistente editorial da Machado de Assis em linha – revista eletrônica de estudos machadianos, São Paulo, SP, Brasil

Dois artigos do periódico Machado de Assis em linha número 22, lançada em dezembro de 2017, trazem como assunto o desejo. No artigo “A fofoca e o desejo de Marocas”, Conceição Aparecida Bento, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, estuda a construção da personagem Marocas, do conto “Singular ocorrência”, de Machado de Assis. Inspirada pelas ideias de Lacan, a pesquisadora preocupa-se fundamentalmente com o desejo envolvendo a personagem feminina. O resultado é a descoberta de que Marocas desloca a expectativa pautada no senso comum e permite que se revele aspectos contraditórios dos homens que a observam.

No artigo, a autora analisa primeiro o início do conto e mostra a exigência que este requer de um leitor que seja atento para lidar com a instância do enunciado e a instância da enunciação, ou seja, a conversa entre homens que observam uma mulher no tempo presente e sua articulação com o tempo da história passada, contada pelo narrador. Em seguida, faz resumo interpretativo detalhado do conto, que contém o relacionamento amoroso entre um homem casado, Andrade, e Marocas, uma ex-prostituta. Na segunda parte do texto, Bento articula de modo mais direto seu estudo à teoria lacaniana, recorrendo, por exemplo, a O avesso da psicanálise (LACAN, 1992), para analisar especificamente o desejo de Marocas, que trai Andrade com Leandro, um passante pobre. A significação do ato pode ser não uma atitude revanchista — Andrade estava com a esposa e ela sozinha —, mas a genuína manifestação do desejo: “ela não apenas se inscreve no circuito do desejo, mas cai fora do da mercadoria e das valorações capitalistas. Duplamente ousada, Marocas une Lacan e Marx.” (BENTO, 2017, p. 69) Além da consideração pormenorizada do desejo da personagem a partir de elementos do conto, a pesquisadora avalia o quanto o juízo de valor sobre Marocas revela menos sobre ela e mais sobre seus observadores.

Já em “Amizade masculina e homoerotismo em Dom Casmurro, de Machado de Assis”, Osmar Pereira Oliva, da Universidade Estadual de Montes Claros, discute as representações do masculino e as relações de amizade em Dom Casmurro, de Machado de Assis, por meio de uma hipótese que atenta para a sedução que Escobar exerce sobre Bentinho. Antes de iniciar a análise da obra, o pesquisador, baseado em A inocência e o vício: estudos sobre o homoerotismo, de Costa (1992), apresenta uma explanação de viés histórico acerca do conceito de homossexualidade, com o intuito de não incorrer em anacronismo e de explicar que “homossexualidade é um termo que não dá conta de abarcar todas as relações entre iguais”, e, por isso, “preferimos o termo homoerotismo, o qual estendemos a certas narrativas do século XIX  e do início do século XX” (OLIVA, 2017, p. 76). Nesse sentido, discute, considerando importantes estudos sobre o assunto, como Literatura e homoerotismo masculino, de Barcellos (2006), pressupostos teóricos, sempre articulados com exemplos extraídos da literatura, para fundamentar e dar coerência à análise acerca de Dom Casmurro.

Na análise literária, Oliva primeiro investiga a (ausência de) identidade de Bento Santiago, protagonista do romance, explorando a inadequação dele em relação aos valores da sociedade patriarcal brasileira do século XIX, desajuste devido em grande parte à sua condição de filho de viúva. Deste modo, o patriarcalismo pautaria as relações de Capitu e Escobar com Bentinho, ser frágil e dominável em meio a esse mundo. O protagonista, assim, encontra o seu oposto no amigo, de modo a admirá-lo e, por isso, encaminhar o “seu olhar com muito mais intensidade e gozo sobre o corpo de Escobar do que sobre o corpo de Capitu” (OLIVA, 2017, p. 86) O artigo, por fim, fundamenta tal afirmação através de uma análise atenta dos componentes internos do romance.

Referências

BARCELLOS, J. C. Literatura e homoerotismo masculino. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2006.

COSTA, J. F. A inocência e o vício: estudos sobre o homoerotismo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1992.

LACAN, J. O avesso da psicanálise (Seminário 17). Ed. Jacques-alain Miller. Tradução de A. Roitman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.

Para ler os artigos, acesse

BENTO, C. A. A fofoca e o desejo de Marocas. Machado Assis Linha [online]. 2017, vol. 10, no. 22, pp.60-73, ISSN 1983-6821 [viewed 07 February 2018]. DOI: 10.1590/1983-6821211710225. Available from: http://ref.scielo.org/3kgtrd

OLIVA, O. P. Amizade masculina e homoerotismo em Dom Casmurro, de Machado de Assis. Machado Assis Linha [online]. 2017, vol.10, no. 22, pp.74-93, ISSN 1983-6821 [viewed 07 February 2018]. DOI:  10.1590/1983-6821201710226. Available from: http://ref.scielo.org/xybd3d

Link externo

Machado de Assis em Linha – MAEL: http://www.scielo.br/mael

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SEMINATTI, T. Desejo e homoerotismo em escritos de Machado de Assis [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2018 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2018/02/22/desejo-e-homoerotismo-em-escritos-de-machado-de-assis/

 

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