Camila Villard Duran, Professora doutora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Caio Borges, Doutorando em direito pela Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
A pesquisa intitulada “Enfrentando a crise financeira: como constrangimentos jurídicos causaram a fragmentação institucional do poder monetário brasileiro no pós-2008”, publicada na Revista Direito GV (v. 14, n. 2), analisou as mudanças promovidas sobretudo a partir de 2008 no marco regulatório brasileiro, que tinham por objetivo expandir os poderes do BCB e do FGC na estabilização e na resolução de situações de iliquidez ou insolvência de instituições financeiras. Também foram coletadas informações sobre casos concretos de atuação do FGC na provisão de auxílio emergencial e administração de bancos em dificuldades. Foram analisados normas jurídicas e ações de políticas públicas, além de dados agregados sobre o volume de recursos disponibilizados, a partir de demonstrações financeiras e fontes secundárias. Os dados empíricos inspiraram um modelo analítico de avaliação da esfera de atuação do FGC e BCB.
Desde 2008, seguindo uma tendência mundial (FINANCIAL STABILITY BOARD, 2012), o papel do FGC tem se tornado cada vez mais relevante, sobretudo no tratamento de crises ocorridas no segmento de bancos de pequeno e médio porte (BORGES, 2014; DURAN, 2012; PINTO, 2015). O FGC é uma entidade de natureza privada, que tem por missão promover a estabilidade do sistema financeiro nacional e contribuir para a prevenção de crises sistêmicas. Para cumprir esses objetivos, o Fundo, que foi criado originalmente em 1995, protege depósitos até certo limite. A partir de sucessivas mudanças em seu estatuto, o Fundo foi dotado de poderes e instrumentos, que lhe propiciaram ser mais assertivo na contenção de crises. Exemplos de medidas inovadoras foram a criação de um depósito garantido de longo prazo, com cobertura expandida, que serviria para fortalecer a captação de bancos menores (PFIFFER, 2013), e o protagonismo do Fundo nas operações de capitalização, venda, reestruturação e encerramento das atividades de bancos em dificuldades.
A explicação para esse fenômeno – a fragmentação do poder monetário no Brasil – está no desenho institucional e normativo do marco de prevenção e resolução de crises financeiras no país. Desde 2000, vigora a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que dentre diversas inovações, proibiu em seu artigo 28 o uso de recursos públicos, inclusive de operações de crédito, para socorrer instituições financeiras, “salvo mediante lei específica”.
A LRF foi aprovada em um contexto no qual o país recém saíra de uma década marcada por instabilidades no sistema financeiro nacional e que demandaram amplos programas de reestruturação e saneamento. No entanto, ela acabou gerando impactos institucionais significativos no papel de prestamista do Banco Central, pois limitou sua capacidade de agir de forma ágil para restaurar a estabilidade e a confiança dos agentes econômicos. Isso contrasta com a margem de atuação usufruída por bancos centrais de países desenvolvidos, como nos EUA, no Reino Unido e no Japão, para lidar com crises financeiras acentuadas (KROSZNER; MELICK, 2009).
Para contornar essa limitação institucional, o Conselho Monetário Nacional delegou parte dos poderes monetários e de administração de crises do BCB ao FGC, que acabou se tornando um autêntico “prestamista de última instância” (“Lender of last resort”) e gestor de crises do sistema financeiro nacional. No entanto, essa delegação não veio acompanhada de mecanismos robustos de prestação de contas e responsabilização das duas entidades.
Ainda, essa delegação apresenta deficiências institucionais, que podem comprometer respostas a crises de maior envergadura. Os critérios de acionamento de cada uma das entidades parecem não ser claros, tampouco há uma boa definição de seus respectivos campos de atuação, dos mecanismos de coordenação e dos requisitos de transparência sobre as ações tomadas no curso de um episódio de crise. Em uma crise de grandes proporções, os atuais arranjos podem não ser suficientes.
O estudo apresenta argumentos convincentes, sustentando que há problemas de legitimidade e de eficiência econômica do atual arcabouço jurídico. Reformas mais robustas que envolvam o Poder Legislativo são necessárias para prover maior consistência ao arcabouço brasileiro de enfrentamento de crises financeiras e para mitigar possíveis fontes de risco moral.
Referências
BORGES, C. de S. Banco Central e a administração de crises bancárias. 2014. Dissertação (Mestrado). Escola de Direito de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2014.
DURAN, C. V. A moldura jurídica da política monetária: estudo do Bacen, do BCE e do Fed. São Paulo: Saraiva, 2013.
FINANCIAL STABILITY BOARD. Thematic Review of Deposit Insurance Systems. Fev. 2012. [viewed 5 November 2018]. Available from: http://www.fsb.org/wp-content/uploads/r_120208.pdf?page_moved=1
KROSZNER, R.; MELICK, W. The response of the Federal Reserve to the recent banking and financial crisis. In: An ocean apart? Comparing transatlantic responses to the financial crisis. Rome: Banca d’Italia/Washington: Bruegel Institute e Peterson Institute of International Economics, 2009.
PFIFFER, D. M. Crise de confiança e liquidez bancária: evidências empíricas no mercado bancário brasileiro. 2013. Dissertação (Mestrado). Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2013.
PINTO, Gustavo M. A. Regulação sistêmica e prudencial no setor bancário. Coimbra: Almedina, 2015.
Para ler o artigo, acesse
DURAN, C. V. and BORGES, C. Enfrentando a crise financeira: como constrangimentos jurídicos causaram a fragmentação institucional do poder monetário brasileiro no pós-2008. Rev. direito GV [online]. 2018, vol. 14, no. 2, pp.450-491, ISSN 2317-6172 [viewed 31 October 2018]. DOI: 10.1590/2317-6172201819. Available from: http://ref.scielo.org/f4985y
Link externo
Revista Direito GV – RDGV: www.scielo.br/rdgv
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