Renato Ventocilla, mestrando em Relações Internacionais na Universidade de Brasileira (UnB), onde desenvolve trabalhos sobre a questão das crises na União Europeia e membro da equipe editorial da RBPI, Brasília, DF, Brasil
Antônio Carlos Lessa, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), editor-chefe da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI, Brasília, DF, Brasil
As relações comerciais e políticas da América Latina sempre tiveram como seu pivô os Estados Unidos da América. No artigo “The weight of ideology on the atitude of Latin American countries toward the United States“, publicado no primeiro número de 2017 (v. 60, n. 1) da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI, são discutidas as influências de fatores ideológicos nas relações de países latino-americanos com os Estados Unidos.
O membro da equipe editorial da RBPI, Renato Ventocilla entrevistou um dos autores do artigo, João Carlos Amoroso Botelho que é professor adjunto da Área de Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Goiás, onde coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas em América Latina e Política Comparada (CNPq e UFG). É doutor em Ciência Política pela Universidad de Salamanca, da Espanha, e integra o grupo Democratización de América Latina en Perspectiva Comparada (DALC) no âmbito da Asociación Latinoamericana de Ciencia Política, concedeu uma entrevista para Renato Ventocilla.
No artigo se examina os efeitos de quatro variáveis, incluindo duas ideológicas, sobre a coincidência de votos de dezessete países latino-americanos com os EUA na Assembleia Geral das Nações Unidas. As duas variáveis ideológicas consideradas foram as posições do partido político no poder e as do presidente na escala esquerda-direita, de acordo com a avaliação dos legisladores de cada país por período de governo. Duas outras variáveis também foram testadas, para avaliar explicações alternativas sobre a atitude das nações latino-americanas em relação aos Estados Unidos.
1. Como a metodologia adotada no trabalho poderia ser adequada de modo a mensurar candidatos que fogem ao arquétipo tradicional de direita ou esquerda, tendo como exemplo o posicionamento do atual presidente dos Estados Unidos?
Os dados sobre ideologia que o artigo utiliza são provenientes do Proyecto Élites Parlamentarias Latinoamericanas, mais conhecido pela sigla PELA, do Instituto de Iberoamerica, da Universidad de Salamanca, onde fiz o doutorado. Esse projeto faz entrevistas com deputados a cada legislatura nos países latino-americanos e, entre outras perguntas, pede que classifiquem na escala esquerda-direita uma série de partidos e políticos. A escala vai de 1 a 10, sendo que 1 é esquerda, e 10, direita. Então, o que o entrevistado faz é situar partidos e políticos nessa escala. A partir das respostas, se calcula a média para cada partido e político. Nesse caso, não haveria nenhuma dificuldade metodológica em situar Donald Trump ou outro político de estilo parecido na escala. Talvez, seja mais difícil para quem responde fazer uma avaliação, mas para a aplicação da metodologia, não.
2. A influência da China poderia alterar o tabuleiro político estabelecido, como por exemplo as posições dos países latino-americanos na Assembleia Geral das Nações Unidas, pois teriam mais poder de negociação face aos Estados Unidos e ao FMI?
O que o artigo analisa é o peso da ideologia na postura dos países latino-americanos perante os Estados Unidos, mostrando que ela é importante e mais relevante do que explicações alternativas, como a força relativa no cenário internacional ou a dependência de empréstimos externos. Nesse sentido, a expectativa de que governos de esquerda na América Latina sejam críticos dos Estados Unidos e governos de direita sejam simpáticos se confirma. Não há, portanto, a intenção de explicar como os países latino-americanos votam na UNGA, e sim, utilizar as votações nesse fórum como um indicador das suas posições em relação aos Estados Unidos. Se, como mostra o artigo, a ideologia é importante para explicar a postura dos países latino-americanos perante os Estados Unidos, se pode esperar que uma China influente atraia governos críticos dos estadunidenses e crie um contrapeso aos Estados Unidos.
3. Seria possível, a partir do período analisado, classificar a posição ideológica da América Latina como ondas? A exemplo da chamada “onda rosa” que predominou na primeira década do século XXI e ainda é remanescente em alguns países da América Latina?
Sim, é possível, ainda que eu prefira falar em ciclos. O período analisado no artigo (1995-2013) abrange o fim do ciclo de governos que promoveram reformas de orientação neoliberal e também o ciclo de governos que, em contraposição a essas reformas, incrementaram a participação estatal na economia e implantaram programas sociais. O momento atual é de transição para o quê ainda não se sabe bem. Houve o início de um movimento de volta a governos de centro-direita ou direita, com a vitória de Mauricio Macri na Argentina, mas uma direção mais precisa desse movimento ainda está por ser apontada com os próximos resultados em eleições presidenciais, a começar por Equador e Chile neste ano.
4. Existiriam problemas ao encaixar presidentes em posições políticas às quais eles não pertenceriam originalmente? Tendo como exemplo o caso do presidente Obama, que teve que negociar bastante com o Congresso para aprovar algumas medidas e abdicar de outras, como o fechamento de Guantánamo, para conseguir ter governabilidade?
A capacidade de negociar e ceder em certas posições para implantar um programa de governo é mais uma vantagem do que uma desvantagem, mas também pode criar problemas. Um exemplo é o governante que, ao ignorar compromissos de campanha na tentativa de atrair grupos insatisfeitos, aliena sua base de apoio e perde os aliados que lhe restavam, sem, ao mesmo tempo, conquistar novos.
Para ler o artigo, acesse
BOTELHO, J. C. A. and ALVES, V. S. The weight of ideology on the attitude of Latin American countriestoward the United States. Rev. bras. polít. int. [online]. 2017, vol.60, n.1, e004. [viewed 18 April 2017]. ISSN 1983-3121. DOI: 10.1590/0034-7329201600112. Available from: http://ref.scielo.org/2htjgt
Link externo
Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI: www.scieli.br/rbpi
Sobre Renato Ventocilla
Renato Ventocilla é mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB, onde desenvolve trabalhos sobre a questão das crises na União Europeia. É membro da equipe de divulgação da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI.
Sobre Antônio Carlos Lessa
Antônio Carlos Lessa é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e editor-chefe da Revista Brasileira de Política Internacional ‒ RBPI. Doutor em História pela Universidade de Brasília, desenvolveu estudos pós-doutorais na França (2008) e nos Estados Unidos (2015-2016). Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ‒ CNPq, é editor-chefe da Revista Brasileira de Política Internacional desde 2004.
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