Renato Ventocilla, mestrando em Relações Internacionais na Universidade de Brasileira (UnB), onde desenvolve trabalhos sobre a questão das crises na União Europeia e membro da equipe editorial da RBPI, Brasília, DF, Brasil
Antônio Carlos Lessa, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), editor-chefe da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI, Brasília, DF, Brasil
A revelação feita por Edward Snowden sobre o programa de vigilância mantido pela American National Security – NSA causou um alvoroço inesperado na comunidade internacional e causou constrangimentos diplomáticos mesmo para aliados próximos aos Estados Unidos, como a Alemanha. O Brasil também esteve envolvido na espionagem feita pelos americanos, o que acabou causando o cancelamento do encontro entre a ex-presidente e o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Após o episódio, a participação do Brasil na construção de uma Governança Global da Internet foi de protagonismo, embora marcada por contradições.
O artigo “Brazilian foreign policy towards internet governance”, publicado no número 1 de 2017 (v. 60, n. 1) da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI analisa a política externa brasileira com relação à Governança da Internet desde o começo da década, quando seu papel como “player” nas discussões sobre vigilância e regulação começaram a engatar. Os professores Maurício Santoro, professor adjunto de Política Internacional do Departamento de Relações Internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), foi pesquisador-visitante nas universidades Torcuato di Tella (Buenos Aires, Argentina) e New School (Nova York, Estados Unidos), e Bruno Borges, professor adjunto de Política Internacional no Departamento de Relações Internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), doutor em Ciência Política pela Duke University (Estados Unidos), conversaram com Renato Ventocilla, membro da equipe de divulgação da RBPI sobre o artigo e os desafios da construção da governança global da internet.
1. O artigo aponta a criação do Marco Civil da Internet como uma oportunidade de protagonismo do Brasil na questão de segurança na internet. As turbulências políticas ocorridas desde o início do segundo governo da Sra. Rousseff ofuscaram essa questão ou a discussão ainda continua?
O Marco Civil está sob ameaça, mas não por conta do impeachment de Dilma Rousseff e sim pela reação de setores do Congresso que discordavam de vários dos artigos dessa legislação, em particular as extensas proteções à liberdade de expressão e à neutralidade da rede. Esses grupos têm se articulado para propor projetos de lei que questionam aspectos fundamentais do Marco Civil, em especial nas propostas do relatório da CPI sobre Crimes Cibernéticos. Naturalmente, a atual instabilidade política do país aumenta as preocupações na medida em que a incerteza no Legislativo também cresceu. Embora um dos principais representantes do lobby das empresas contrárias ao Marco Civil tenha saído do Congresso (o ex-Deputado Eduardo Cunha), vários interesses contrários continuam representados no Congresso.
2. Segundo o artigo, o Marco Civil encontra contradições dentro do país por conta de operadores do direito que podem não compreender seus limites. Essa concentração de poder e processo-decisório na mão de elites não seria exatamente o que o Marco deseja evitar? Se sim, como isso poderia ser contornado?
Como qualquer lei, o Marco Civil foi feito para ser implementado pelo Poder Judiciário e servir de base para as decisões dos juízes e as ações do Ministério Público. O que é necessário é uma maior conscientização por parte das autoridades judiciais do país a respeito do que há de peculiar na Internet e das implicações das novas tecnologias. É um processo que leva tempo e que é um desafio em diversos países, não só no Brasil.
3. A revelação de Edward Snowden sobre o processo de espionagem da NSA causou um constrangimento nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos. No entanto, ocorreram diversos encontros entre a presidente Rousseff e companhias de internet. Pode-se dizer que esse constrangimento deu lugar ao pragmatismo de políticas de proteção do acesso?
As reuniões entre a então presidente Dilma e o Facebook colocavam em risco a neutralidade da rede. As contradições entre as posições diplomáticas do Brasil com relação à privacidade e a oposição à vigilância se dão em outro campo, em particular no modo como as forças de segurança do país – policiais e militares – tem usado as tecnologias de informação para o monitoramento e repressão de manifestações e movimentos sociais. Com frequência, o Estado brasileiro age de maneira semelhante no plano doméstico ao comportamento que critica nos Estados Unidos na esfera internacional, violando garantias constitucionais básicas.
4. Qual foi a resposta dos Estados Unidos para as discussões em foros das Nações Unidas sobre a necessidade da construção de um ordenamento global para lidar com questões relativas à internet?
A posição dos Estados Unidos tem sido aceitar de forma limitada o envolvimento da ONU na governança global da Internet, concordando com a discussão de temas relacionados à rede na Assembleia Geral, no Conselho de Direitos e em fóruns como a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação. Mas o governo americano mantém a defesa de um modelo de gestão da Internet concentrado na ICANN, a organização não-governamental multissetorial criada sob seu patrocínio que é, em última instância, a responsável pelas regras globais da rede.
Para ler o artigo, acesse
SANTORO, M. and BORGES, B. Brazilian Foreign Policy Towards Internet Governance. Rev. bras. polít. int. [online]. 2017, vol.60, n.1, e003. [viewed 19 April 2017]. ISSN 1983-3121. DOI: 10.1590/0034-7329201600111. Available from: http://ref.scielo.org/b249yc
Link externo
Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI: www.scieli.br/rbpi
Sobre Renato Ventocilla
Renato Ventocilla é mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB, onde desenvolve trabalhos sobre a questão das crises na União Europeia. É membro da equipe de divulgação da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI.
Sobre Antônio Carlos Lessa
Antônio Carlos Lessa é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e editor-chefe da Revista Brasileira de Política Internacional ‒ RBPI. Doutor em História pela Universidade de Brasília, desenvolveu estudos pós-doutorais na França (2008) e nos Estados Unidos (2015-2016). Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ‒ CNPq, é editor-chefe da Revista Brasileira de Política Internacional desde 2004.
Como citar este post [ISO 690/2010]:
A posição dos Estados Unidos tem sido aceitar de forma limitada o envolvimento da ONU na governança global da Internet, concordando com a discussão