Popular Royalism: o engajamento do povo em defesa da monarquia

Vívian Maria de Almeida Gomes, voluntária na Revista Varia Historia, Belo Horizonte, MG, Brasil

Varia Historia (v. 35, n. 67), periódico do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais, traz o dossiê “Monarquia, Império e Política Popular na Era das Revoluções Atlânticas”, organizado por Hendrik Kraay, professor da Universidade de Calgary, Canadá, e editor associado de Varia Historia, com apresentação de Marcela Echeverri, professora do Departamento de História da Universidade de Yale. Os artigos que compõem esse dossiê foram previamente apresentados na conferência “O Monarquismo Popular no contexto das Revoluções Atlânticas”, realizada em 2016 e coorganizada por Echeverri e Clément Thibaud, em Yale. As discussões trazidas nos textos giram em torno do conceito de popular royalism (monarquismo popular), trabalhado pelos autores em variados contextos históricos e, claro, sob diferentes perspectivas.

Em comum, os textos fazem uma crítica a certas abordagens historiográficas que tendem a entender o envolvimento de pessoas de classes mais baixas — fossem elas escravas, libertas, pessoas livres pobres, indígenas ou camponesas — em manifestações apoiando a monarquia como resultado da ignorância sobre a sua própria condição, como manipulação por parte dos governantes ou instituições como a igreja, por exemplo, ou, ainda, como desconhecimento sobre o republicanismo. A análise aprofundada dessas expressões populares de apoio à realeza mostra que, ao contrário disso, esse apoio visava o ganho de benefícios dentro das respectivas situações em que os sujeitos se encontravam e, muitas vezes, estava associado à ideia de liberdade.

Composto por sete artigos, o dossiê traz os textos “Lo que invocar la figura del Rey y la justicia regia significaba (y lo que no): Monarquismo popular en Charcas tardocolonial”, de Sergio Serulnikov; “Condecorações monarquistas nas guerras de independência da América Espanhola: O cacique Núñez de Mamatoco e a Real Ordem Americana d Isabel a Católica”, de Steinar Andreas Saether (em versão bilingue: português e inglês); “Las razones de Don Braulio, o el realismo popular venezolano como problema historiográfico”, de Tomás Straka; “Reis negros, cabanos, e a Guarda Negra: Reflexões sobre o monarquismo popular no Brasil oitocentista”, de Hendrik Kraay (também em versão bilingue); “Arming the People against Revolution: Royalist Popular Militias in Restoration Europe”, de Simon Sarlin; “Os Quilombolas Monarquistas da Jamaica no Mundo Atlântico Britânico, 1740-1800”, de Ruma Chopra (em versão bilingue) e “O apoio popular à monarquia no contexto das revoluções liberais: Brasil e Portugal (1820 e 1834)”, de Andréa Lisly Gonçalves; apresentados nesta mesma ordem.

Mais diretamente ligado à história do Brasil, o dossiê traz o texto “Reis negros, cabanos, e a Guarda Negra: Reflexões sobre o monarquismo popular no Brasil oitocentista”. Nele, Hendrik Kraay analisa três casos de monarquismo popular no fim da Colônia e início do Império brasileiro, mostrando que, não raramente, o apoio à realeza era visto com desconfiança pelos detentores do poder. Exemplo disso é o tratamento dado pelo jornal O Correio Mercantil à presença de instrumentos e cantos africanos na celebração da coroação de D. Pedro II em Salvador, no 7 de setembro de 1841. O veículo “informou que os festejos foram um grande sucesso, mas esse jornal conservador lamentou que as ‘belas festas’ foram manchadas por ‘tumultuosos e numerosos batuques de africanos … de dia, e às vezes até alta noite’” (KRAAY, 2019, p. 8).

Por outro lado, como mostra Kraay, a imprensa monarquista fazia questão de relatar em suas páginas a devoção do povo ao imperador em proporções muitas vezes exageradas. A insurreição dos Cabanos, que ocorreu entre 1832-1835 na fronteira entre Alagoas e Pernambuco, trazia junto às reivindicações econômicas e sociais, a solicitação da volta de Pedro I para o Brasil, o que demonstra que o monarquismo popular era um traço importante do movimento. O autor trabalha, ainda, com as manifestações desse caráter monárquico e popular no início da República, um problema persistente com o qual as autoridades do novo regime tiveram de lidar.

El juramento de las Cortes de Cádiz de 1810, 1863. José Casado del Alisal, Óleo sobre tela, Palácio de las cortes, Madri. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:El_juramento_de_las_Cortes_de_C%C3%A1diz_en_1810.jpg

Também relacionado à história brasileira, o dossiê “Monarquia, Império e Política Popular na Era das Revoluções Atlânticas” traz o artigo “O apoio popular à monarquia no contexto das revoluções liberais: Brasil e Portugal (1820 e 1834)”, de Andréa Lisly Gonçalves (Departamento de História/ Ufop). Nele, a autora avalia a presença do monarquismo popular no Brasil e em Portugal, no contexto de crise dos impérios modernos. Lisly destaca que “longe de confirmar a interpretação, corrente na historiografia, de que se tratava de uma adesão ingênua, pré-política ou fanatizada aos reis, esse alinhamento representou a possibilidade de ampliação de conquistas por parte dos grupos subalternos” (GONÇALVES, 2019, p. 1). A análise da autora mostra ainda que o forte teor repressivo do governo de D. Miguel, no caso português, não explica o forte apoio popular ao monarca, estando esse apoio mais ligado à contrarrevolução. No Brasil — especificamente na província de Minas Gerais, estudada pela autora —, esse suporte vinha acompanhado das demandas populares por autonomia e liberdade.

O dossiê aborda o fenômeno do monarquismo popular em outros espaços da América. Este é o caso, por exemplo, do artigo “Os Quilombolas Monarquistas da Jamaica no Mundo Atlântico Britânico, 1740-1800”, no qual Ruma Chopra analisa um grupo de quilombolas de Trelawney Town, norte da Jamaica, que se aliou à Coroa britânica para fugir da escravidão. Eles se tornaram essenciais para o controle de rebeliões e fugas de escravos nas colônias, diminuindo, assim, o surgimento de outras comunidades quilombolas. Havia, porém, leis que esses sujeitos não poderiam deixar de cumprir — como não competir com as grandes plantações ou não caçar próximos às fazendas —, e o descumprimento de uma delas ocasionou o açoitamento, em praça pública, de dois membros daquelas comunidades.

Esse episódio foi recebido pelos quilombolas com imensa indignação, uma vez que, para eles, a relação entre o grupo e a Coroa os diferenciava dos escravos, pelo trabalho que exerciam. Desencadeou-se, então, um conflito entre a comunidade quilombola e as tropas da Coroa, que terminou com a expulsão daqueles. Saídos da Jamaica, foram levados primeiramente para a Nova Escócia, nos Estados Unidos, também território britânico. Um lugar frio e difícil de se viver e prosperar. Posteriormente, foram transferidos para Serra Leoa. A transferência foi resultado das relações que o grupo, mesmo afastado da Jamaica, continuava mantendo com os dirigentes, já que se entendiam como servos do rei britânico e, também na sua visão, o monarca não teria envolvimento direto com o incidente que desencadeou a expulsão.  Na África, esse entendimento de possuírem um diferencial — o que, de fato, se dava — continuou os acompanhando e, décadas após chegarem a Serra Leoa, “os quilombolas compartilhariam os padrões de consumo de outros súditos britânicos, comprando roupas, casas, móveis e sobretudo bens importados” (CHOPRA, 2019, p. 235).

Essa é uma pequena amostra dos artigos que compõem o dossiê “Monarquia, Império e Política Popular na Era das Revoluções Atlânticas”, estudos que corroboram, todos eles, a importância do fenômeno do monarquismo popular. Superando as simplificações feitas por certa historiografia acerca das motivações dos sujeitos de classes inferiorizadas para apoiarem a monarquia, o que se tem são panoramas históricos complexos e um importante deslocamento da história para indivíduos que tradicionalmente não estariam no centro das análises. Um tema interessante, distribuído por sete textos, e todos eles disponíveis gratuitamente aos leitores, na página da Varia Historia.

Para ler os artigos, acesse

Varia hist. vol.35 no.67 Belo Horizonte Jan./Apr. 2019

Links externos

Varia Historia – VH: www.scielo.br/vh

Site Varia Historia – www.variahistoria.org

Canal Varia Historia –  https://m.youtube.com/channel/UCD4EbWEXNyTAirlemvy3UPw

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

GOMES, V. M. A. Popular Royalism: o engajamento do povo em defesa da monarquia [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/03/26/popular-royalism-o-engajamento-do-povo-em-defesa-da-monarquia/

 

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