Carlos Gontijo Rosa. Professor da Universidade Federal do Acre, campus Floresta, Cruzeiro do Sul, Acre, Brasil; Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.
No artigo Autor-criador e autor-modelo: possíveis (des)aproximações entre Mikhail Bakhtin e Umberto Eco (Bakhtiniana, vol. 19, no. 4, 2024), Suelio Geraldo Pereira, bolsista FAPEMIG no Programa de Pós-Graduação em Letras, Literaturas de Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais apresenta uma aproximação entre as perspectivas bakhtiniana e do autor italiano Umberto Eco acerca do conceito de autor e sua presença na obra literária. Além e paralelo a isso, Pereira desloca sua atenção para a construção da figura do leitor em ambos os teóricos, também os aproximando.
O artigo inicia com uma polêmica, pois, embora anuncie no título o estudo de figuras autorais, abre sua discussão com a “morte do autor” de Barthes e com o “desaparecimento do autor” de Foucault – posturas antagônicas, portanto, a uma abordagem de valorização da figura do autor.
Tal estratégia argumentativa tem dois eficientes resultados: em primeiro lugar, causa estranhamento e nos “desperta” para a leitura do texto; em segundo lugar, porque estes dois autores conferem centralidade à figura do leitor, deixa-nos de sobreaviso quando Pereira traz esta discussão em Bakhtin e Eco. Este texto, portanto, não nos interessa apenas em relação ao seu conteúdo, mas também por sua construção argumentativa.
Outro aspecto relevante de se ressaltar é a leveza com que, já tratando das teorias de Bakhtin e Eco, a comparação é realizada. Além de extrair excertos relevantes de obras variadas, especialmente nos esparsos textos bakhtinianos, a capacidade de síntese e de comunicar conceitos e pensamentos complexos de Pereira deve ser ressaltada.
São espinhosos os conceitos tratados, mas são trabalhados com cuidado e delicadeza para o bom entendimento – o que me faz lembrar o que me ensinou (ou tentou me ensinar) meu orientador de mestrado, Prof. Dr. Alexandre Soares Carneiro, no começo da minha (não tão longa) carreira acadêmica: 1) o texto deve ser tão sucinto quanto necessário para o bom entendimento do leitor (os conceitos latinos de brevitas e claritas); e 2) se você não sofreu para escrever seu texto, seu leitor sofrerá para lê-lo. Assim, uma leitura simples e clara de um texto é um presente que o autor oferece ao leitor.
Vemos claramente este esforço em se comunicar nas duas seções que tratam separadamente do pensamento de Mikhail Bakhtin e de Umberto Eco. Pereira constrói as seções paralelamente, fazendo um recorte certeiro e trazendo para a discussão apenas aqueles aspectos das teorias que lhe serão relevantes para a comparação. Sabemos, e ele também, que ambas têm maiores desdobramentos do que os apresentados no artigo, mas a razoabilidade do autor prevalece nos aspectos que ele pretende ressaltar.
Importante ressaltar a síntese a que chega Pereira, quando da aproximação dos dois teóricos no que concerne à figura do autor. O autor-criador bakhtiniano e o autor-modelo de Umberto Eco são ambos “compreendido[s] como a estratégia textual que é atualizada na leitura”, ou seja, “são figuras que apenas vivem dentro do texto” (grifo no original).
Essa sumarização do pensamento auxilia o estudioso, especialmente aquele no começo de sua trajetória, a entender a diferença entre a figura do autor no texto e o autor enquanto pessoa real. Esta premissa básica, muitas vezes óbvia para estudiosos de carreira, na verdade é muito difícil de ser assimilada por estudantes atualmente – e nós, como professores, sempre buscamos estratégias para melhor explicar essas premissas básicas (porque não somos Susana Vieira, que “não tem paciência para quem está começando”).
Passando à figura do leitor, há, nesta parte do texto, um sentido maior de construção do raciocínio, uma vez que afirma, primeiramente, que o leitor “é figura que desaproxima um pouco os dois teóricos”, mas depois encontra um ponto em comum entre o leitor bakhtiniano e o leitor-modelo de Umberto Eco, seja ele que o leitor é “ser ativo nas ações de ler e interpretar”. Neste ponto, entretanto, estudos futuros sobre a figura do leitor bakhtiniano, ainda no paralelo com Eco, poderiam se beneficiar da ideia de “resposta a enunciados futuros”.
Nos textos de Bakhtin e o Círculo, esta “resposta a enunciados futuros” se faz presente na perspectiva do autor-pessoa real que escreve o texto visando a um leitor presumido – de acordo com o qual matiza seu discurso. Acredito que este leitor presumido bakhtiniano pode se relacionar com o leitor-modelo, uma vez que opera no mesmo sentido do que descreve Pereira acerca do pensamento de Eco: “o autor empírico precisa deduzir a partir do nada como será o seu provável leitor-modelo” (grifo no original).
Assim, para encerrar minha apresentação do texto de Pereira, gostaria de recomendá-lo como leitura obrigatória, pelo menos para disciplinas iniciais de ensino de literatura (minha área). É um texto que conduz o leitor por pensamentos complexos com a leveza e agilidade que o pensamento das novas gerações demanda. E, claro, fazer votos de mais textos que considerem o diálogo e a generosidade com seu leitor presumido ou leitor-modelo.
ROSA, G.C. É preciso saber dialogar para fazer ciência [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2025 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2025/01/31/e-preciso-saber-dialogar-para-fazer-ciencia/
No artigo Autor-criador e autor-modelo: possíveis (des)aproximações entre Mikhail Bakhtin e Umberto Eco (Bakhtiniana, vol. 19, no. 4, 2024), Suelio Geraldo Pereira, bolsista FAPEMIG no Programa de Pós-Graduação em Letras, Literaturas de Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais apresenta uma aproximação entre as perspectivas bakhtiniana e do autor italiano Umberto Eco acerca do conceito de autor e sua presença na obra literária. Além e paralelo a isso, Pereira desloca sua atenção para a construção da figura do leitor em ambos os teóricos, também os aproximando.
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