José Antônio Martins, Professor, Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, PR, Brasil.
O artigo Sobre a astúcia em O Príncipe de Maquiavel, publicado pelo periódico Trans/Form/Ação (vol. 48, no. 2, 2025), traz uma contribuição singular para o gênero político com o qual dialoga, principalmente por chamar a atenção de que o confronto fortuna e virtù possui um problema à parte ainda pouco explorado.
Num misto de conciliação com a tradição clássica grega e apontamentos sobre esses conceitos, o texto traz à luz o ponto em que virtù e fortuna cooperam para formar o inclassificável “principado civil”. A “astúcia afortunada”, objeto central da análise, produz um regime político do qual se difere de todos os outros, mas os sintetiza. É, em si mesma, uma forma política em transformação, que carrega consigo os potenciais anarquia, liberdade e absolutismo. Ele não se deixa ver antes de se realizar.
Dentre as figuras da história da filosofia política moderna, Maquiavel, não restam dúvidas, merece um lugar especial. Ele foi mal e bem compreendido nos últimos cinco séculos, com um grandioso mercado editorial de péssima e excelente qualidade. Mas tornou-se publicamente reconhecido pela falsidade e maldade, aquele que ensina os tiranos a dominarem ao afirmar a inescrupulosidade da política.
Esse Maquiavel já está há muito ultrapassado pelos estudos especializados, mas o entendimento de seu vocabulário se mantém: a fortuna e a virtù (quase sempre grafada no original) estão entre os exemplos mais populares como máximas de um confronto eterno no mundo das relações de poder. O imponderável da historicidade política e a capacidade de reagir e se adaptar a ela são as marcas inescapáveis que fazem da política algo sempre surpreendente. Quando o mesmo acerto político em um determinado contexto é reproduzido como fracasso em outro, estamos diante do realismo de Maquiavel.
Mas não só isso. O confronto explorado por ele em sua obra a respeito da relação entre sociedades tiranizadas e livres o fez buscar parâmetros classificatórios sobre quais sejam cada uma delas, a saber, os principados e as repúblicas se opõem no sentido mais profundo.
Mesmo os principados se subdividem naqueles herdados e os recém-conquistados. São nesses últimos onde Maquiavel coloca grande parte de seu esforço intelectual, afinal, não vivemos em um mundo cuja marca seja a bondade.
A astúcia é uma expressão tradicional na política e frequentemente relacionada à metáfora da raposa. Não foram políticos das democracias contemporâneas que as empregaram originalmente. Recolhida da antiguidade romana, Maquiavel coloca no centro de sua reflexão a capacidade do agente político comum de imitar a raposa em seu ardil e esperteza. Basta a um “cidadão comum”, aquele desprovido de ascendência, estar no contexto certo e saber usar sua astúcia para se tornar um governante.
Mas esse animal político se mostra com maior clareza no instante seguinte àquele da conquista do poder: quando emerge a necessidade de manutenção do poder. Parte significativa do pensamento de Maquiavel esbarra nessa ambivalência: cidades fáceis de conquistar, em regra, são difíceis de manter e vice-versa, pois supõe-se que ambas as ações são externas à própria cidade. No caso em tela, um cidadão comum é um membro efetivo de sua comunidade política que, uma vez alçado ao poder por uma sociedade dividida, se vê diante do dilema de em qual das partes se apoiar, no povo ou nos nobres.
O principado civil pode ser lido como o sumo das contrariedades que habitam a política. É um principado com características de república, sintetiza o confronto entre as habilidades individuais e a situação dada, absorve o conflito inexpugnável de uma cidade dividida e torna um singelo cidadão comum alguém com plenos poderes em seu território, de um modo surpreendente. Mas aqui há um detalhe que não deve escapar, a astúcia do príncipe civil, ao seu domínio da cidade, leva à anarquia, absolutismo ou liberdade, a depender do modo pelo qual ele opera suas ações, se fundadas no povo ou na nobreza. E Maquiavel não tem dúvidas, a única forma de manter a liberdade é se fundar no povo.
Para ler o artigo, acesse
MARTINS, J.A. Sobre a astúcia em O Príncipe de Maquiavel. Trans/Form/Ação [online]. 2025, vol. 48, no. 2, e025007 [viewed 27 March 2025]. https://doi.org/10.1590/0101-3173.2025.v48.n2.e025007. Available from: https://www.scielo.br/j/trans/a/mfWTh3cf4VCr95CHL6k54VR/
Referências
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. São Paulo: Hedra, 2020
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