Epidemia de obesidade: de quem é a culpa?

Richard Wilk, Ph.D. em Antropologia pela Universidade do Arizona, Professor de Antropologia na Universidade de Indiana, Bloomington, IN, Estados Unidos

Durante uma viagem para o Sul de Belize nos anos 70, a convivência com o povo maia Q’eqchi levou o pesquisador Richard Wilk a mudar da Arqueologia para a Antropologia Cultural. Tempos depois, ao voltar para a região com o objetivo de realizar pesquisas para sua dissertação, Wilk morou em três aldeias diferentes, ajudando as pessoas a limpar e plantar suas roças de milho, acompanhando as expedições de caça e pesca, passando horas conversando e entrevistando pessoas em suas casas, muitas vezes durante as refeições. Naquele período, o pesquisador revela não ter visto nenhuma pessoa obesa, ou mesmo alguém que fosse gordo. Nos vilarejos, todos trabalhavam arduamente e tinham uma dieta baseada em milho, vegetais produzidos localmente e elementos moderados de carne e peixe.

No entanto, ao retornar para a região com uma equipe de estudantes há cerca de cinco anos, o antropólogo relata ter ficado chocado ao ver a mudança ocorrida na população local. Segundo os critérios atuais da medicina, quase 40% da população agora é obesa e a incidência de diabetes cresceu acima de 25%. A pergunta é “como isso aconteceu e quem é o culpado”? Essa questão central é discutida no texto “Lixo global: De quem é a culpa pela epidemia de obesidade?”, publicado na seção Perspectivas da RAE-Revista de Administração de Empresas (v. 58, n. 3). Sabe-se que a junk food está disponível em todo lugar, bem como a transição dietética, isto é, a mudança de uma dieta baseada em alimentos saudáveis produzidos localmente para outra que é obesogênica, ou seja, que fará as pessoas ganharem peso e se tornarem obesas. É muito fácil culpar as vítimas, mas existem fatores no capitalismo que reforçam situações em que alimentos de conveniência e fast food se tornaram acessíveis e populares. O economista social indiano Naila Kabeer chama isso de “estruturas de constrangimento” e argumenta que, ainda que pessoas façam escolhas, muitas vezes elas não tenham opções saudáveis e positivas (KABEER, 1994). Também é fácil culpar as empresas, que estão fazendo o que são projetadas para fazer: ganhar dinheiro vendendo produtos. Grandes empresas alimentícias criaram um mercado produzindo comida extremamente barata com um gosto bom, seus produtos têm um alto nível de sal, açúcar e gordura. Assim, pessoas pobres nos países em desenvolvimento se tornaram um imenso mercado em potencial para essas empresas. Também é fácil culpar governos e cobrá-los para que resolvam o problema regulamentando a comida, mas a solução não é tão simples, pois regulamentar a comida é um projeto muito mais complexo que encontra oposição tanto de corporações muito ricas e influentes, como de uma população que deseja ter acesso a alimentos industrializados.

Sem dúvida os governos têm ferramentas em todos os níveis que podem usar para melhorar diretamente a dieta das pessoas. Popkin, Adair e Ng (2012) informam que mais de 20 países proibiram as bebidas açucaradas nas escolas e 12 proibiram os sucos de frutas 100%. É provável que um caminho para o enfrentamento da obesidade é observar a economia de forma mais ampla e repensar a ideia de que as pessoas melhoram de vida ao se mudar para as cidades. Em geral, acredita-se que é melhor transformar a região rural de pequenas fazendas em uma espécie de fábrica no campo, mas é preciso olhar a forma como os governos subsidiam, barateiam e encorajam esse tipo de produção e pensar em mudar um sistema educacional que leva as pessoas das áreas rurais para a cidade, onde elas têm dificuldades em encontrar emprego. E, ainda, é importante pensar em um sistema de posse da terra que facilite que pessoas pobres adquiram e mantenham a terra que elas precisam para produzir localmente alimentos bons e saudáveis para si e para suas famílias.

Richard Wilk compartilha um pouco mais sobre a experiência vivenciada em Belize, confira:

Referências

KABEER, N. Reversed realities: gender hierarchies in development thought. London, UK: Verso, 1994.

POPKIN, B. M., ADAIR, L. S., NG, S. W. The global nutrition transition: The pandemic of obesity in developing countries. Nutrition Reviews, v. 70, n. 1, p. 3-21, 2012. ISSN: 1753-4887 [reviewed 7 June 2018]. DOI: 10.1111/j.1753-4887.2011.00456.x. Avaliable from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3257829/

Para ler o artigo, acesse

WILK, R. Global junk: who is to blame for the obesity epidemic?. Rev. adm. empres. [online]. 2018, vol.58, n.3, pp.332-336. ISSN 0034-7590. [Viewed 28 June 2018].  DOI: 10.1590/s0034-759020180311. Available from: http://ref.scielo.org/nw9x2x

Link externo

Revista de Administração de Empresas – RAE: www.scielo.br/rae

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

WILK, R. Epidemia de obesidade: de quem é a culpa? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2018 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2018/06/28/epidemia-de-obesidade-de-quem-e-a-culpa/

 

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