Giovanna Silva Fernandes, voluntária na Varia Historia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
Varia História, em seu segundo lançamento do ano de 2018 (v. 34, n. 65), apresenta o dossiê Historicizing Brazil´s Great Acceleration, organizado pelos historiadores Antoine Acker e Georg Fischer. O dossiê aborda o período da chamada “Grande Aceleração Brasileira”, caracterizado pelo incessante avanço dos modos de produção e consumo no país, principalmente durante a segunda metade do século XX. Tal fenômeno teria acarretado profundas transformações na paisagem nacional no que diz respeito não apenas aos âmbitos econômicos e sociais, mas principalmente em relação aos recursos naturais e ambientais brasileiros.
O objetivo do dossiê é ressaltar a entrada do Brasil no período que hoje é chamado pelos estudiosos de Antropoceno (no qual o próprio ser humano representaria a principal força transformadora dos espaços), e entender como se deu o processo de introdução do país nessa nova fase. Para tanto, Acker e Fischer ressaltam que a história da Grande Aceleração “has to take into account conjunctures of knowledge production and shifts in nature-society relations at large. Ideas about the management of natural resources have changed over time” (ACKER; FISCHER, 2018, p. 313).
No início do século XX, o Brasil, ainda sob o estigma de país subdesenvolvido, daria seus primeiros passos em direção à busca pelo seu desenvolvimento industrial, social e econômico. Elevar o país ao status de nação moderna e industrializada se tornava, portanto, um dos principais pontos a serem considerados na agenda governamental desse período, e se tornaria um tópico ainda mais relevante após o início do governo Vargas e durante toda a segunda metade do século XX.
Nathalia Capellini Carvalho de Oliveira em “A grande aceleração e a construção de barragens hidrelétricas no Brasil”, aborda o desenvolvimento da nossa matriz energética, que se apoiou, em primeiro lugar, na construção de barragens e hidrelétricas. Nesse sentido, aliada à necessidade real do país quanto a novos centros de geração de energia, estava também a já citada busca pelo desenvolvimento. O resultado desses dois fatores foi, em um primeiro momento, a apropriação sem reserva dos recursos naturais. De acordo com a autora, foi somente com o avançar dos anos, após diversas mudanças na paisagem natural do país, e através da transformação na mentalidade social em relação a defesa do meio ambiente, que os projetos relacionados às construções de hidrelétricas começariam a acompanhar um estudo de impacto Ambiental, e a fiscalização governamental sobre esses processos se tornaria mais rígida.
Natascha Otoya no artigo “Petróleo no Brasil do século XX: Dependência energética na Segunda Guerra Mundial”, também ressalta a importância do discurso em torno do desenvolvimento industrial brasileiro, que esteve em primeiro plano durante todo o processo da Grande Aceleração no país. Otoya destaca como o século XX foi marcado pelas mudanças no ritmo de vida dos habitantes brasileiros, que se tornavam cada vez mais dependentes de fontes energéticas como a gasolina e o diesel. A pesquisa realizada pela autora baseou-se no período da Segunda Guerra, quando as reservas de petróleo do país, foram direcionadas para o setor militar, resultando no racionamento do combustível para o restante da população. O trabalho de Otoya analisa os diversos apelos de habitantes, pequenos comerciantes, grandes empresas e até mesmo setores de pesquisa, como um laboratório químico, que necessitavam do combustível para suas atividades e tentavam consegui-lo requerendo ao governo. Os argumentos utilizados nesse momento, como comprovam as diversas cartas enviadas ao governo e analisadas por Otoya, estavam impregnados de uma noção de modernidade aliada ao nacionalismo e ao dever patriótico do cidadão. Isto é, muitos discursavam sobre a necessidade do combustível para dar continuidade aos seus trabalhos, que seriam indispensáveis à própria população, de modo que a sua suspensão resultaria em grandes perdas ao país.
A pesquisa de Thomas Mougey, “Em busca das origens da Grande Aceleração no Brasil: O Primeiro Plano Quinquenal da SPVEA e a recuperação tecnocientífica da Amazônia, 1945-1959”, demonstra como esse projeto estava interligado aos esquemas governamentais que tencionavam atingir o desenvolvimento nacional em diversas escalas. O plano, iniciado durante a segunda metade do século XX, trouxe um novo olhar sobre o espaço Amazônico, aliando a utilização dos recursos naturais à busca pelo desenvolvimento. Seria o início da intervenção da Grande Aceleração sobre o principal espaço natural brasileiro e mundial, e que posteriormente culminaria com a devastação do meio ambiente através do extrativismo constante, do desmatamento, da utilização de agrotóxicos nas plantações, entre outros problemas.
Além dos trabalhos já apresentados aqui, o dossiê traz outros dois artigos abordando o mesmo tema, porém utilizando diferentes objetos de estudo. Georg Fischer com o artigo “Acelerações em escala regional: A transformação do vale do Rio Doce, ca. 1880-1980” e Claiton Márcio da Silva em “Entre Fênix e Ceres: A grande aceleração e a fronteira agrícola no Cerrado”, por exemplo, utilizam de uma abordagem regional da Grande Aceleração, o primeiro relata o desenvolvimento industrial da região do Vale do Rio Doce por meio da construção de ferrovias, e o segundo discorre a respeito da ação humana sobre o Cerrado brasileiro pela intensificação da monocultura e dos impactos gerados por essa prática. As abordagens e objetos de pesquisa diferem, mas todos apontam para um mesmo resultado: o século XX representou um período crucial para o imaginário nacional no que diz respeito ao crescimento e modernização do país bem como a forma de utilização dos nossos recursos naturais para esse fim.
O dossiê apresentado nesse número da Varia História, como um todo, introduz o leitor ao conceito de Grande Aceleração ressaltando, em seus cinco artigos, a transformação do pensamento acerca da utilização de recursos naturais, e como essa variação, acompanhada da busca por uma nação moderna e amplamente desenvolvida, possibilitou o surgimento de uma nova forma de agir sobre o meio ambiente, forma essa que inicialmente não se preocupava com o que hoje conhecemos como sustentabilidade. Esse debate sobre a proteção do meio ambiente, em realidade, só viria a acontecer bem mais tarde através de pautas que se tornaram preocupações de nível mundial, em um período no qual, infelizmente, muitos danos já haviam sido gerados. Um dossiê necessário, sobre um tema fundamental, e que pode ser acessado gratuitamente na página do periódico Varia História.
Para ler os artigos, acesse
Varia hist. vol.34 no.65 Belo Horizonte May/Aug. 2018
Links externos
Varia Historia – VH: www.scielo.br/vh
Site Varia Historia – www.variahistoria.org
Canal Varia Historia – https://youtube.com/channel/UCD4EbWEXNyTAirlemvy3UPw
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