O complexo mapa do comércio sexual na Argentina de início do século XX

Jessica Gonçalves Santomauro, estagiária em Varia Historia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

Varia Historia (v. 35, n. 67), apresenta o artigo “Los rufianes de Buenos Aires: Prácticas de proxenetismo global en la Argentina, 1924-1936”, de Patricio Simonetto, da Universidade Nacional de Quilmes, Buenos Aires. O trabalho de Simonetto mostra a relação entre os proxenetas, suas redes de solidariedades e rivalidades, e como as experiências e definições desses homens foram capazes de tornar ainda mais complexo o mapa dos circuitos de comércio de sexo, não só na Argentina, como em todo mundo. Os circuitos traçados por Simonetto nos permitem vislumbrar não apenas essas rotas, mas também as questões migratórias que atingiam o país no começo do século XX (SCHETTINI, 2012). Para isso, o autor utiliza uma documentação que inclui arquivos de expulsão de estrangeiros, além de relatórios da Liga das Nações e do investigador particular Paul Kinsie.

Utilizando das investigações de Kinsie, especialmente dos depoimentos de Motcho Goldberg, informante chave do investigador, Simonetto demonstra que intercâmbios de credenciais e de confiança foram fundamentais para sustentar sentidos e práticas do proxenetismo no país. A sociabilidade étnica é um exemplo interessante nesse sentido. De acordo com o autor, o fato de as pessoas serem de uma mesma nacionalidade já permitia uma sociabilidade inicial de confiança, dispondo de um conjunto de vínculos em que se compartilhavam saberes e até mesmo questões como aluguel de espaços ou empréstimo financeiro para recém-chegados. Como demonstra Simonetto, os integrantes de um círculo de rufiões, isto é, de homens que viviam da exploração de mulheres, muitas vezes se compreendia como seu próprio “povo”, estabelecendo relações de confiança que rompiam as fronteiras nacionais e criavam redes de sociabilidade em outras cidades fora da Argentina. Os integrantes desses círculos de rufiões eram mais que amigos, mas “mundos sociais”.

A relação entre as prostitutas e os rufiões também é uma questão explorada no artigo. Simonetto evidencia que esse vínculo não era de propriedade, mas contratual, ainda que a violência permeasse as relações entre esses atores. Mas, como eram feitas as escolhas de mulheres por parte dos proxenetas? A seleção variava de acordo com os critérios de cada rufião ou do círculo que ele integrava. Os critérios poderiam ser étnicos, ou baseados em disposições sexuais e experiências. Goldberg, descrevendo sobre sua preferência, explicitou que evitava mulheres que não tinham vivência com a venda de sexo. Muitas dessas mulheres vinham de outros países em busca de melhores oportunidades na América do Sul, especialmente em razão da grave crise pela qual passava a Europa neste momento. Algumas se casavam com seus rufiões para obter o visto de entrada na Argentina, já que mulheres sozinhas causavam suspeita nas autoridades.

Simonetto utiliza registros de entrada e saída do país para nos permitir imaginar as trajetórias do comercio sexual e a intensa mobilidade internacional dos agentes ligados a ele. Novamente nos deparamos com a importância de uma trama complexa de contatos que facilitavam essas movimentações. O mapa de circulação de pessoas ligadas a proxenetismo, além de revelar os efeitos desiguais causados pela Grande Guerra, também teve uma dimensão simbólica, criando imagens e estereótipos de cidades e nacionalidades (SIMONETTO, 2019, p. 335).

Em diálogo com outros estudos sobre o papel dos proxenetas como atores históricos (por exemplo, SERVAIS; CHAUMONT; RODRIGUEZ, 2017), a pesquisa de Patricio Simonetto é uma contribuição para todos aqueles interessados em um olha histórico do tema da prostituição. Um trabalho que nos permite visualizar a construção dos circuitos de comércio de sexo e a importância que essas ações e estruturas tiveram na vida das mulheres que eram vendidas das mais diversas formas. Um comércio que envolvia diversos agentes e ultrapassava as fronteiras nacionais.

Referências

SCHETTINI, C. Exploração, gênero e circuitos sul-americanos nos processos de expulsão de estrangeiros (1907-1920). Tempo, v. 18, n. 33, p. 51-73, 2012. ISSN: 1413-7704 [viewed 10 April 2019]. DOI: 10.1590/S1413-77042012000200003. Available from: http://ref.scielo.org/hjm3bw

SERVAIS, P., CHAUMONT, J. and RODRIGUEZ, M. Trafficking in women 1924-1926. The Paul Kinsie reports for the League of Nations. Ginebra: ONU, 2017.

Para ler os artigos, acesse

SIMONETTO, P. Los rufianes de Buenos Aires: Prácticas de proxenetismo global en la Argentina, 1924-1936. Varia hist., v. 35, n. 67, p. 311-344, 2019. ISSN: 0104-8775 [viewed 10 April 2019]. DOI: 10.1590/0104-87752019000100011. Available from: http://ref.scielo.org/hzx6mn

Links externos

Varia Historia – VH: www.scielo.br/vh

Site Varia Historia – www.variahistoria.org

Canal Varia Historia –  https://m.youtube.com/channel/UCD4EbWEXNyTAirlemvy3UPw

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SANTOMAURO, J. G. O complexo mapa do comércio sexual na Argentina de início do século XX [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/04/10/o-complexo-mapa-do-comercio-sexual-na-argentina-de-inicio-do-seculo-xx/

 

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