A força da rede de um povo nordestino durante crises sociais e pandêmicas

Kathia Priscila Pereira Neves, Psicóloga, Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.

Acileide Cristiane Fernandes Coelho, Psicóloga, Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.

Maria Inês Gandolfo Conceição, Professora Titular do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.

Logo da Revista Brasileira de PsicodramaO artigo Pandemia no Brasil, negacionismo e resistência: quem sobreviverá? O caso de Camalaú, publicado pela Revista Brasileira de Psicodrama (vol. 31), conta a história da comunidade de Camalaú (PB) e como o trabalho em rede minimizou os impactos negativos do descaso no manejo da pandemia na cidade. Foi possível analisar as redes sociais que se mobilizaram para lidar com a crise sanitária deste município do Nordeste e conhecer como a comunidade organizou as estratégias para o enfrentamento da pandemia de covid-19 bem como a gestão de ações para sobreviver a esse momento.

Assim, com base em uma leitura socioeconômica e em referências da teoria de redes, o estudo busca identificar, analisar e compartilhar alguns recortes desses processos e vias de enfrentamento para entender como se dão as lógicas grupais de resistência à crise político-sanitária.

Para compreender a dinâmica das redes, foram realizadas entrevistas com os principais atores sociais de Camalaú entre novembro de 2021 e fevereiro de 2022, quando o Brasil contabilizava cerca de 620 mil mortes por covid-19 e 70 óbitos ao dia. Ainda que tenhamos realizado entrevistas individuais, o foco do estudo está no sujeito constituído no coletivo, que pode se transformar e ser transformado nas interações sociais.

A partir dessas entrevistas, foi possível obter, por meio das narrativas dos participantes, um desenho da rede intersetorial, seguindo os princípios do sociograma moreniano (MORENO, 1992), visando apresentar a dimensão relacional e um recorte da realidade social de Camalaú. Para chegar a esse objetivo nos inspiramos no que Sluzki (1997) traz como perguntas que têm como destino definir integrantes da rede, que geram reflexão e auxiliam no mapeamento da rede. Assim, para a elaboração do mapa ou sociograma da rede, ao final das entrevistas, construímos um mapa com os participantes, com base na seguinte pergunta: “Com quem eu posso contar?”.

Mapa da rede de Camalaú no enfrentamento à covid-19. Ilustração vetorial de um mapa. Figuras que representam escolas, assistência social, igreja, prefeitura, hospital ou clínica, vigilância sanitária, comunidade na zona rural, comércio e fábrica. Há várias setas interligando cada um deles.

Imagem: produzido pelas autoras.

Figura 1. Mapa da rede de Camalaú no enfrentamento à covid-19.

A pesquisa mostra que a história contada pelos participantes da comunidade de Camalaú (PB) sobre suas estratégias em rede para o enfrentamento da pandemia tornou possível dimensionar os impactos — sociais, na saúde, educação, cultura, economia e no fazer político da comunidade — provenientes da vivência de uma pandemia em um contexto de negacionismo pelo sertanejo nordestino.

Acessamos os sentidos, percepções, dificuldades e atos criativos desenvolvidos durante a construção das vias de sobrevivência. A realidade narrada por eles mostrou uma rede sociométrica (MORENO, 1992), correspondente à historicidade nordestina de sobrevivência a situações adversas marcada pela coletividade, por redes significativas (SLUZKI, 1997), por um capital social e humano solidário, que correspondem ao anseio de pertencimento do poder “contar com”.

Revelaram uma rede forte, intersetorial com participação comunitária, de uma ecologia de saberes vasta e transbordante em cada ato (SANTOS, 2014, 2020). Deveras uma “renascença” traçada pelo princípio da vida, pelo imaginário do cuidado (CARRETEIRO, 2020) com saídas de lógica necropolítica tentacular, silenciando o “tá ok” pelos brados do “oxente”.

Em suma, os objetivos da pesquisa foram atingidos. Não de maneira a fechar as questões, mas sim de abrir novas e suscitar outras possibilidades a serem pesquisadas e compreendidas. Foi possível manter o compromisso com a relevância social, por ser uma pesquisa que se fez pelo compartilhar de uma história invisibilizada e por gerar reflexões críticas.

O estudo nos faz refletir acerca de qual psicologia que não queremos: uma psicologia descompromissada com a justiça social, facilitadora da opressão, que contribui para a colonização de afetos; que silencia narrativas de sujeitos e povos. A atuação da psicologia não pode ser alienada e distante do fazer político. O divórcio entre a Psicologia e o ente social gera invisibilidade, silenciamento, associação com propostas neoliberalistas de contenção e esfacelamento das subjetividades e das redes sociais.

A seguir assista ao vídeo ilustrativo ampliando a discussão sobre as estratégias de enfrentamento da covid-19 em Camalaú.

Referências

CARRETEIRO, T.C. Filiações, desfiliações sociopsíquicas e desamparos na pandemia: encontro com redes de apoio. In GUIMARÃES, L.V.M., CARRETEIRO, T.C. and NASCIUTTI, J.R. (eds.) Janelas da Pandemia. Belo Horizonte: Editora Instituto DH, 2020 [viewed 5 May 2023]. Available from http://afipeasindical.org.br/content/uploads/2020/08/Janelas-da-Pandemia_e book.pdf

MORENO, J.L. Quem sobreviverá? Fundamentos da sociometria, psicoterapia de grupo e sociodrama. Goiânia: Dimensão, 1992.

SANTOS, B.S. A cruel pedagogia do Vírus. Coimbra: Almedina, 2020.

SANTOS, B.S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. Novos estud. CEBRAP [online]. 2014, vol. 79, pp. 71-94 [viewed 5 May 2023]; https://doi.org/10.1590/S0101-33002007000300004. Available from: https://www.scielo.br/j/nec/a/ytPjkXXYbTRxnJ7THFDBrgc

SLUZKI, C. E. A rede social na prática sistêmica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

Para ler o artigo, acesse

NEVES, K.P.P., COELHO, A.C.F. and CONCEIÇÃO, M.I.G. Pandemia no Brasil, negacionismo e resistência: quem sobreviverá? O caso de Camalaú. Rev. Bras. Psicodrama [online]. 2023, vol. 31, e0123 [viewed 5 May 2023]. https://doi.org/10.1590/psicodrama.v31.590. Available from: https://www.scielo.br/j/psicodrama/a/Yyc36RJ8PqpQsdpNwysLm7S/

Links externos

Revista Brasileira de Psicodrama – PSICODRAMA: https://www.scielo.br/j/psicodrama/

Revista Brasileira de Psicodrama: https://www.revbraspsicodrama.org.br/rbp

Revista Brasileira de Psicodrama – Instagram: https://instagram.com/revistabraspsicodrama

Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília: http://ip.unb.br/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

NEVES, K.P.P., COELHO, A.C.F. and CONCEIÇÃO, M.I.G. A força da rede de um povo nordestino durante crises sociais e pandêmicas [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/05/05/a-forca-da-rede-de-um-povo-nordestino-durante-crises-sociais-e-pandemicas/

 

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