Regiane Lorenzetti Collares, Professora de Ética e Filosofia Política da Universidade Federal do Cariri (IISCA/UFCA) Juazeiro do Norte, CE, Brasil.
Giovana Carmo Temple, Professora do Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (CFP/UFRB) Cruz das Almas, BA, Brasil.
Diante do relato de acusações e difamações sofridos por Waldirene, a manicure que se submeteu à primeira cirurgia de afirmação sexual no Brasil, o ensaio Os monstros humanos em Foucault e existências transgêneros traz uma leitura filosófica da imagem do monstro humano constituída a partir do quadro caduco das representações jurídicas e biológicas. A publicação apresenta, como ponto de partida, um importante questionamento ético, a saber, como a monstruosidade pôde se implicar à dimensão da sexualidade, gerando vultos aterrorizantes atrelados a determinadas existências, sobretudo, a existências transgêneros?
Enveredando pelos caminhos elucidativos apresentados pelo pensador Michel Foucault no curso “Os anormais” (1975) acerca dessa questão, além de se evidenciar o caráter “ridículo” e arbitrário de discursos, ao mesmo tempo, classificatórios e difamatórios, a pesquisa também traz à tona algumas análises do funcionamento do dispositivo da sexualidade na produção de uma atmosfera suspeita e nebulosa a envolver os corpos dissidentes, no que se refere a padrões de comportamentos e de afetividades.
Nesse sentido, indo além de uma perspectiva meramente histórica, Foucault nos apresenta como os monstros humanos vieram a ser incorporados em uma nova economia de poder, uma articulação de poder que não se deteria apenas em matá-los ou puni-los, mas em classificá-los e tratá-los, passando a se infiltrar nas suas vidas cotidianas.
No panorama do curso sobre os anormais, ao que seus assuntos gerais nos indicam, abordar os monstros humanos para Foucault significou não apenas tematizar como cada época foi construindo uma imagem assustadora acerca deles, mas, principalmente, de expor o modo como foram incorporados ao campo da anormalidade, de forma que, ainda hoje, parece restar seus vultos inconvenientes e inassimiláveis.
Se as histórias de monstruosidade humana despertavam uma espécie de sentimento ambíguo de horror e fascínio, devido às suas formas mistas, deformadas, consideramos que a figura do monstro-humano foi aos poucos também sendo fagocitada pelo contexto da sexualidade, como um objeto privilegiado da constituição da scientia sexualis Moderna. Passando-se assim do registro de uma monstruosidade como aberração da natureza para a monstruosidade da conduta cotidiana, na intenção de também tratar da resistência política de existências dissidentes do sistema sexo/gênero a essas investidas classificatórias aviltantes.
O artigo ainda traz, como seu último passo, a possibilidade de transvaloração da figura dos monstros a partir do pensamento de Georges Canguilhem, P.B. Preciado e Judith Butler.
Referências
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Para ler o artigo, acesse
COLLARES, R.L. and TEMPLE, G.C. Os monstros humanos em Foucault e existências transgêneros. TRANS/FORM/AÇÃO: Revista De Filosofia Da Unesp [online]. 2023, vol. 46, no. 4, pp. 229–256 [viewed 11 December 2023]. https://doi.org/10.1590/0101-3173.2023.v46n4.p229. Available from: https://www.scielo.br/j/trans/a/TH4SrnQrHSqzDpZKh4SvJVK/
Links externos
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Sobre Regiane Lorenzetti Collares
É doutora em filosofia pela Universidade Federal de São Carlos e professora associada da Universidade Federal do Cariri-UFCA e do Mestrado Profissional em Filosofia (PROF-FILO/UFCA) | ORCID
Sobre Giovana Carmo Temple
É doutora em filosofia pela Universidade Federal de São Carlos, professora associada da Universidade do Recôncavo da Bahia (UFRB) e Coordenadora do Mestrado Profissional em Filosofia/ PROF-FILO do Núcleo CFP/UFRB | ORCID
Como citar este post [ISO 690/2010]:
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