Tiago Tasca é Assistente editorial da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI e Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil
Antônio Carlos Lessa, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), editor-chefe da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI, Brasília, DF, Brasil
O Acordo de Paris, negociado em 2015, revela questões normativas sobre justiça e equidade no tocante às responsabilidades climáticas dos países signatários. Na busca de um maior compromisso global para conter a mudança do clima, as responsabilidades de cada país esbarram em questões complexas e conflitos interpretativos sobre qual deve ser o comprometimento dos países desenvolvidos e em desenvolvimento na esteira da descarbonização global.
A estrutura da governança ambiental, da qual os Acordos de Paris e o Protocolo de Kyoto fazem parte, incorporam algumas dimensões de responsabilidade, necessidade e financiamento das alternativas de mitigação da mudança do clima, mas ainda esbarram em alguns impasses.
Estes pontos são discutidos por Marcelo Santos, professor da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, campus Araraquara. É doutor em Ciências Sociais – Área de Ciência Política pela Universidade de Campinas, onde também desenvolveu estudos pós-doutorais na área de Relações Internacionais. É pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU), atuando no grupo temático sobre relações Estados Unidos – América Latina, em seu artigo publicado primeiro número de 2017 (v. 60, n. 1) da Revista Brasileira de Política Internacional. O autor concedeu uma entrevista a Tiago Tasca, assistente editorial da RBPI, sobre opiniões e argumentos desenvolvidos no artigo “Global justice and environmental governance: an analysis of the Paris Agreement”.
1. A questão da mudança do clima intensificou sua presença na agenda das Relações Internacionais, sobretudo nesta última década. Todavia, desafios da própria dinâmica das relações internacionais para solucionar a crise climática global permanecem. Que lições podem ser tiradas das negociações climáticas, em especial do Acordo de Paris, para o modo de pensar as relações internacionais hoje?
Numa época complexa e de problemas de dimensões globais, talvez o processo de negociações climáticas possa ser um bom termômetro para medirmos boa parte dos limites e possibilidades para as relações internacionais contemporâneas. Numa perspectiva teórica, devido à diversidade de questões envolvidas, não é fácil tratar as negociações climáticas dentro de um marco rígido de teorias de relações internacionais. No artigo, por exemplo, a abordagem em torno do regime de governança climática internacional é desenvolvida a partir das discussões de teoria política normativa sobre justiça. Claro, o Acordo de Paris apresenta algumas lições que podem ser pensadas a partir das relações internacionais, pois é o desfecho de uma longa negociação internacional marcada por inúmeros impasses e fracassos. Enumero quatro lições. Primeira, a constatação de que a preservação do espaço da soberania nacional na definição dos compromissos e responsabilidades foi decisiva para a realização do acordo. Segunda, a verificação de que a adoção de uma perspectiva de desenvolver uma estrutura comum envolvendo todos os países implicou uma maior participação, compromissos e responsabilidades. Terceira, a criação de mecanismos de vigilância transparente e verificável como forma de garantir a realização dos compromissos e das responsabilidades dos países. Quarta, o crescente envolvimento de atores não estatais nas discussões em torno do regime de governança climática internacional. Em conjunto, tudo isso pode ser pouco para o cumprimento da meta de descarbonização do planeta, o que de alguma maneira revela os limites e possibilidades das negociações internacionais atuais.
2. Segundo o artigo, as instituições da governança ambiental global têm sido caracterizadas, de 1992 até 2016, por impasses. Esses impasses podem ser observados nos diferentes compromissos, interesses e percepções dos países desenvolvidos e em desenvolvimento para a questão climática global. Deste modo, como o senhor percebe o papel do Brasil, China, Rússia e EUA neste processo?
Formatar um acordo em bases de equidade e justiça dentro de um contexto global de desigualdades extremadas não é uma tarefa fácil. Os custos e os constrangimentos dos encargos para atingir uma política climática global sempre dificultam as negociações entre os países que, pelas suas condições internas, interpretam o fenômeno de modo distinto. Não há dúvidas de que, nas negociações, os princípios de equidade e justiça sofrem variações decorrentes de posições extremamente desiguais ocupadas pelos países na hierarquia de poder global. Isso acontece não só entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, como também entre os países em desenvolvimento, que possuem níveis de desenvolvimento, vulnerabilidades, responsabilidades e capacidades distintas. Em perspectiva ampla, pode-se dizer que no sistema internacional vigora uma moralidade imprecisa, cuja definição passa pelo grau de poder do país e seus interesses nacionais, dificultando a formatação de princípios de justiça e equidade únicos. Essas questões ficam evidentes quando observamos o papel do Brasil, China, Rússia e EUA neste processo.
3. A discussão acerca das responsabilidades climáticas entre os países em desenvolvimento e desenvolvidos feita no artigo é permeada por divergências, confluindo em dificuldades de se lograr um consenso visando a uma ação conjunta e concertada para a crise climática global. Diante disso e da fragmentação das discussões climáticas atuais, estamos nos distanciando ou nos aproximando dessa ação concertada? Um regime climático vinculante (binding), como o Acordo de Paris, pode ser um caminho para essa ação concentrada, na opinião do senhor?
Com uma perspectiva flexível e pouco vinculativa (somente nos casos de revisão e avaliação dos deveres), a Conferência de Paris conseguiu produzir resultados diplomáticos mais concretos. O acordo estabeleceu disposições sobre mitigação, adaptação financiamento, tecnologia e capacitação, e criou mecanismos de transparência, monitoramento e avaliação das ações dos países, definidos conforme um objetivo final de temperatura do planeta. O acordo prevê que os países desenvolvidos devem arcar com os maiores custos do processo de mitigação e adaptação, bem como assumirem metas de reduções de emissões mais ambiciosas que as dos países em desenvolvimento, que, por sua vez, passam a assumir responsabilidades nessa área, principalmente os grandes emissores. Países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares receberam prioridade de tratamento no conjunto dos países em desenvolvimento. Porém, se por um lado, o formato flexível foi a maneira de operacionalizar equidade e cooperação entre Estados com interesses e capacidades divergentes num regime decisório baseado em consenso intergovernamental. De outro, esse formato não equacionou plenamente as questões mais complexas, que ficaram assentadas em compromissos não vinculativos, como, por exemplo, a questão da partilha do esforço de redução das emissões. Isso, claro, deixa muita incerteza sobre a manutenção de uma ação concentrada no futuro.
4. No artigo, as dimensões de justiça e equidade aparecem como bases analíticas pari passu uma concepção normativa da questão da mudança do clima em âmbito global. Neste sentido, recentes fenômenos globais dão novos matizes ao compromisso climático internacional. Assim, como o senhor percebe a eleição de Donald Trump, nos EUA, e as transformações políticas contemporâneas para o redimensionamento das questões de justiça e equidade nos debates climáticos globais?
Entre os grandes países poluidores, somente a Rússia ainda não ratificou o acordo. Portanto, o acordo possui uma forte adesão. Claro que um acordo sem a presença dos EUA seria desastroso. Nesse sentido, o discurso de Trump contra o acordo traz muita preocupação. Ainda mais que sua argumentação nega a ciência e acusa a China de inventar o discurso sobre o aquecimento global para destruir as indústrias norte-americanas. O fato é que se houver uma escalada nacionalista, protecionista e antiglobalização, a manutenção de uma governança climática global estará fortemente ameaçada. Note-se que o acordo já é fraco no sentido de garantir compromissos em bases de equidade e justiça e conforme os limites de orçamento de carbono do planeta.
Para ler o artigo, acesse
SANTOS, M. Global justice and environmental governance: an analysis of the Paris Agreement. Rev. bras. polít. int. [online]. 2017, vol.60, n.1, e008. [viewed 19 April 2017]. ISSN 1983-3121. DOI: 10.1590/0034-7329201600116. Available from: http://ref.scielo.org/5bz7w2
Link externo
Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI: www.scielo.br/rbpi
Sobre Tiago Tasca
Tiago Tasca é Assistente Editorial da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI e Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Os seus interesses de pesquisa se relacionam com as questões energéticas em geral e, particularmente, bioenergia, na política internacional.
Sobre Antônio Carlos Lessa
Antônio Carlos Lessa é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e editor-chefe da Revista Brasileira de Política Internacional ‒ RBPI. Doutor em História pela Universidade de Brasília, desenvolveu estudos pós-doutorais na França (2008) e nos Estados Unidos (2015-2016). Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ‒ CNPq, é editor-chefe da Revista Brasileira de Política Internacional desde 2004.
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