Edma de Góis, Jornalista e pós-doutoranda em Estudo de Linguagens na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Salvador, BA, Brasil
Laeticia Jensen Eble, Doutora em literatura e editora-executiva da Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Palmas, TO, Brasil
Confesso que não sei, até hoje não sei por que de repente, sem alterar a voz, comecei a falar com tamanha fúria que não consegui segurar as palavras que vieram com a força de um vômito.
Lygia Fagundes Telles (1998a)
Completando 20 de existência, Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea deu início às comemorações com a publicação de uma edição especial sobre Lygia Fagundes Telles. O primeiro número de 2019, traz um dossiê temático sobre a obra de Lygia Fagundes Telles, com colaborações que abordam questões diversas, algumas delas recorrentes na escritura da autora, como o envelhecimento e memória, e outras que dialogam com o atual momento político do país.
A evidente atualidade da obra de Telles aparece em novas leituras do romance “As meninas” (TELLES, 2009), à luz das discussões sobre os rumos da democracia brasileira recente. O livro, que completou 45 anos de sua publicação em 2018, realçou a posição de Lygia nas discussões políticas a partir da literatura. Sob esse viés político, merecem destaque nesta edição os artigos de Ettore Finazzi-Agrò, professor de literatura portuguesa e brasileira na Sapienza Universidade de Roma, e Émile Cardoso Andrade, professora de literatura na Universidade Estadual de Goiás (UEG). Ambos os autores se debruçam sobre o conto “Seminário dos ratos” (TELLES, 1998b), que é um dos mais emblemáticos da trajetória literária da escritora.
Esse conto fornece o leit motiv para o artigo “Amor, humor e terror na ficção de Lygia Fagundes Telles” de Finazzi-Agrò. O autor investe na duplicidade engajamento político e sondagem do inconsciente ao analisar os modos como a escritora utiliza o humor na construção da crítica ideológica. Em dado momento, o pesquisador defende a escolha do conto: “’Seminário dos ratos’ poderia ser considerado quase uma mise en abîme de toda a produção narrativa de Lygia, ocupando, aliás, uma posição privilegiada também do ponto de vista temporal” (FINAZZI-AGRÒ, 2019, p. 3). Citando Sônia Regis (1998, p. 88) o autor destaca que a obra de Telles permite “mergulhar nos labirintos da alma humana, mas também se expor aos movimentos históricos e sociais, vivenciar o sofrimento das opressões”.
Nesse sentido, o artigo “A democracia brasileira entre ratos e vampiros: relendo Lygia Fagundes Telles”, de Andrade, a reflexão gira em torno da “iminente demolição” da democracia. De acordo com a pesquisadora, entre outras coisas, o texto de Telles fala “sobre a impossibilidade da ação política quando mascarada por uma ideologia farsesca que visa a manter a desigualdade e a miséria” (ANDRADE, 2019, p. 9).
Por sua vez, temas como a memória, o envelhecimento e os papéis femininos na sociedade são muito explorados na obra de Telles e não poderiam deixar de comparecer nos diversos artigos deste dossiê. É o que vemos, por exemplo, nos artigos “Trapos que aconchegam: o envelhecimento feminino em Lygia Fagundes Telles”, de Márcia Schwertner e Roseli Bodnar (2019), e “Corpo feminino e envelhecimento na obra de Lygia Fagundes Telles”, de Maria do Rosário A. Pereira. Ambos os artigos questionam os estereótipos e a representação do corpo feminino envelhecido a partir da obra de Telles.
A edição 56 da ELBC traz ainda uma seção de artigos de tema livre. Entre esses trabalhos, destaca-se o artigo de Ieda Magri (2019), intitulado “O Brasil na América Latina: diante de uma ideia de literatura mundial”. A partir das considerações de autores como Franco Moretti, Pascale Casanova e Roberto Schwartz, Magri se propõe a pensar de que maneira a literatura brasileira aparece na corrida para fazer parte de uma literatura-mundo.
Outro trabalho interessante é o de Ana Cláudia dos Santos São Bernardo, que compara as traduções para o inglês de “Quarto de despejo”, de Carolina Maria de Jesus (1960). Segundo a autora, o trabalho de Carolina vem sofrendo constantemente com manipulações, “primeiramente pelas mãos de Audálio Dantas, em seguida por meio dos diversos tradutores que os levaram a outros vários idiomas” (SÃO BERNARDO, 2019, p. 10).
Convidamos a acessarem o número e lerem esses e outros artigos.
Referências
RÉGIS, S. A densidade do aparente. In: INSTITUTO MOREIRA SALLES – IMS. Cadernos de Literatura Brasileira, n. 5: Lygia Fagundes Telles. São Paulo: IMS, 1998.
TELLES, L. F. A noite escura e mais eu. Rio de Janeiro: Rocco, 1998a.
TELLES, L. F. Seminário dos ratos. Rio de Janeiro: Rocco, 1998b.
TELLES, L. F. As meninas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
Para ler os artigos, acesse
Estud. Lit. Bras. Contemp. no.56 Brasília 2019
Links externos
Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea – ELBC: www.scielo.br/elbc
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea – www.gelbc.com
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