Angélica Saraiva Szucko, Mestranda em Relações Internacionais na Universidade de Brasília – UnB e membro da equipe editorial da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI, Brasília, DF, Brasil
O fenômeno de redistribuição do poder no sistema internacional, seja na transição em benefício de potências emergentes seja na difusão para novos atores não estatais, ressalta o caráter híbrido da atual ordem internacional. O aumento da interdependência entre os diferentes atores internacionais juntamente com a emergência de problemas globais que ultrapassam as fronteiras estatais são características do século XXI, e, nesse sentido, a questão ambiental possui um papel fundamental ao apresentar-se como uma oportunidade para o desenvolvimento da cooperação.
A crescente importância dos temas ambientais nas Relações Internacionais bem como sua capacidade de contribuir para construção de uma ordem global cooperativa e concertada são abordadas no artigo Questões ambientais e relações internacionais, uma nova (des)ordem global – o papel das Relações Internacionais na promoção de um sistema internacional concertado, publicado na mais recente edição da Revista Brasileira de Política Internacional. Joana Castro Pereira, autora do artigo, concedeu entrevista a Angélica Saraiva Szucko, mestranda em Relações Internacionais na UnB e membro do corpo editorial da Revista Brasileira da Política Internacional.
1. Em relação especificamente ao regime de mudanças climáticas, que chega a um ponto de definição no final do ano, com a COP-21, em Paris, em que se espera que se chegue a um novo protocolo à CNUMAD (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento), como você vê as perspectivas de um acordo? Um fracasso em Paris não seria um elemento que enfraquece a emergência de uma nova ordem ou a proliferação de arranjos de governança global, como acordos localizados entre Estados Unidos e China ou no âmbito do G7, suprem essa debilidade multilateral?
Na minha opinião, a COP21 será marcada, como todas as negociações anteriores neste âmbito, por uma diplomacia de resistência e adiamento, uma vez que as divergências entre os diversos países são ainda demasiado profundas. Neste sentido, as possibilidades de alcançar, no final de 2015, um acordo climático efetivo, ou seja, global e vinculativo, afiguram-se remotas. Creio, portanto, que o resultado das negociações poderá passar, eventualmente, pela arquitetura de um acordo frágil, insuficiente para lidar com o problema, numa tentativa de não “esvaziar” por completo as expetativas criadas por alguns líderes políticos relativamente à questão.
O acordo climático firmado entre Estados Unidos e China, em novembro de 2014, embora limitado, poderá modificar um pouco o panorama das negociações em Paris. No entanto, penso que o impacto será insuficiente para alterar o rumo dos acontecimentos.
É impossível tratar o desafio climático sem tocar, direta ou indiretamente, num vasto conjunto de questões fundamentais para toda a humanidade, tais como a luta contra a pobreza, a defesa dos direitos humanos ou a promoção da justiça global. A multidimensionalidade inerente ao problema é, portanto, uma barreira de enormes proporções no caminho rumo à cooperação global. Paralelamente, é impossível negligenciar que o sistema internacional se encontra num período de transição, marcado por uma ampla difusão do poder (associado, sobretudo, à ascensão dos BRICS e dos MINTs), o que se traduz numa maior competição entre Estados, sobretudo entre poderes em emergência e poderes já estabelecidos. Estamos pois perante outro fator que poderá explicar a continuidade do fracasso nas negociações no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima.
A resolução do problema climático terá de envolver, em primeiro lugar, a consecução de um amplo e efetivo acordo entre Estados Unidos, China e União Europeia — as três superpotências climáticas — as quais, posteriormente, reunirão condições para promover a transição mundial para uma economia verde. Durante este processo, a criação de instituições de cooperação eminentemente globais será fundamental.
Não creio, para terminar, que um fracasso em Paris seja sinônimo de enfraquecimento na emergência de uma nova ordem. Dado o seu caráter global e premente, o clima será, mais tarde ou mais cedo, na minha opinião, o catalisador de um sistema internacional cooperativo e de uma nova ordem global, pois será impossível ignorar os efeitos resultantes de uma gestão ineficaz do ambiente. Desta forma, poder-se-á caminhar rumo a um sistema internacional pós-soberanista.
2. Ainda que questões ambientais tenham um forte componente transnacional e que tenha havido, nas últimas três décadas, uma multiplicação de atores não estatais interessados na matéria, os Estados continuam sendo os principais atores nas discussões sobre desenvolvimento sustentável e temas correlatos. Como garantir que a defesa de interesses nacionais individuais seja compatível com a necessidade de promover bens comuns e um interesse global da humanidade em questões ambientais?
Creio que a emergência e a proliferação de assuntos globais conduzirão a comunidade internacional ao abandono da tradicional perceção de interesse nacional e à construção de uma nova conceção em torno deste conceito. Enfrentar um desafio global e multidimensional como a mudança climática revelará o modo como, num mundo globalizado, o interesse nacional e o interesse global são duas faces da mesma moeda. A interdependência mundial traduzir-se-á na consciência generalizada de que a consecução dos interesses de um Estado é indissociável do interesse global. Que país poderá atingir os seus objetivos num mundo ambientalmente degradado, marcado pela frequência de eventos climáticos extremos, escassez de recursos naturais, multiplicação de refugiados procurando penetrar as suas fronteiras, etc.? Tal não significa, por isso, que esta nova perceção de interesse nacional esteja alicerçada em princípios altruístas. Pelo contrário. Os efeitos negativos associados ao problema, que dificultarão, ou até mesmo impedirão a consecução do interesse nacional, serão os verdadeiros estímulos à cooperação global. A história da humanidade demonstra-nos que nada move mais os homens do que a necessidade.
3. O processo de securitização ambiental não promove a sobreposição de diversas agendas e de competências de diferentes instituições, internas ou internacionais, de modo que se torna cada vez mais difícil identificar os responsáveis, em última instância, tanto pela discussão dos problemas ambientais correlatos à ideia de segurança humana quanto pela implementação de ações concretas para lidar com eles?
Tal encontra-se associado à já referida multidimensionalidade das questões ambientais e não ao processo de securitização ambiental. Torna-se, por isso mesmo, essencial analisar as perspetivas globais, internacionais, nacionais, comunitárias e individuais associadas aos problemas de índole ambiental, de modo a descortinar a sua complexidade e, consequentemente, encontrar soluções conjuntas e efetivas. Neste contexto, e como explanado no meu artigo, a aproximação entre o mundo académico e o mundo político afigura-se fundamental.
4.Entre os ambientalistas, existe uma corrente que argumenta que certos aspectos da questão climática já são irreversíveis e defende a adaptação do ser humano a essa nova realidade, enquanto outra assume uma posição mais otimista em relação à possibilidade de mitigação. Em sua opinião, como o desenvolvimento de novas tecnologias pode contribuir tanto para a capacidade adaptativa quanto para o combate às mudanças climáticas?
Diria que o debate atual já ultrapassa as fronteiras clássicas da mitigação e adaptação. Um cenário no qual medidas convencionais de mitigação não sejam suficientes é visto como bastante provável por vários cientistas. Aliás, o último Assessment Report do IPCC (AR5), publicado em 2014, integrou, pela primeira vez, dois métodos de Carbon Dioxide Removal (CDR) num largo número dos cenários projetados. Trata-se da crescente relevância internacional em torno do conceito de geoengenharia, que muitas vezes possui fronteiras pouco claras relativamente aos conceitos de mitigação e adaptação… mas isso levar-nos-ia a um longo debate. Regressando à questão colocada, o desenvolvimento tecnológico terá sempre uma importância crucial e transversal na definição de respostas às alterações climáticas antropogénicas, bem como no seu balanceamento. Por exemplo, a evolução de algumas tecnologias desruptivas, tal como o armazenamento de energia elétrica em larga escala, pode, a qualquer momento, modificar o conjunto das respostas idealizadas para combater o problema. Do lado da adaptação, a tecnologia desempenha um papel-chave, nomeadamente naquilo que pode fornecer ao nível da melhoria da produtividade de culturas e numa utilização mais eficiente de recursos. Contudo, o desafio estará sempre na escolha e no equilíbrio entre as várias respostas a dar ao problema, tendo como base fundamental a criação de sinergias entre as diversas respostas e o conceito de desenvolvimento sustentável. A coordenação global será, como sempre, primordial também neste aspeto, uma vez que a eficácia e a amplitude das medidas adotadas serão proporcionais ao nível de cooperação entre os principais atores do sistema internacional.
Mini currículo do autor:
Joana Castro Pereira é professora de Relações Internacionais na Universidade Lusíada, Porto, Portugal. Doutora em Relações Internacionais – Globalização e Meio Ambiente, pela Universidade Nova de Lisboa (Portugal), é pesquisadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) e do Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade (CEPESE). Seus principais interesses de pesquisa são economia política internacional da mudança climática, meio-ambiente, energia e segurança global.
Para ler o artigo, acesse:
PEREIRA, J. C. Environmental issues and international relations, a new global (dis)order – the role of International Relations in promoting a concerted international system. Rev. bras. polít. int. [online]. 2015, vol.58, n.1, pp. 191-209. [viewed 18th November 2015]. ISSN 1983-3121. DOI: 10.1590/0034-7329201500110. Available from: http://ref.scielo.org/k7j6tn
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