Miriam V. Gárate, Departamento de Teoria Literária, Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP, Campinas, SP, Brasil
Silvia Cárcamo, Departamento de Letras Neolatinas; Faculdade de Letras, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
O novo número de Alea (volume 17, número 2) apresenta o dossiê “Visões de infância. Relatos da memória e da imaginação”, que reúne trabalhos críticos de pesquisadores de instituições estrangeiras (4) e brasileiras (10), contemplando modos diversos de reflexão sobre a infância em múltiplas manifestações culturais.
A modernidade não cessou de representar a infância e de interpretá-la, criando figuras enunciativas, dando voz a quem, por definição, carece dela. Já foi dito que a mudez está inscrita na própria palavra (in-fans): existindo apenas como memória do outro, ela alude a uma condição sempre narrada ou teorizada pelo adulto. Ao abordar a infância, os autores dos artigos referem-se à memória individual e à memória histórica, às recordações traumáticas e às memórias felizes, e também a simbolizações necessariamente impregnadas de uma dimensão coletiva.
O dossiê apresenta uma forte unidade de conjunto, apesar da diversidade de perspectivas adotadas e da variedade dos objetos de estudo. Os autores aproximam-se de expressões artísticas, de obras literárias e de pensamento, a partir de reflexões contemporâneas que propiciaram diálogos em espaços interdisciplinares.
Pela primeira vez, publica-se em língua portuguesa “Infância”, do escritor e crítico argentino Daniel Link. A sua análise de “O pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry, parte do princípio de que a noção mencionada no título do artigo significa um estado da imaginação e não uma etapa da evolução humana. Posicionado no campo filosófico, Walter Omar Kohan concebe a infância como condição da filosofia e da liberdade de pensar. Traçando um percurso que começa nos ensinamentos de Sócrates e culmina nas propostas de Jean-François Lyotard, o autor de “Visões da filosofia: a infância”, situa essa condição no cerne da filosofia, salientando os paradoxos inerentes a todo pensamento autêntico.
“Infancia clandestina ou a vontade da fé”, de Gonzalo Aguilar, e “En el embute del francés: sobre Manèges / La casa de los conejos, de Laura Alcoba”, de Débora Duarte dos Santos e Pablo Gasparini, se detêm em ficções – um filme, no primeiro artigo; um romance, no segundo– que recriam experiências infantis do período ditatorial da Argentina iniciado em 1976. A leitura de Infância clandestina mostra a singularidade desse filme em relação à série em que crianças são protagonistas da violência política no cinema desse país. A partir do romance de Laura Alcoba, indaga-se, no ato da tradução do Francês para o Espanhol, a reconversão de representações da infância. Da ocultação do trauma, da figura do órfão e da orfandade política se ocupa Rita De Grandis na sua revisitação de Marcelino pan y vino, um filme clássico do cinema espanhol do período posterior à Guerra Civil.
A evocação do universo infantil de tradições culturais antigas e o aproveitamento das reflexões de Benjamin aproximam os artigos “Assombrações da infância com Boltanski e Benjamin”, de Rosana Kohl Bines, e “Retratos subexpostos de Miguilins,” de Elisa Maria Amorim Vieira. O pensamento de Benjamin serve de apoio inspirador tanto das interpretações de uma obra do artista francês Christian Boltanski quanto da leitura de imagens e relatos dos moradores do Vale de Jequitinhonha, em que se adverte a sintonia com o imaginário de Grande Sertão: Veredas. Também Guimarães Rosa é objeto de atenção, junto com Osman Lins, no estudo de Ermelinda Ferreira centrado nas poéticas “poéticas menores”, na estética do insignificante e no papel do riso na obra dos dois escritores.
Em “Un niño en estado de paisaje: Allá lejos y hace tiempo, de Hudson”, Adriana Kanzepolsky se ocupa da singular autobiografia da infância feliz de um escritor argentino que escreveu, em inglês, a nostalgia de um espaço, os pampas do século XIX.
Sobre outras recordações dos anos infantis, as do escritor venezuelano Salvador Garmendia, escreve Mónica Marinone em “Imaginación de infância en Memorias de Altagracia”. A autora observa o modo como memória, experiência e imaginação dão-se cita na obra de Garmendia.
“Redações escolares e diários: escritas do escândalo”, de Renan Ji, contrasta os romances Elogio da madrasta, de M. Vargas Llosa e O caderno rosa de Lori Lamby, de H. Hilst, atendendo às maneiras diferentes de conceber a sexualidade infantil. Para pensar a infância no universo poético de Jorge de Lima, o artigo de Luciano M. Dias Cavalcanti, intitulado “Infância e poesia na lírica final de Jorge de Lima”, opta por partir do vínculo entre poesia e imaginação infantil postulada no século XVIII por Gianbattista Vico. Rodrigo Ielpo aborda, a propósito de W ou Le souvenir d’enfance, de Georges Perec, a “indecibilidade” da obra que assume uma dupla inscrição, como ficção e como autobiografia não ficcional.
O volume apresenta também três resenhas de livros publicados no Brasil no ano de 2014, de especial relevância na área de Letras.
Para ler os artigos, acesse:
CARCAMO, S., and GARATE, M. Editorial. Alea [online]. 2015, vol.17, n.2, pp. 0-0. [viewed 15th December 2015]. ISSN 1807-0299. DOI: 10.1590/1517-106X/editorial-172. Available from: http://ref.scielo.org/8yj2ww
LINK, D. Infância. Alea [online]. 2015, vol.17, n.2, pp. 199-215. [viewed 15th December 2015]. ISSN 1807-0299. DOI: 10.1590/1517-106X/172-199. Available from: http://ref.scielo.org/7j99yn
KOHAN, W. O. Visões de filosofia: infância. Alea [online]. 2015, vol.17, n.2, pp. 216-226. [viewed 15th December 2015]. ISSN 1807-0299. DOI: 10.1590/1517-106X/172-216. Available from: http://ref.scielo.org/gyn9h6
BINES, R. K. Assombrações da infância com Boltanski e Benjamin. Alea [online]. 2015, vol.17, n.2, pp. 227-245. [viewed 15th December 2015]. ISSN 1807-0299. DOI: 10.1590/1517-106X/172-227. Available from: http://ref.scielo.org/9rbdxp
AGUILAR, G. Infância clandestina ou a vontade da fé. Alea [online]. 2015, vol.17, n.2, pp. 246-263. [viewed 15th December 2015]. ISSN 1807-0299. DOI: 10.1590/1517-106X/172-246. Available from: http://ref.scielo.org/x29xpd
GRANDIS, R. Marcelino pan y vino una película fundacional del enmascaramiento de la orfandad política. Alea [online]. 2015, vol.17, n.2, pp. 264-276. [viewed 15th December 2015]. ISSN 1807-0299. DOI: 10.1590/1517-106X/172-264. Available from: http://ref.scielo.org/dsnjjd
SANTOS, D. D., and GASPARINI, P. En el embute del francés: sobre manèges/la casa de los conejos de Laura Alcoba. Alea [online]. 2015, vol.17, n.2, pp. 277-290. [viewed 15th December 2015]. ISSN 1807-0299. DOI: 10.1590/1517-106X/172-277. Available from: http://ref.scielo.org/wdhd7n
VIEIRA, E. M. A. Retratos subexpostos de miguilins. Alea [online]. 2015, vol.17, n.2, pp. 291-304. [viewed 15th December 2015]. ISSN 1807-0299. DOI: 10.1590/1517-106X/172-291. Available from: http://ref.scielo.org/84kbwj
KANZEPOLSKY, A. Un niño en estado de paisaje: Allá lejos y hace tiempo de Guillermo Enrique Hudson. Alea [online]. 2015, vol.17, n.2, pp. 305-321. [viewed 15th December 2015]. ISSN 1807-0299. DOI: 10.1590/1517-106X/172-305. Available from: http://ref.scielo.org/fzqfky
MARINONE, M. Imaginación de infancia en memorias de Altagracia. Alea [online]. 2015, vol.17, n.2, pp. 322-335. [viewed 15th December 2015]. ISSN 1807-0299. DOI: 10.1590/1517-106X/172-322. Available from: http://ref.scielo.org/vk6wd6
CAVALCANTI, L. M. D. Infância e poesia na lírica final de Jorge de Lima. Alea[online]. 2015, vol.17, n.2, pp. 336-352. [viewed 15th December 2015]. ISSN 1807-0299. DOI: 10.1590/1517-106X/172-336. Available from: http://ref.scielo.org/s589mx
FERREIRA, E. M. A. Cheias de graça: as poéticas mambembes de Guimarães Rosa e Osman Lins. Alea [online]. 2015, vol.17, n.2, pp. 353-367. [viewed 15th December 2015]. ISSN 1807-0299. DOI: 10.1590/1517-106X/172-353. Available from: http://ref.scielo.org/ygvjps
IELPO, R. W ou a invenção da memória como inscrição do sujeito. Alea [online]. 2015, vol.17, n.2, pp. 368-376. [viewed 15th December 2015]. ISSN 1807-0299. DOI: 10.1590/1517-106X/172-368. Available from: http://ref.scielo.org/bxhzrd
JI, R. Redações escolares e diários: escritas do escândalo. Alea [online]. 2015, vol.17, n.2, pp. 377-392. [viewed 15th December 2015]. ISSN 1807-0299. DOI: 10.1590/1517-106X/172-377. Available from: http://ref.scielo.org/tts37f
Link exteno:
Estudo Neolatinos – ALEA – www.scielo.br/alea
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