Luci Banks-Leite, membro do Conselho Editorial de Bakhtiniana, pesquisadora e professora da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, São Paulo, Brasil
Num texto bastante agradável, Linda Hutcheon, nos faz ver com novos olhos tanto Bakhtin e sua obra como Said. De início ela nos lembra de que Edward Said, nascido na Palestina, fundou em 1999, ao lado de Daniel Barenboim — israelense, a importante orquestra West-Eastern Divan Orchestra, composta de árabes e israelenses, um símbolo de harmonia e tolerância. E são justamente seus escritos sobre crítica musical, tais como organizados e publicados postumamente em um volume denominado Music at the limits (2008), que recebem dela uma leitura dialógico-polifônica reveladora de facetas menos conhecidas de seus interesses, estudos e paixões. Ao longo do texto, a canadense Linda Hutcheon dialoga com o leitor da mesma forma com que o faz com ambos, iluminando aspectos de suas obras por vezes não percebidos por nós.
A autora trata inicialmente da contextualização dos dois intelectuais — Mikhail Bakhtin e Edward Said — no tempo-espaço em que viveram, destacando expressivas diferenças entre eles em vários sentidos. De um lado, a vida profissional de Bakhtin no período stalinista, marginal e marginalizada, frequentemente obrigado a divulgar suas ideias por meio de disciplinas não escolhidas por ele; de outro, Said, uma respeitada, ainda que controversa, estrela no mundo acadêmico internacional. Ambos também se engajaram de forma diferente na política de suas respectivas épocas e tinham ideias distintas sobre a relação entre ética e política; mas seus escritos abrangentes, afirma Hutcheon, têm sido adaptados e suas ideias apropriadas frequentemente por estudiosos das mesmas áreas.
É a partir dessas e outras considerações iniciais que Hutcheon propõe a leitura da obra de crítica musical de Said por meio dos conceitos bakhtinianos de dialogismo, alteridade, endereçamento, responsabilidade e o papel do contexto, empregando-os de maneira frutífera neste estudo. Segundo ela, para Said, assim como para Bakhtin, “a relação dialógica era tudo: variada, dinâmica, baseada na diferença, requerendo ‘exotopia’” (p. 216). O outro era crucial para a compreensão, por isso, leitores e intérpretes são essenciais para a crítica dialógica: elas são réplicas a enunciados outros, aos quais respondem e com os quais respondem.
“Não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto dialógico…” (p. 224), uma das últimas frases do último ensaio de Bakhtin — Metodologia das ciências humanas (na edição brasileira, inserido na coletânea Estética da criação verbal), é evocada por ela quase ao final do texto. Com certeza, a frase também se constitui mais um convite à leitura deste artigo, pois, como afirma Hutcheon, “De ambos, era uma visão extensa de um mundo em expansão” (p. 225).
O texto encontra-se disponível nas versões português e inglês no primeiro número de 2016 da Bakthiniana.
Para ler o artigo, acesse
HUTCHEON, L. The Review as Bakhtinian Rejoinder: Edward W. Said as Music Reviewer. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso [online]. 2016, vol.11, n.1, pp.208-227. [viewed 31th March 2016]. ISSN 2176-4573. DOI: 10.1590/2176-457324395. Available from: http://ref.scielo.org/hjyj7r
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