Contraponto em escala bakhtiniana para ler Saussure em Bakhtin

Carlos Gontijo Rosa, professor, Universidade Federal do Acre, Cruzeiro do Sul, AC, Brasil.

Logo do periódico Bakhtiniana.O artigo Bakhtin e a Linguística: um diálogo iniciado nos anos 1920 (Bakhtiniana, vol. 20, no. 1) apresenta e rastreia o diálogo empreendido nas obras de Mikhail M. Bakhtin – e em Valentín N. Volóchinov, em torno do pensamento linguístico de Ferdinand Saussure no Curso Geral de Linguística, desenvolvendo uma discussão a respeito da importância da ciência da língua nas obras do Círculo.

O texto, que coloca as obras em diálogo, contrapondo-as, foi escrito como experimento pelos membros do Grupo de Pesquisa Linguagem, Identidade e Memória (LIM – CNPq/PUC-SP), alguns dos quais nomes fundamentais para o estudo da teoria bakhtiniana no Brasil, como Beth Brait, Marília Amorim e Geraldo Tadeu Souza. Da autoria ainda fazem parte Adriana Pucci Faria Penteado e Silva, Maria Helena Cruz Pistori, Paulo Rogério Stella, Letícia Jovelina Storto e eu, Carlos Gontijo Rosa.

Diferentemente da política editorial adotada pela Bakhtiniana ao longo dos anos de parceria com o SciELO em Perspectiva, neste número decidimos apresentar um trabalho de autoria de parte do corpo editorial do periódico (Brait, Silva, Pistori, Gontijo Rosa, Stella e Storto) por dois motivos: para evidenciar o trabalho que vem sendo desenvolvido no seio do grupo de pesquisa que origina o artigo, o GP-LIM; segundo, pelo destaque ao que Valdir Flores, um dos pareceristas que aprovou o texto, chama de “verdadeira ferramenta de leitura epistemológica” utilizada pelos autores em sua pesquisa: o contraponto.

Desde 2021, este grupo de pesquisa, o LIM, composto de membros de diferentes instituições de ensino superior nacionais e internacionais, vem se reunindo para a “leitura comparada, parágrafo a parágrafo” de “O problema do conteúdo, do material e da forma na criação artística” (PCMF), escrito em 1924 por Mikhail Bakhtin, em diferentes traduções:  português, espanhol, inglês, francês e italiano. E eu estou entre eles! Assim, eu me permito relatar minha experiência com o grupo e falar de como este se entrega, apesar de todas as questões que permeiam o fazer acadêmico, à discussão íntegra, sincera e colaborativa acerca de um pensamento construído coletivamente. Nesse sentido, quero ainda falar da generosidade dos mais experientes e experimentados, seja na teoria bakhtiniana, seja na carreira acadêmica, ao abrir espaço aos mais novos, com suas dúvidas e certezas.

Não tenho problemas ou embaraço em falar sobre isso porque sou, entre os autores, o mais inexperiente: o último a me dedicar academicamente a Bakhtin e o Círculo e o último a assumir uma posição de professor em uma instituição de ensino superior (e só não posso dizer o mais jovem porque a Letícia é mais jovem e mais jovial do que eu).

Mesmo assim, a possibilidade de escrever e, mais que isso, de questionar o pensamento dos colegas, num diálogo que busca a honesta construção do conhecimento, foi uma constante na escrita do artigo, assim como é nas reuniões para discussão do PCMF. Sobre este tópico, apenas digo ainda que muito há de vir de grupo tão produtivo e generoso, que entende a pesquisa científica com o rigor necessário, “pero sin perder jamás la ternura” (mas sem nunca perder a ternura).

Quanto ao recomendado por Flores no parecer ao artigo, da construção do diálogo através do contraponto – um “contraponto epistemológico necessário” –, a primeira percepção apresentada no artigo, reiterada repetidamente ao longo do texto, é a de que “o pensador russo não descarta a importância das unidades da língua em sua proposta”.

Representação artística de um diálogo entre ideias inspiradas em Bakhtin e Saussure, gerada por inteligência artificial

Imagem: Gerada pelo autor com DALL·E por meio do ChatGPT

Embora Bakhtin cite o nome de Saussure apenas em alguns de seus textos, o diálogo é muito maior porque, como afirma o próprio filósofo russo sobre a falta de referências em seu ensaio: “elas são desnecessárias ao leitor competente e inúteis ao que não o é” (Bakhtin, 1993, p.13). Assim, o grupo busca se tornar mais competente a cada leitura, desdobrando os sentidos do texto bakhtiniano – recorte proposto neste artigo para os desdobramentos acerca da Linguística.

No aprofundamento da questão, os autores mostram como a constituição do pensamento bakhtiniano nomeadamente compreende, usa e ultrapassa as questões da Linguística. Para Bakhtin (PCMF, p. 46), como citado no artigo (p. 19), “A linguística só é uma ciência na medida em que domina o seu objeto: a língua. A língua é definida linguisticamente por um pensamento puramente linguístico”. A partir do texto bakhtiniano, os autores entendem que “Bakhtin observa que há ainda a necessidade de a Linguística dominar de forma metódica seu objeto mais uniformemente” (p. 20).

Sobretudo, o que o artigo faz é, bakhtinianamente, entender como se estabelece o diálogo entre o pensamento bakhtiniano e a ciência da língua, afirmando que a especificidade e a verticalização da Linguística no seu objeto – a língua– permite e auxilia a construção do pensamento mais holístico sobre o enunciado da teoria bakhtiniana. Não são, como já se chegou a clamar, pensamentos opostos, mas que apresentam pontos de contato – alguns deles fundamentais para o desenvolvimento do pensamento bakhtiniano.

O contraponto, termo trazido da teoria musical, não trata da antinomia entre elementos, mas é uma “técnica de composição que combina harmoniosamente duas ou mais melodias distintas executadas em simultâneo por vários instrumentos ou vozes” (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, online, acesso em: 22 jan. 2025).

Uma “combinação harmoniosa” não precisa ser necessariamente sem conflitos: um e outro campo não vão se enxergar no espelho porque são diferentes, com diferentes focos, tônicas e interesses. No entanto, o conjunto de autores do artigo, como formado por bakhtinianos, propõe-se a “dialogar sobre o diálogo” e levantar “contrapalavras” que, eventualmente, possam interditar o diálogo produtivo e contrapontual entre Saussure e Bakhtin.

Para ler o artigo, acesse

BRAIT, B., et al. Bakhtin e a Linguística: um diálogo iniciado nos anos 1920. Bakhtiniana: Revista de Estudos do Discurso [online]. 2025, vol. 20, no. 1 [viewed 07 March 2025]. https://doi.org/10.1590/2176-4573p66039. Available from: https://www.scielo.br/j/bak/a/rjP9ZdfS9NsxDG5LF5MNfBB/

Referências

BAKHTIN, M. O problema do conteúdo do material e da forma na criação artística. In: BAKHTIN, M. (ed). Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: UNESP/HUCITEC, 1924

Contraponto [online]. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. 2008 [viewed 7 March 2025]. Available from: https://dicionario.priberam.org/contraponto

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ROSA, G.C. Contraponto em escala bakhtiniana para ler Saussure em Bakhtin [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2025 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2025/03/07/contraponto-em-escala-bakhtiniana-para-ler-saussure-em-bakhtin/

 

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