Miguel Bruno, Professor pesquisador do Programa de Pós-Graduação em População, Território e Estatísticas Públicas da ENCE-IBGE e da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasi
Ricardo Caffe, Professor pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Economia – Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil
Estudo intitulado “A economia como objeto socialmente construído nas análises regulacionista e da economia social de mercado”, publicado no primeiro número de 2017 da Revista de Economia Política, apresenta novos resultados para uma adequada abordagem dos fenômenos econômicos, fora do economicismo reducionista e do fisicalismo positivista presentes na ciência econômica dominante, de base neoclássica e walrasiana. Diferentemente dos objetos da natureza, cujas regularidades e processos não foram originalmente criados pela práxis humana, o objeto econômico é social e politicamente construído e precisa ter, portanto, estatuto teórico-metodológico específico. Sem o qual o conhecimento científico em economia degenera-se em conteúdos eminentemente ideológicos e em prejuízo da teorização e da construção de modelos pertinentes. Para o desenvolvimento consistente das análises, a detecção das particularidades dos fenômenos micro e macroeconômicos torna-se um expediente essencial à atividade científica tanto quanto à tentativa de generalização.
Os pesquisadores analisaram os argumentos ontológicos em defesa das especificidades das regularidades socioeconômicas, comparativamente àquelas encontradas nos sistemas inorgânico e orgânico. Concluíram que, apesar da existência de propriedades análogas, o “mundo econômico” é pleno de propriedades que lhes são exclusivas. Mas essas propriedades não são passíveis de detecção e compreensão a partir de modelos a-históricos, centrados unicamente na subjetividade de agentes econômicos individuais; caracterizados por formarem expectativas adaptativas ou racionais, pautadas unicamente pela busca de posições maximizadoras de lucro e utilidade.
Desenvolvido no Programa de Pós-Graduação da Escola Nacional de Ciências Estatísticas-ENCE do IBGE e na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Salvador-UFBA, o estudo reúne resultados fundamentais das pesquisas em Epistemologia da Ciência Econômica. Em seguida, a Teoria da Regulação e a Economia Social de Mercado são comparadas em suas hipóteses, metodologias e implicações para a problemática em estudo. Essas abordagens teóricas reconhecem a economia como resultado consciente de relações sociais, sempre mediatizadas por formas institucionais, incluindo as formas do Estado; num contexto de ampla margem de liberdade para a ação humana transformadora de estruturas e processos, estabelecendo limites à lógica mercantil para adequá-la aos objetivos do desenvolvimento social. E isso porque a dimensão econômica não pode ser compreendida quando dissociada das demais dimensões sociais, culturais, éticas e antropológicas.
Os autores concluem que as metodologias derivadas do positivismo, que marcam as origens da teoria econômica neoclássica e permanece em suas variantes contemporâneas, devem ser substituídas por metodologias holistas, históricas e dialéticas. Condição necessária para uma correta apreensão dos fatores que reproduzem a lógica e natureza das diferentes formas de capitalismo, com a diversidade das crises e regimes de crescimento que, por razões endógenas, exibem na história longa. Para os economistas neoclássicos e marginalistas, as instituições eficientes resultariam de processos de otimização a partir da coordenação de comportamentos individuais, dotados de racionalidade plena e informação completa. No entanto, as evidências empíricas, reunidas em mais de três décadas de análises históricas e comparações internacionais desenvolvidas pela Teoria da Regulação e a experiência alemã de aplicação dos princípios da Economia Social de Mercado, refutam essa hipótese.
A importância fundamental das instituições, normas, regras e convenções na estruturação e funcionamento de mercados, regimes de crescimento e demais áreas das economias é atualmente consensual. Fato atestado pela diversidade de correntes teóricas que se autodenominam institucionalistas. Entretanto, a ortodoxia econômica, de fundamentação teórica marginalista e walrasiana, responsável pelo conhecimento econômico instituído e institucionalizado, autoproclama-se repleta de certezas e, no plano do ensino e da pesquisa em Economia, considera-se a forma par excellence de teorização apropriada e inquestionável. Presa por interesses ideológicos e setoriais ao individualismo metodológico e ao positivismo que marcou as ciências da natureza, seus efeitos sobre a episteme econômica vão além da busca por uma eternização das relações de produção e de distribuição capitalistas. Em seu processo de teorização, a mainstream economics estabelece e reproduz diversos bloqueios cognitivos ao seu próprio avanço científico rumo a um conhecimento relevante das economias do mundo em que realmente se vive. Decorrentes de sua visão de mundo e concepção ontológica, esses bloqueios constituem-se em obstáculos epistemológicos, como definidos por Bachelard (1996), sendo de improvável superação sem que se abandone seus pressupostos teóricos e estrutura conceitual, em prol de uma teorização pertinente dos fenômenos socioeconômicos tais como se manifestam na realidade concreta.
Referencia
BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
Para ler o artigo, acesse
BRUNO, M. and CAFFE, R. A economia como objeto socialmente construído nas análises regulacionista e da Economia Social de Mercado. Rev. Econ. Polit. [online]. 2017, vol.37, n.1, pp.23-44. [viewed 25 May 2017]. ISSN 0101-3157. DOI: 10.1590/0101-31572016v37n01a02. Available from: http://ref.scielo.org/w4dxjr
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Revista de Economia Política – REP: www.scielo.br/rep
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