Fabiano Couto Corrêa da Silva, Professor adjunto do Departamento de Ciência da Informação/FABICO da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
Lúcia da Silveira, Doutoranda Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
Parte-se da ideia de que a maneira como a ciência atualmente é gerada não atende a valores básicos da comunicação científica, tais como: registro da descoberta, velocidade da publicação, solidez nos dados, replicabilidade e reprodutibilidade das pesquisas, bem como sua ampla distribuição.
A expressão “ecossistema da Ciência Aberta” e seu conceito não estão ligados apenas às tecnologias da informação, visto que o seu modelo tem um alcance além da plataforma por onde é divulgada, abrange uma simbiose entre as tecnologias, as pessoas e os processos do ciclo de vida da pesquisa. Ciência Aberta é entendida como uma das manifestações do movimento de livre acesso à informação, que tem ganhado aceitação na comunidade científica. É uma consequência do desenvolvimento da Internet, sua massificação e sua atratividade de expandir o acesso a dados e informações resultantes de pesquisas acadêmicas.
Se trata de mais um passo em direção à socialização da ciência, acompanhando um movimento internacional que altera a cultura do registro científico e amplia as possibilidades de comunicação e interação entre os atores envolvidos. Se antes era importante comunicar os principais resultados de pesquisa, agora torna-se relevante registrar todas as etapas da pesquisa e torná-la acessível, isto é, desde o planejamento, desenvolvimento, publicação, divulgação, uso e retorno social da pesquisa. Seu diferencial reside na ampliação das possibilidades de acesso à informação, possibilitando a conexão e a troca de conhecimentos entre a comunidade científica. Está alicerçada na tecnologia, no compartilhamento e no acesso, promovendo a transparência, a ética e em especial a colaboração entre pesquisadores e não cientistas. Dessa forma, entendemos que o objetivo da Ciência Aberta é conectar os atores que possuem interesses em comum promovendo a interação entre os mesmos.
A importância da Ciência Aberta é sobretudo ser um movimento social e político que manifesta o interesse dos atores em rediscutir o modus de registro, publicação, alcance, impacto social e a avaliação do desenvolvimento científico. Isso requer do pesquisador um novo comportamento mais integro, transparente, gentil e empático (SCHLUSSEL, 2019) de modo que seja planejado esse registro da informação científica a longo prazo com a possibilidade de outros cientistas continuar, reproduzir, ou replicar a pesquisa. Isso incluir optar pela utilização de softwares abertos, sistemas de publicação abertos entre outros recursos necessários para o desenvolvimento da pesquisa. Schlussel (2019) questiona o significado da publicação dos dados já que quando publicado não repercutiu os efeitos da reprodutibilidade, partindo para as seguintes perguntas: O que é e como desenvolver um dado sólido? Um artigo de dados ao ser avaliado por pares, é sinônimo de solidez científica? Essa é justamente a filosofia que o acesso aberto promulga a democracia do acesso, a disponibilidade para uso, a reutilização e a publicação em qualquer suporte ou tipo de documento, restringindo apenas o elemento ético em requerer o reconhecimento da autoria do trabalho e do acesso à própria Internet.
Moher (2019) e Amaral (2019) trazem à tona o que foi contextualizado no artigo de Silva e Silveira (2019) quanto a questão da avaliação científica que colocam os pesquisadores na dicotomia entre a excelência versus relevância. A pressão acadêmica da “economia de reputação: publicar ou morrer. Os cientistas são muito pressionados a produzir documentos que caiam no jogo de simulação: em vez de fazer um bom artigo a cada quatro anos, eles publicam quatro medíocres em um ano” (LAFUENTE; ALONSO, 2011, p. 32). Amaral acrescenta que essa falta de qualidade dos trabalhos científicos afeta diretamente a reprodutibilidade das pesquisas.
O artigo “O ecossistema da Ciência Aberta”, publicado pela Transinformação (v. 31) trouxe como contribuição um olhar a respeito das dimensões da Ciência Aberta caracterizando e exemplificando cada uma e pontuando os antecedentes para a solidez desse movimento, que toma proporções cada vez maiores à medida que há engajamento entre os distintos atores para se integrar ao movimento. A dimensão de dados abertos e ligados é a que mais causa receios entre os cientistas porque há uma mudança cultural em como disponibiliza os dados científicos. Afetando tanto a segurança na sua credibilidade quanto na solidez de seus dados. Por outro, lado, as agências de fomento pressionam com suas diretrizes estabelecendo novas regras ao jogo: só terá recurso aquele que publicar seus dados. E por um lado é compreensível que as instituições exijam isso, afinal, são elas que pagam e registram todo o ciclo de pesquisa, assim como possibilita a averiguação da consistência dos dados científicos, que são ativos valorizados não apenas no mercado editorial, mas colaboram com a economia, elaboração de políticas públicas, entre outros aspectos como a integridade do pesquisador e dos dados publicados.
Diante desse contexto, estamos em uma situação paradoxal: temos ferramentas tecnológicas para interagir e compartilhar, o que poderia aumentar exponencialmente o conhecimento científico coletivo e melhorar o relacionamento entre ciência e sociedade. No entanto, as instituições científicas continuam a operar com base nos princípios da era pré-digital. Os esquemas de incentivo desencorajam a colaboração e criam novas ferramentas de política para privatizar o conhecimento, em vez de incentivar processos mais abertos.
Felizmente, nos últimos anos, novos consensos, ferramentas e práticas políticas que antecipam ventos de mudança estavam ganhando visibilidade e apoio, como políticas de acesso aberto, lideradas pela criação de repositórios digitais abertos para dados e publicações. Os resultados são surpreendentes, especialmente quando combinados com alguma forma de coordenação política. Dessa maneira, o maior obstáculo a ser superado não é técnico, mas político. Por um lado, existe um mercado editorial internacional que obtêm grandes benefícios do sistema científico e pressiona uma política de livre acesso. Por outro lado, a política científica está orientada para a comercialização do conhecimento. Nesse contexto, a resistência política à Ciência Aberta é alta.
Bem planejada, a Ciência Aberta pode se tornar uma nova maneira de produzir conhecimento cujo potencial de criatividade, eficiência e inclusão é enorme. As mudanças institucionais podem levar décadas, mas as oportunidades estão chegando.
Referências
AMARAL, O. Transparência: do pesquisador à instituição. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TRANSPARÊNCIA DA PESQUISA EM SAÚDE, 2019, Porto Alegre. In Porto Alegre: UFRGS, 2019. Available from: https://sitps2019.com/programacao/
LAFUENTE, A.; ALONSO, A. Ciencia expandida, naturaleza común y saber profano. Quilmes: Universidad Nacional de Quilmes, 2011.
MOHER, D. Assessing researchers for hiring and promotion: should we use best publication practices? In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TRANSPARÊNCIA DA PESQUISA EM SAÚDE, 2019, Porto Alegre. In Porto Alegre: UFRGS, 2019. Available from: https://sitps2019.com/programacao/
SCHLUSSEL, M. M. What can we learn from the punk movement to help us embrace data sharing as a form of pro-transparency activism? In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TRANSPARÊNCIA DA PESQUISA EM SAÚDE, 2019, Porto Alegre. In Porto Alegre: UFRGS, 2019. Available from: https://osf.io/4yfw3
Para ler o artigo, acesse
SILVA, F. C. C. da and SILVEIRA, L. da. O ecossistema da Ciência Aberta. Transinformação, v. 31, e190001, 2019. ISSN: 0103-3786 [viewed 14 November 2019]. DOI: 10.1590/2318-0889201931e190001. Available from: http://ref.scielo.org/kmkdcc
Link externo
Transinformação – TINF: www.scielo.br/tinf
Sobre Fabiano Couto Corrêa da Silva
Fabiano Couto Corrêa da Silva é professor adjunto do Departamento de Ciência da Informação/FABICO da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atua como vice-líder do Grupo de Pesquisa em Comportamento e Competências InfoComunicacionais (InfoCom). Tem experiência na área de Ciência da Informação, atuando principalmente nos seguintes temas: Gestão de dados científicos, Produção científica, Aprendizagem colaborativa e Ciência Aberta. E-mail: fabianocc@gmail.com
Sobre Lúcia da Silveira
Lúcia da Silveira é Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bibliotecária do Portal de Periódicos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro da Revista Motrivivência. Estuda Comunicação científica, Acesso aberto, Ciência Aberta, Periódico científico, Portal de periódicos institucional e Serviço de editoração para periódicos em bibliotecas universitárias. E-mail: luciadasilveiras@gmail.com
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