Tiago Seminatti, Assistente editorial da Machado de Assis em Linha – revista eletrônica de estudos machadianos, São Paulo, SP, Brasil.
“Aos vencidos, a floresta – Alexandra Lucas Coelho lendo Mário de Andrade e Machado de Assis”, publicado no periódico Machado de Assis em Linha (vol. 13, no. 29), André Corrêa de Sá, professor e pesquisador da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, analisa as imagens do Brasil que a autora portuguesa Alexandra Lucas Coelho oferece em Vai, Brasil (2013), Deus-dará (2016) e A nossa alegria chegou (2018) e conclui, por meio de uma articulação com as obras de Machado de Assis e Mário de Andrade, que é “via Machado de Assis que Vai, Brasil se afasta do tipo de sensibilidade moral, histórica e literária encorajada pelos heróis romântico-modernistas do eixo Rio-São Paulo que cobre as palavras de Deus-dará e de A nossa alegria chegou com um manto a um tempo telúrico e situacionista do tropicalismo” (p. 221).
No artigo, Sá traça um contraste entre as imagens do Brasil presentes em Vai, Brasil, Deus-dará e A nossa alegria chegou, articulando-as com a concepção do país presente em livros que são tomados pela crítica como referências no assunto, tais como Iracema, Dom Casmurro e Macunaíma. O pesquisador pressupõe a afinidade entre os projetos literários de românticos e modernistas que, apesar das diferenças quanto à expressão literária, são sustentados pela proposta de “projetar a forma do Brasil para lá das velhas doutrinas coloniais” (p. 208). Daí o interesse comum em apresentar autoimagens do Brasil e do brasileiro por meio do imaginário indianista, das tradições folclóricas e da floresta. É nessa linha que o pesquisador insere Deus-dará, uma vez que percebe nesse romance um diálogo com o espírito modernista da década de 1920, o que lhe permite concebê-lo como “transcrição portuguesa contemporânea da aventura modernista” (p. 213). Sá enxerga algo semelhante em A nossa alegria chegou (2018), romance cujo recurso à alegoria toma, segundo o pesquisador, o Brasil como elemento fundamental, estabelecendo uma aproximação com o indianismo de José de Alencar.
Já a antologia de crônicas Vai, Brasil (2013), que é um registro de viagem da experiência da autora em território brasileiro, operaria num outro sentido. Conforme Sá observa, este seria um livro machadiano, uma vez que não recorre ao método descritivo da paisagem e parte de questões locais para apresentar uma visão problematizadora e mais ampla da realidade – assim, nas “epifanias amazônicas de Vai, Brasil, Lucas Coelho hipostasia a descrença de Machado num nacionalismo baseado em visões etnocêntricas verticais” (p. 218).
Por fim, estabelecendo diálogo com a Formação da literatura brasileira (1981), de Antonio Candido, Sá critica aquilo que enxerga em parte significativa da crítica brasileira como a tentativa de alinhar a história da formação da literatura do país com a sua história política, o que resulta em enxergar a literatura numa perspectiva limitada ao nacionalismo literário, algo insuficiente para a compreensão de Machado. Segundo argumenta, a obra machadiana apresentaria uma visão que, apesar de “parca em cor local”, mostra-se atenta às múltiplas perspectivas e “pode hoje em dia servir mais eficazmente as populações desfavorecidas do Brasil, cuja voz Alexandra Lucas Coelho tanto quer trazer para o centro dos seus livros” (p. 205).
Referências
COELHO, A. L. Vai, Brasil. Lisboa: Tinta da China, 2013.
COELHO, A. L. Deus-dará. Lisboa: Tinta da China, 2016.
COELHO, A. L. A nossa alegria chegou. Lisboa: Companhia das Letras, 2018.
CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira. 6. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. v. 1 e 2.
Para ler o artigo, acesse
SA, A. C. de. Aos vencidos, a floresta — Alexandra Lucas Coelho lendo Mário de Andrade e Machado de Assis. Machado Assis Linha [online]. 2020, vol. 13, no. 29, pp. 200-223, ISSN: 1983-6821 [viewed 29 June 2020]. DOI: 10.1590/1983-68212020132915. Available from: http://ref.scielo.org/7k5h5j
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