Entre médicos e religiosos: percepções sobre os malefícios da gula

Gabrielle Pacheco Noacco, bolsista de Varia História, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.

O número 74 (v. 37, 2021) da Revista Varia História, conta com o artigo “‘Para a alma, & para o corpo he a gula o mais mortal peccado’: Discursos religiosos e médicos sobre os entendimentos e os efeitos do consumo alimentar exagerado, Portugal, século XVIII” escrito por Eliane Cristina Fleck  e Mauro Dillmann.  Esse artigo se constitui um estudo histórico-cultural sobre os significados simbólicos da gula nas obras médicas e religiosas que circulavam em Portugal durante o século XVIII. Os autores buscam contribuir para a história cultural da alimentação, das ideias religiosas, das práticas e dos conhecimentos médicos, sobretudo por meio das intersecções provenientes da investigação de como os efeitos desse pecado eram percebidos na referida época.

Em seu artigo, Fleck, professora titular da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, e Dilmann, professor na Universidade Federal de Pelotas, analisam cinco livros religiosos e quatro livros médicos, que compõem uma amostra dos escritos produzidos sobre a gula em circulação em Portugal no período em questão. Destacam como as noções sobre o ato de se alimentar em excesso foram divulgadas de forma bastante negativa na literatura. Assim, os tratados religiosos expunham reflexões morais-religiosas, sobretudo refletindo a presença da temperança nas figuras religiosas. Para isso, reforçavam os exemplos virtuosos de jejuns e abstinências alimentares, que colocavam a gula como “o mais mortal dos pecados, porque estabeleceria uma relação de conflito com os dez mandamentos” (p. 546). Por outro lado, os livros médicos se debruçavam sobre os efeitos negativos para a saúde e incentivavam a moderação no consumo de alimentos para evitar doenças e alteração dos humores. Assim, o comer em excesso poderia levar a condenações eternas e ao afastamento das virtudes, mas também seria “capaz de promover uma série de dores, desconfortos físicos, indisposições e doenças que, em última instância, poderiam abreviar o tempo de vida ou mesmo resultar na morte” (p.556).

Imagem: Of Gluttony and Rebelling. Albrecht Dürer.

Por meio da análise comparativa de ambas as fontes, os autores destacam que foi possível perceber diferenças e semelhanças na representação da gula. Destaca-se que a negatividade era comum nessas representações, que poderiam se associar com outros pecados ou destacar os efeitos maléficos que o consumo alimentar exagerado ocasionara. Os livros de medicina trabalhados são mais complexos de serem analisados, sobretudo por demonstrarem que “a ingestão exagerada carregava suas variáveis”(p. 559), com algumas obras apresentando discursos preocupados com questões espirituais e não apenas físicas. Entretanto, de maneira geral, a representação da gula se diferencia, principalmente, pelos livros médicos estarem menos preocupados em condenar tais práticas quando comparado com a forma com que o tema aparece nos livros religiosos. De todo modo, a análise permitiu perceber como a gula era associada ao comportamento luxurioso, pelo impulso descontrolado da satisfação dos prazeres que ocasionavam problemas ao estômago e ao fígado.

Para ler o artigo, acesse

FLECK, E. C. and DILLMANN, M. “Para a alma, & para o corpo he a gula o mais mortal peccado”: Discursos religiosos e médicos sobre os entendimentos e os efeitos do consumo alimentar exagerado, Portugal, século XVIII. Varia Historia [online]. 2021, vol.37, no.74, pp. 533-564 [viewed 21 July 2021]. https://doi.org/10.1590/0104-87752021000200008.  Available from: http://ref.scielo.org/4qzkk5

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Entre médicos e religiosos: percepções sobre os malefícios da gula [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/07/22/entre-medicos-e-religiosos-percepcoes-sobre-os-maleficios-da-gula/

 

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