Mariana Pimentel Fischer, Professora da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.
Como acontecem as verdadeiras revoluções? Eis uma indagação que precisa ser feita no tempo atual, após o avanço da ultradireita no ocidente (e da promessa de uma pseudo-revolução conservadora) seguido pela pandemia de Covid-19. Filósofos, hoje, não se cansam de perguntar pelo papel do vírus e de seu modo de embaralhar tendências que haviam sido anteriormente diagnosticadas. Teremos um novo mundo ou não há qualquer indício de ruptura com o que conhecemos?
O artigo “Evento ou Ato? Acerca das críticas de Žižek a Badiou” investiga a perspectiva de dois pensadores que fornecem respostas muito diferentes para essas questões. Alain Badiou escreve sobre a “ausência de novidade da atual situação epidêmica” (Badiou et al, 2020, p. 70) e menciona com ironia aqueles que, como Slavoj Žižek, olham para o vírus e “clamam por um evento fundador de uma revolução sem precedentes” (Badiou et al, 2020, p. 70). De outro lado, o esloveno Žižek, em um tom curiosamente sério e otimista, sugere que a pandemia pode romper com nossa forma de vida dar impulso ao que chama de comunismo.
Tais divergências marcam de maneira muito clara as diferenças entre dois filósofos que, durante todo seu percurso intelectual, não cessaram de perguntar pela possibilidade de emergência de algo radicalmente novo. “Evento ou Ato?” dedica-se a discutir justamente os pressupostos que estão por trás da polêmica.
As ideias de Žižek e Badiou derivam de uma matriz comum, partem de articulações entre Marx e Lacan. Em razão de seguirem esse percurso, ambos caminham para além de teorias pluralistas assentadas na incomensurabilidade de discursos (como algumas perspectivas pós-modernas, que dificultam um engajamento político), assim como de uma filosofia política centrada no consenso (como quer Habermas). Eles pretendem cuidar dos efeitos daquilo que não pode ser absorvido pelo discurso. É, de fato, a preocupação com operações (militantes ou clínicas) inassimiláveis pela linguagem o que aproxima perspectivas marxianas e a lacaniana.
São filósofos que se interessam por políticas do impossível, isto é, aquelas que pretendem ultrapassar alternativas que nossa forma de vida apresenta como viáveis. Um processo de destituição e uma transformação profunda: nada menos.
Ocorre que o conceito de Evento estabelecido por Badiou está associado a um novo começo, compreendido como um duplo da ruptura. Como nos textos políticos de Marx, para o francês, a lógica que conhecemos dos Estados liberais, por exemplo, pode ser quebrada pela novidade de um princípio universal de justiça, o qual produz um sujeito militante.
Já para Žižek, a tônica está em um Ato negativo de retirada, o qual antecede e independe de qualquer gesto positivo de identificação com um novo começo (em linguagem lacaniana, com um novo significante-mestre). Basta a quebra. Segundo o esloveno, dizer “não!” pode produzir um verdadeiro Ato revolucionário, que somente abre o caminho para a possível instauração de uma vida radicalmente nova. Acontece que a realização do Ato implica em riscos, inclusive o de que não sobrevenha qualquer novidade depois da ruptura.
Referências
BADIOU, A., et al. Sopa de Wuhan: Pensamiento Contemporaneo en Tiempos de Pandemias. Editoral ASPO, 2020.
Para ler o artigo, acesse
FISCHER, M.P. Evento ou Ato? Sobre as críticas de Žižek a Badiou. TRANS/FORM/AÇÃO: Revista De Filosofia [online]. 2021, vol. 44, no. 3, pp. 317–33 [viewed 16 November 2021]. https://doi.org/10.1590/0101-3173.2021.v44n3.25.p317. Available from: http://ref.scielo.org/rb5xss
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