Crianças em cena: O impacto da covid e das medidas de distanciamento social nas infâncias

Maria Cristina Soares de Gouvea, Professora, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Os efeitos sanitários e sociais do vírus da COVID-19 estão ainda longe de serem dimensionados. Aprendemos, tristemente, que a pandemia penaliza as populações mais pobres em todo o mundo, entrecruzando-se as desigualdades sociais às étnico-raciais, geração e gênero. Embora, em termos demográficos, as crianças sejam o grupo geracional diretamente menos atingido pelos efeitos letais do vírus, constitui um dos mais afetados pelas medidas de distanciamento social. Tais medidas impactaram radicalmente o cotidiano infantil, deslocando as referências de mundo, os tempos e espaços do cotidiano, as relações socioafetivas.

O conhecimento sobre o tema se mostra ainda provisório e pouco aprofundado. O número temático Crianças, infâncias e pandemia, publicado no Cadernos Cedes (vol. 42, no. 118), é composto por sete artigos nacionais e internacionais que contemplam tanto a análise de como as crianças e famílias vivem a pandemia, quanto os desafios metodológicos de desenvolvimento de investigações sobre a escuta das crianças no contexto do isolamento social em diferentes contextos.

Três dos artigos apresentam os resultados de pesquisa quali-quantitativa que buscou escutar as crianças sobre a experiência vivida, recorrendo a um mesmo questionário e entrevistas abertas. Destaca-se a centralidade da escola (e sua ausência) no cotidiano de crianças. Tal tema está descrito na pesquisa A escola na ausência da escola: reflexões das crianças durante a pandemia, que traz a investigação desenvolvida na região metropolitana de Belo Horizonte. O mesmo questionário foi utilizado no artigo Cuarenta tareas para la cuarentena: infancia y tareas escolares durante el confinamiento, ao buscar compreender o impacto da pandemia na experiência escolar. O estudo Quanto tempo o tempo tem? O cotidiano das crianças durante a pandemia da covid-19, considera os usos do tempo e da organização das rotinas infantis por crianças de Salvador.

Os desafios do ensino a distância são relatados em Perspectivas de la educación formal con infancias ante el COVID-19: el contexto de Chiapas, que descreve as estratégias e os processos de educação escolar a distância das crianças em Chiapas, México, na escuta de docentes sobre sua experiência.

Imagem: Canva

Já o artigo: Entre telas e teclas: pesquisa-intervenção com crianças e adolescentes na pandemia, apresenta uma reflexão sobre as possibilidades e limites de pesquisas com crianças utilizando ferramentas mediáticas, a partir de investigação desenvolvida com crianças e jovens do Rio de Janeiro, no contexto da pandemia.

Os desafios metodológicos são abordados em “Miúdos co(n)vida”: desenvolver pesquisa com crianças em tempos de pandemia covid-19, e discorre sobre as estratégias de escuta de crianças portuguesas no contexto de isolamento e no uso de recurso a mídias que potencializem o diálogo com as linguagens da infância.

Por fim, o artigo: “Nóis” é ponte e atravessa qualquer rio: notas sobre mulheres, crianças, coletivos periféricos e o comum (ou, quando a pandemia é apenas mais um elemento), teve como foco a construção de espaços e estratégias de resistência por mulheres e crianças de coletivos periféricos de São Paulo. Ressalta-se o recurso metodológico utilizado, através da análise de podcasts produzidos pelo grupo de pesquisa dos autores, em diálogo com os coletivos, bem como o recorte intergeracional, contemplando a experiência de mulheres e crianças.

Se esse número tem como objeto central a análise de um processo histórico contingencial, os artigos contemplam temas que ultrapassam a análise do impacto da COVID na infância. Sua leitura possibilita-nos compreender o significado da escola para crianças de diferentes nacionalidades, classes sociais, pertencimentos étnicos-raciais e de gênero; a compreensão da centralidade das relações intergeracionais na construção das diferentes infâncias e de formas de resistência por populações marginalizadas, e a reflexão sobre estratégias de pesquisa no contexto contemporâneo. Ao trazer a infância para o centro das análises, destaca-se a importância de escuta das crianças para compreensão da singularidade da experiência infantil, de forma a subsidiar políticas públicas e espaços de atuação voltados para a infância nas áreas de saúde, educação, políticas urbanas e assistência social.

Para ler os artigos, acesse

CARVALHO, L.D., GOUVÊA, M.C.S. and FERNANDES, N. Crianças, infâncias e pandemia. Cad. CEDES [online]. 2022, vol. 42, no. 118, pp. 228-231 [viewed 28 November 2022]. https://doi.org/10.1590/CC253244. Available from: https://www.scielo.br/j/ccedes/a/rqZFfYx9ZdsDVSDZ7t8CHzJ/

FERNANDES, N., SANI, A.I. and BARRA, M. “Miúdos co(n)vida”: desenvolver pesquisa com crianças em tempos de pandemia covid-19. Cad. CEDES [online]. 2022, vol. 42, no. 118, pp. 248-258 [viewed 28 November 2022]. https://doi.org/10.1590/CC262470. Available from: https://www.scielo.br/j/ccedes/a/F3gZ5LYtNyS4RwbTQSxr6JN/

GOBBI, M. “Nóis” é ponte e atravessa qualquer rio: notas sobre mulheres, crianças, coletivos periféricos e o comum (ou, quando a pandemia é apenas mais um elemento). Cad. CEDES [online]. 2022, vol. 42, no. 118, pp.359-372 [viewed 28 November 2022]. https://doi.org/10.1590/CC253004. Available from: https://www.scielo.br/j/ccedes/a/czDzHhHsDHQBjT77ML84PXD/

GONZÁLEZ, M.P. and PATIÑO, K.N. Perspectivas de la educación formal con infancias ante el COVID-19: el contexto de Chiapas. Cad. CEDES [online]. 2022, vol. 42, no. 118, pp. 309-321 [viewed 28 November 2022]. https://doi.org/10.1590/CC253204_EN. Available from: https://www.scielo.br/j/ccedes/a/RxNMPxjMSwCZZ4YsnFJgKBn/

LARA, J.S., et al. Entre telas e teclas: pesquisa-intervenção com crianças e adolescentes na pandemia. Cad. CEDES [online]. 2022, vol. 42, no. 118, pp. 232-247 [viewed 28 November 2022]. https://doi.org/10.1590/CC253105. Available from: https://www.scielo.br/j/ccedes/a/kQDXsWjYkMJfj6cCp9rt8Nx/

PASCUAL, I.R., et al. Cuarenta tareas para la cuarentena: infancia y tareas escolares durante el confinamiento. Cad. CEDES [online]. 2022, vol. 42, no. 118, pp. 296-308 [viewed 28 November 2022]. https://doi.org/10.1590/CC252993. Available from: https://www.scielo.br/j/ccedes/a/r3SCd64PsXydHZYCwTskddM/

SANTANA, J.P., LORDELO, L.R. and FÉRRIZ, A.F.P. Quanto tempo o tempo tem? O cotidiano das crianças durante a pandemia da covid-19. Cad. CEDES [online]. 2022, vol. 42, no. 118, pp. 335-346 [viewed 28 November 2022]. https://doi.org/10.1590/CC252948. Available from: https://www.scielo.br/j/ccedes/a/mYyDVMRGPtHrWgPFBPHKsCq/

SILVA, I.O., et al. A escola na ausência da escola: reflexões das crianças durante a pandemia. Cad. CEDES [online]. 2022, vol. 42, no. 118, pp. 270-282 [viewed 28 November 2022]. https://doi.org/10.1590/CC253117. Available from: https://www.scielo.br/j/ccedes/a/xjdTrfz7GkfkpcpW4jdzhSb/

Links externos

Cadernos CEDES – CCEDES: www.scielo.br/ccedes

Número temático “Crianças, infâncias e pandemia” (vol. 42, no. 118): https://www.scielo.br/j/ccedes/i/2022.v42n118/