Débora Mazza, Professora Livre Docente, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, Brasil.
Carmem Sylvia Vidigal Moraes, Professora Titular, Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil.
Celso João Ferretti, Professor Aposentado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Centro de Estudos Educação e Sociedade, Campinas, São Paulo, Brasil.
A relevância do debate sobre Juventudes se justifica pelo seu impacto quantitativo e qualitativo no cenário contemporâneo. Os indicadores quantitativos internacionais apontam que cerca de 25% da população do mundo, da América Latina e do Brasil, é composta por jovens, de 11 a 35 anos, vivendo em condições desiguais e combinadas (CATANI; GILIOLI, 2008). Os dados qualitativos sugerem que eles estão expostos a processos acelerados de internacionalização da economia, globalização do consumo, expansão da escolarização e intensificação do uso de tecnologias da informação e comunicação, vivendo em ambientes reais e virtuais de aprendizagem, plataformas digitais de relacionamento, comunidades de jogos e de entretenimento. Esse contexto promove novas formas de ser, pensar, sentir e agir, produzindo homologias ilusórias.
Essa tendência demográfica global, resultante da redução da taxa de fecundidade, da diminuição da mortalidade infantil e do aumento da expectativa de vida da população, representa desafios aos governos nacionais, às políticas públicas, às dinâmicas do mercado e às agendas de pesquisa, visando alternativas de inserção dos jovens nas modernas sociedades (KERGOAT, 2023).
No entanto, o incremento da população jovem ocorre associado ao desenvolvimento das tecnologias da automação, armazenamento e trocas de dados e introdução da robótica e inteligência artificial no processo produtivo, gerando adiamento da entrada no mundo do trabalho, desemprego e o que Viviane Forrester denomina de horror econômico. Ou seja, aumento de espectros vivos, grupos excluídos, periferias miseráveis, territórios cancelados, sem trabalho/sem dinheiro/sem futuro.
Assim, assistimos a uma mutação da sociedade do trabalho para a sociedade do não trabalho. Mas a ideologia do trabalho perdura como medidora para se alcançar a honra, o sucesso e a riqueza, afetando a população jovem, que se sente culpada e responsável pelas armadilhas das quais é cotidianamente vitimada (FORRESTER, 1997).
Do ponto de vista sociológico, “juventude” pode significar apenas uma palavra que visa homogeneizar divisões etárias arbitrárias, “uma vez que as fronteiras entre os grupos etários são objetos de disputa nas formações sociais”. Pode também “considerar as diferenças entre os jovens a partir de posições sociais ocupadas em espaços desiguais, o que levaria a adoção do termo ‘juventudes’ sinalizando a pluralidade no estudo deste segmento”, ressaltando que “as aspirações das sucessivas gerações […] são também produto dos diferentes estados da estrutura de distribuição de bens e oportunidades de acesso a esses” (SPOSITO, 2017, p. 243); ou, ainda, demarcar uma fase transitória entre a condição infantil e adulta, sem limites precisos.
Interessa-nos investigar como esses jovens se constituem histórica e culturalmente por meio de processos, ao mesmo tempo, particulares e universais, impulsionados por movimentos concomitantes de resistência, insurgência, criatividade, alienação, acomodação e exploração. No Brasil, segundo o Censo (IBGE, 2022), cerca de 1/4 da população tem entre 15 e 29 anos, e 48,7% se autodeclaram pardos, 39,4% brancos, 10,8% pretos, 0,7% indígenas e 0,3% amarelos. Dentre esses, mais de 20% seguem afastados do ambiente escolar e do mercado de trabalho.
Preocupa-nos um conjunto de reformulações, de caráter sistêmico, pautadas pelo Ministério da Educação (MEC), por meio da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), da Reforma do Ensino Médio, do Programa Nacional do Livro Didático, da alteração dos procedimentos de avaliação, etc. que seguem a orientação política e pedagógica de agentes, incrustados no Estado, mas que representam os interesses do empresariado nacional e internacional, particularmente do mercado financeiro. Este vislumbra na educação um negócio lucrativo vinculado ao mercado de trabalho e não um direito de cidadania, que busca um lugar social para todo(a)s nesta etapa da modernidade.
Para tanto, a seção especial sobre “Juventudes”, publicada na Educação & Sociedade, problematiza a pedagogia das competências que relega à dimensão individual a responsabilidade sobre o sucesso (ou fracasso) nos processos de inserção socialmente configurados, o encarceramento prisional dos jovens com raça, cor, sexo, gênero, classe social e grupo etário demarcados por exclusões interseccionadas, o ensino religioso nas escolas públicas fortemente influenciado por uma interpretação neoliberal norte-americana do cristianismo, as disposições e aprendizagens das juventudes periféricas acossadas cotidianamente pela necessidade de sobrevivência, a educação profissional e tecnológica colada às demandas incertas do mercado do não trabalho, assim como as resistências construídas nas margens do pensamento hegemônico, durante e após o período da pandemia, pautadas por ações de solidariedade e cuidado coletivos. Os textos reunidos abordam diferentes aspectos desses processos, numa perspectiva crítica e multidisciplinar.
Esperamos que as provocações feitas pelo(a)s autore(a)s e pelos artigos contribuam para o aprofundamento do debate sobre os impactos do ethos empreendedor na formação educacional das novas gerações, seus efeitos nas esferas pública e privada, coletiva e individual, promovendo a produção de novos estudos a respeito desta temática. Apostamos que a vocação da cultura possa suscitar outras disposições como a prontidão para as múltiplas manifestações da arte: cinema, dança, escultura, fotografia, literatura, mundo digital, música, pintura e teatro, facultando a compreensão da pulsação de um mundo e o surgimento de novas utopias.
A seguir, ouça o podcast de Debora Mazza, ampliando a discussão sobre as juventudes empreendedoras em contextos sociais e processos educacionais.
Referências
CATANI, A. and GILIOLI, R.S.P. Culturas juvenis: múltiplos olhares. São Paulo: UNESP, 2008.
FORRESTER, Viviane. O horror econômico. 7. ed. São Paulo: UNESP, 1997.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Panorama do Censo 2022: Indicadores [online]. Portal do IBGE. 2022 [viewed 21 February 2024]. Available from: https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/indicadores.html
KERGOAT, P. Told to make a choice. From humiliation to a sense of injustice. Proposições [online]. 2023, vol. 34, e20200137EN [viewed 21 February 2024]. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2020-0137EN. Available from: https://www.scielo.br/j/pp/a/WwGXnBfWdFBw88PjLyp3Xmc/
SPOSITO, M.P. Juventude. In: CATANI, A.M., et al. Vocabulário Bourdieu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. p. 243- 244.
Para ler o artigo, acesse
MAZZA, D., FERRETTI, C.J., and MORAES, C.S.V. Apresentação. Educação & Sociedade [online]. 2023, vol. 44, e279375 [viewed 21 February 2024]. https://doi.org/10.1590/ES.279375. Available from: https://www.scielo.br/j/es/a/4XPQvHWnzSPYkSrvZRkpxLb/
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