Nossas crenças também são formadas pelo uso das mídias sociais

Tarcísio de Sá Cardoso, Professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA), Salvador, BA, Brasil.

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Qual o papel das redes sociais na formação de nossas crenças e visões de mundo? Essa foi a questão que motivou o estudo de Priscila Borges e Tarcísio Cardoso, intitulado Mente, crenças e mídias sociais na internet: uma perspectiva peirceana, que trata da formação de crenças atravessada pelas mediações das nossas redes sociais de internet. Partindo da filosofia de Charles Peirce, o artigo pensa a mídia digital como mente social, na qual se descobre coisas que não sabíamos antes. No entanto, os autores lembram que podemos ter um impulso para aceitar uma conclusão verdadeira como falsa, ou uma falsa como verdadeira. Assim, surge a questão: como, então, podemos julgar uma conclusão que somos levados a crer?

A posição que o texto defende, seguindo a filosofia de Peirce, é que a investigação científica pode inspirar uma atitude social saudável para nosso uso das redes sociais de internet. Isso porque seria altamente recomendável que comunidades e sociedades reflitam sobre as mensagens circuladas e as crenças formadas através dessa circulação. Um problema bastante atual sobre essa circulação diz respeito à desinformação, fenômeno que hoje depende de características próprias ao mundo digital. Assim, como seria possível combater a desinformação? O que Peirce teria a dizer sobre essa relação entre crenças práticas e informações confiáveis?

Os autores do estudo, professores em cursos superiores da área da comunicação, desenvolvem pesquisa na interface entre comunicação e semiótica. O que caracteriza essa interface é o fato de ela propor um diálogo dos assuntos mais quentes e contemporâneos, como a comunicação mediada por tecnologias digitais, com uma tradição filosófica que se iniciou há quase 160 anos, trazendo para nossos dias uma teoria que pode ajudar a desatar alguns nós dos dilemas em que estamos inseridos na cultura digital.

Pai da semiótica e do pragmatismo, o filósofo Charles Peirce elaborou sua teoria semiótica centrada na noção de “mediação”, isto é, da ação dos signos, dos “meios”. Essa teoria, apesar de ter surgido no final do século dezenove, parece cada vez mais atual, já que meios, mídias, mediação e midiatização são temas de destaque nos estudos contemporâneos das ciências da comunicação.

Ilustração de duas mãos segurando um tablet, que exibe um rosto humanoide digital, rodeado por vários ícones de tecnologia que estão saindo da tela e flutuando ao redor.

Imagem: Gerado com IA [Bing – Copilot].

Para resumir as contribuições dessas ideias, vale lembrar que duas propriedades do que se entende por redes sociais de internet são: as instituições, isto é, as companhias que disponibilizam as plataformas para uso (com seus modelos de negócio muitas vezes baseados em anúncios patrocinados); e os indivíduos, que disponibilizam seu tempo e sua atenção para se conectarem através do uso dessas plataformas (deixando rastros de cada uma de suas ações).

Podemos dizer que as mídias sociais, inseridas irreversivelmente na cultura digital, rearranjam o modo como pessoas se conectam e compartilham ideias (sobre lugares, coisas, posições políticas, crenças morais etc.). Assim, também podemos afirmar que as plataformas sociais da internet, como instituições, estão fixando novos hábitos sociais para atingir seus próprios propósitos.

Esse estudo nos convida a refletir sobre as mediações digitais e a colocar nossas próprias crenças em revisão, de modo a guiar um tipo de ação mais reflexiva no mundo, em acordo com o conhecimento disponível e não bloqueando o processo futuro de investigação. O texto, publicado na Trans/form/ação, conclui que nossas práticas individuais e coletivas com as mídias sociais devem promover a suspensão dos signos que nos chegam através das redes digitais, não com a intenção de alimentar teorias da conspiração, mas como um gesto de encorajar o julgamento crítico racional, uma vez que desejamos aprender com o diálogo e, assim, investigar e incluir observações colaterais em nosso processo de formação de uma crença.

Como resultado, o estudo aponta que, caso queiramos alcançar um estado mais inclusivo em nossa mente social tecnicamente mediada, é importante incluir na nossa atual cultura da midiatização certos tipos de agências que promovam uma abertura cognitiva na esfera social. Isto porque o que é relevante para algum interesse individual pode não ser epistêmica ou politicamente relevante para as mentes sociais.

Referências

SANTAELLA, L. De onde vem o poder da mentira? Barueri, SP: Estação das Letras e Cores, 2021.

HOUSER, N. Social minds and the fixation of belief. In: WEST, E. and ANDERSON, M. (ed.). Consensus on Peirce’s Concept of Habit Before and Beyond Consciousness. Switzerland: Springer, 2016.

IBRI, I. A. Semiótica e pragmatismo: interfaces teóricas: v. 2. Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2021.

Para ler o artigo, acesse

BORGES, P.M. and CARDOSO, T.S. Mind, beliefs and internet social media: a Peircean perspective. Trans/form/ação [online]. 2024, vol. 47, no. 2, e02400134 [viewed 24 June 2024]. https://doi.org/10.1590/0101-3173.2024.v47.n2.e02400134. Available from: https://www.scielo.br/j/trans/a/dWFKqRDh4MZMp7zcd3W7kDw/

Links externos

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

CARDOSO, T.S. Nossas crenças também são formadas pelo uso das mídias sociais [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2024 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2024/06/24/nossas-crencas-tambem-sao-formadas-pelo-uso-das-midias-sociais/

 

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