Henrique Cruz Noya, Assistente editorial da Revista Direito GV, Doutorando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e Mestre na mesma área pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
Compreender a trajetória da abordagem proibicionista em relação às drogas no Brasil ao longo de um século, além de investigar os elementos que têm sustentado a resiliência deste modelo é o objetivo de um dos artigos recentemente publicado pela Revista Direito GV, intitulado From the Criminalization of Substances to the “War on Drugs” Policy: A Century of Prohibitionism in Brazil.
O estudo traça a evolução das políticas de drogas no Brasil desde 1921, quando o país promulgou sua primeira “Lei de Drogas”, até os dias atuais, identificando, por meio de análise sistemática, o complexo quadro legal, institucional e burocrático construído ao longo de várias fases. Além disso, a pesquisa busca entender as razões para a sobrevivência dessa abordagem, que os autores atribuem à resiliência da “ideologia proibicionista”, o imaginário coletivo que molda e sustenta a lógica de repressão.
Conduzido pelos pesquisadores José Guilherme Magalhães e Silva, Luís Felipe Zilli e Letícia Godinho de Souza, todos da Fundação João Pinheiro (MG), oferece duas contribuições interligadas: primeiro, apresenta um abrangente inventário da trajetória das políticas de drogas no Brasil dos últimos cem anos, por meio de uma análise sistemática da legislação nacional e internacional, bem como das redes políticas e institucionais que regulam a matéria; em segundo lugar, relaciona essa evolução com a “ideologia proibicionista” que lhe dá sustentação, mostrando como a manutenção do proibicionismo durante um século pode ser atribuída ao que chamam de “ideia resiliente”.
Os autores explicam que os imaginários coletivos são um conjunto de suposições socialmente compartilhadas que moldam a forma como a realidade é percebida, sendo um dos exemplos a noção coletiva de que o consumo de certas substâncias psicoativas é moral e socialmente repreensível. No Brasil, a lógica proibicionista constituiria-se como um imaginário coletivo persistente, capaz de moldar historicamente as políticas de drogas no país.
Em outras palavras, uma “ideia resiliente”, com três atributos: (i) continuidade ao longo do tempo (durável, recorrente e adaptável); (ii) domínio expressivo sobre ideias alternativas; e (iii) capacidade de sobreviver a desafios e modelos concorrentes, apesar de suas falhas.
É com o pano de fundo teórico dos “imaginários coletivos” e, em particular, das “ideias resilientes”, que os autores empreendem pesquisa empírica que mapeia sistematicamente uma vasta gama de regulamentações, nacionais e internacionais, abrangendo aspectos constitucionais, legislativos, regulatórios, de convenções etc., no período de cem anos.
Esse levantamento é complementado por uma análise das etapas do proibicionismo no Brasil, desde o primeiro decreto de 1921, que criminalizava certas substâncias psicoativas, até os dias atuais. A evolução da resposta estatal proibicionista é assim documentada por meio de períodos históricos expressivos, incluindo a “Era Vargas” (1930-1954), a Ditadura Militar, a Constituição de 1988, a Nova Lei de Drogas (Lei 11.343/06), até o cenário contemporâneo.
Todo o período de um século de construção jurídico-institucional é revisitado e debatido, em um valioso esforço de pesquisa. O resultado é um estudo rico do ponto de vista empírico, que reúne e documenta o emaranhado proibicionista, ao mesmo tempo em que investiga suas causas.
Segundo os autores, compreender a persistência do modelo proibicionista ao longo de um século requer uma reflexão sobre como certas ideias e discursos moldam a realidade social e resistem ao tempo. Esse entendimento esclarece por que o proibicionismo continua a prevalecer no sistema jurídico e institucional brasileiro, mantendo há cem anos suas características centrais, mesmo em face de suas falhas e a despeito das recentes mudanças em direção a práticas como a redução de danos e o desencarceramento.
O estudo será proveitoso àqueles que investigam ou se interessam pela urgente temática das drogas, do proibicionismo e das relações entre as soluções políticas concretas e os imaginários coletivos que lhes dão ensejo e sustentação.
Para ler o artigo, acesse
SILVA, J.G.M., ZILLI, L.F. and SOUZA, L.G. From the Criminalization of Substances to the “War on Drugs” Policy: A Century of Prohibitionism in Brazil. Revista Direito GV [online]. 2024, vol. 20, e2418 [viewed 12 September 2024]. https://doi.org/10.1590/2317-6172202418. Available from: https://www.scielo.br/j/rdgv/a/bVs97kVZSvCNKs7LbkKbtQR/
Sobre os autores do artigo
Sobre José Guilherme Magalhães e Silva – Mestre em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (FJP/MG). Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Auditor na UFMG. https://orcid.org/0000-0003-2048-0876
Luís Felipe Zilli – Doutor e Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Graduado em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Pesquisador em Ciências Aplicadas e Políticas Públicas da Fundação João Pinheiro (FJP/MG) e pesquisador membro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (INCT/InEAC). https://orcid.org/0000-0003-3605-1531
Letícia Godinho de Souza – Doutora e Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Graduada em Direito pela UFMG. Pesquisadora em Ciências Aplicadas e Políticas Públicas da Fundação João Pinheiro (FJP/MG). Professora da Escola de Governo e Coordenadora do Programa de Mestrado em Administração Pública da FJP. https://orcid.org/0000-0001-5083-5899
Links externos
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Conjunto de dados deste artigo disponível no SciELO Dataverse da Revista Direito GV: https://doi.org/10.48331/scielodata.RWFDJX
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