Crise escolar e deslocamento urbano do Colégio Universitário da UFMA

Wilson Raimundo de Oliveira, pós-graduando do Programa de pós-graduação em História e conexões atlânticas (doutorado), Universidade Federal do Maranhão (UFMA), São Luís, MA, Brasil.

Samuel Luis Velázquez Castellanos, professor associado, Departamento de Educação I, Centro de Ciências Sociais, Universidade Federal do Maranhão (UFMA), São Luís, MA, Brasil.

Logo do periódico Revista Brasileira de Estudos PedagógicosNo artigo Da periferia ao campus: o COLUN/UFMA entre a Vila Palmeira e a cidade universitária (1995-2006) (Rev. Bras. Estud. Pedagog., vol. 105, 2024), analisamos a crise do Colégio Universitário da Universidade Federal do Maranhão (COLUN/UFMA) durante as décadas de 1990 e 2000; período em que mudanças internas culminaram na sua transferência do Bairro Vila Palmeira, em São Luís – onde atendia grupos sociais mais desfavorecidos economicamente – para a cidade universitária localizada na Vila Bacanga, com público de classificação escolar (Vincent; Lahire; Thin, 2001) mais refinada.

Com fontes históricas obtidas a partir dos jornais, arquivo escolar, entrevistas, fotografias e legislação, e sustentando-nos teórica e metodologicamente na história cultural, a qual considera que “[…] as relações econômicas e sociais não são anteriores às culturais, nem as determinam; elas são campo de produção cultural e prática cultural” (Hunt, 1992, p.9); sem negar a força da estrutura econômico-social e das conjunturas políticas sobre a realidade educacional e o funcionamento das unidades de ensino, afirmamos que os saberes acadêmicos, comunitários e escolares que dinamizaram a cultura escolar do Colégio Universitário surgiram das práticas culturais “[…] que, diversamente se apreendem dos bens simbólicos, produzindo assim usos e representações diferençadas” (Chartier, 1991, p.178).

Nesse sentido, merecem menção as atividades cívicas (hora cívica e desfiles patrióticos), artísticas (banda de música, canto coral, teatro), esportivas (olimpíadas do COLUN) e folclóricas (festas juninas); bem como feiras de ciências, estágio supervisionado, conselhos de classe, conselho diretor, grêmio estudantil, associação de pais, mestres e comunitários; recorte ou bricolagem operada pelo Colégio que, ao separar os elementos da cultura social que mais lhe interessam ou são úteis ao seu percurso, recria-os numa produção original (Forquin, 1993) que resulta na cultura escolar democrática estabelecida no COLUN (Oliveira; Castellanos, 2020).

Criado em 1968 apenas com a oferta do 3° ano colegial, o Colégio Universitário passou por pequena expansão na década seguinte e ofereceu, até 1979, 1°, 2° e 3° anos do então 2° grau (Brasil, 1971). Em 1980, houve a sua reestruturação como parte do projeto de inserção social da UFMA, que instalou o Colégio Universitário, desde então identificado pela sigla COLUN, na periferia urbana de São Luís.

Na Vila Palmeira, durante as décadas de 1980, 1990 e meados da década de 2000, o COLUN/UFMA ocupou lugar de destaque na escolarização de significativa parcela da população ludovicense; ofertando a milhares de estudantes o ensino de 1° e 2° graus, respectivamente denominados de ensino fundamental e ensino médio a partir da Lei 6.394/1996 (Brasil, 1996).

Paralelamente à consolidação do COLUN no cenário educacional maranhense, a UFMA começou a sentir os efeitos da crise que, na década de 1990, atingiu as universidades brasileiras, resultando em uma política de desfavorecimento das universidades públicas, principalmente as federais (Saviani, 2010).

Para o COLUN, as principais consequências dessa transição foram a retração da oferta de vagas e o descaso com a manutenção física, em virtude da falta de recursos para custear todas as despesas necessárias ao funcionamento dos dois prédios do Complexo escolar que abrigava suas instalações: laboratórios, oficinas e recursos audiovisuais, entre outros materiais pedagógicos.

Mesmo enfrentando problemas decorrentes da política educacional desfavorável às universidades federais, o Colégio manteve, por algum tempo, o seu poder simbólico e continuou atraindo estudantes que buscavam se matricular no estabelecimento reconhecido como um dos mais prestigiados da capital, em virtude da qualidade do ensino oferecido; lugar que possibilitava alcançar desejáveis classificações escolares (Vincent; Lahire; Thin, 2001).

Fotografia do muro do colégio universitário da Universidade Federal do Maranhão.

Imagem: Jornal Pequeno, 2012

Inserido na malha urbana do bairro e na própria cultura local como um bem simbólico representativo das lutas populares pela conquista dos direitos necessários à efetivação da cidadania, o Colégio Universitário resistiu enquanto foi possível na tentativa de manter-se vivo com seus traços identitários desenhados nos anos 1980, destacadamente em seu vínculo construído com a população da Vila Palmeira.

No entanto, a crise do COLUN se aprofundaria nos anos seguintes pela encruzilhada de interesses instaurada, que posicionava a comunidade do bairro, organizada e representada pelos seus organismos sociais e estudantis (união de moradores, associação de pais, clube das mães, grêmio estudantil etc.), de um lado e, do outro, as gestões do Colégio, a administração superior da universidade e seus departamentos acadêmicos de graduação, que defendiam a necessidade de transferir as instalações do Colégio para a cidade universitária.

No final dos anos 1990, o COLUN começou a sofrer um progressivo abandono de alguns de seus espaços em virtude da diminuição da oferta de vagas, o que acarretou a subutilização daquela gigantesca obra pública. Além disso, o aparato tecnológico que ali existiu se tornou obsoleto, desde os laboratórios e as oficinas até o conjunto de equipamentos escolares, os quais, quando da sua implementação, eram tidos como os mais modernos, mas não tiveram reposição ou atualização.

Com isso, todas as atividades pedagógicas e administrativas dos níveis fundamental e médio foram concentradas em um só edifício (até então conhecido como “prédio do 2° grau”), esvaziando-se a outra parte daquela estrutura arquitetônica (o chamado “prédio do 1° grau”), com a biblioteca – que já fora desativada –, as salas de atendimento, os laboratórios e as oficinas.

O ano de 2006 torna-se um divisor de águas nessa trajetória, pois é o momento histórico em que ocorre o remanejamento das turmas do ensino médio para o novo endereço. O processo de transferência iniciado ali não foi passivamente aceito pelos moradores que viviam no local, tendo havido resistência de lideranças comunitárias e demais habitantes da Vila Palmeira, que utilizaram vários canais, na imprensa ou fora dela, para demonstrar a insatisfação popular diante dos encaminhamentos que foram dados pela gestão do COLUN e pela administração superior da UFMA.

Nos últimos anos da década de 2000, com o ensino médio em pleno funcionamento na cidade universitária, os alunos das séries remanescentes do ensino fundamental (4ª, 5ª, 6ª, 7ª e 8ª) tinham assegurado o direito de concluírem essa etapa da educação básica sem precisar se locomover ao Bacanga.

Portanto, as culturas universitárias, escolar e local, amalgamadas, deram vida ao COLUN enquanto campo social engendrado, concebido e preservado pela unidade da forma escolar (Vincent; Lahire; Thin, 2001), tal como se estabeleceu na Vila Palmeira. Realidade histórica transformada a partir dos anos 1990 e 2000, em que se testemunhou a grave crise que findou a ação educativa desenvolvida nesse bairro durante mais de duas décadas.

O encerramento dessa trajetória foi protagonizado por poucas turmas do ensino fundamental melancolicamente instaladas nas últimas salas ainda em funcionamento dentro da vasta construção concreta e simbólica, porém atingida pelo descaso governamental que a deixou em situação de crescente abandono. Prédio escolar em acelerado desgaste físico, que, em virtude da sua completa deterioração, acabou interditado pelo corpo de bombeiros. Nos anos seguintes, a obra pública que já fora tão imponente se converteu em ruínas.

Para ler o artigo, acesse

OLIVEIRA, R.W. and CASTELLANOS, V.L.S. Da periferia ao campus: o Colun/UFMA entre a Vila Palmeira e a Cidade Universitária (1995-2006). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos [online]. 2024, vol. 105, e5878 [viewed 11 February 2025]. https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.105.5878. Available from: https://www.scielo.br/j/rbeped/a/W44bRJ5ZrbxvKrwKGK8DkDd/

Referências

CHARTIER, R. O mundo como representação. Estudos Avançados [online]. 1991, vol. 5, no. 11, pp. 173-191 [viewed 11 February 2025]. https://doi.org/10.1590/S0103-40141991000100010. Available from: https://www.scielo.br/j/ea/a/SZqvSMJDBVJTXqNg96xx6dM/

FORQUIN, J.C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993

LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996 [online]. Planalto – Portal Gov.br. 1996 [viewed 11 February 2025]. Available from: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm

LEI No 5.692, DE 11 DE AGOSTO DE 1971 [online]. Planalto – Portal Gov.br. 1971 [viewed 11 February 2025]. Available from: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5692.htm.

OLIVEIRA, W.R. and CASTELLANOS, S.L.V. O Colégio Universitário da UFMA no contexto das reformas educacionais (1968-2018). Cadernos de Pesquisa [online]. 2020, vol. 27, no. 2, pp. 51-72 [viewed 11 February 2025]. https://doi.org/10.18764/2178-2229.v28n2-2020-03. Available from: https://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/cadernosdepesquisa/article/view/13292

SAVIANI, D.A. A expansão do ensino superior no Brasil: mudanças e continuidades. Poíesis Pedagógicas [online]. 2011, vol. 8, no. 2, pp. 4-17 [viewed 11 February 2025]. https://doi.org/10.5216/rpp.v8i2.14035. Available from: https://periodicos.ufcat.edu.br/poiesis/article/view/14035

VINCENT, G., LAHIRE, B. and THIN, D. Sobre a história e a teoria da forma escolar. Educação em Revista [online]. 2001, vol. 17, no. 33 [viewed 11 February 2025]. Available from: https://periodicos.ufmg.br/index.php/edrevista/article/view/44459 

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OLIVEIRA, R.W. and CASTELLANOS, V.L.S. Crise escolar e deslocamento urbano do Colégio Universitário da UFMA [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2025 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2025/02/11/crise-escolar-e-deslocamento-urbano-do-colegio-universitario-da-ufma/

 

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