O que a Linguagem sobre a Pobreza Medieval revela à Pesquisa Histórica

Carolina Costa, graduanda em História, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

Logo do periódico Varia HistóriaQuantas vezes a palavra “pobreza” aparece nos documentos da Alta Idade Média (séculos VI-IX)? Essa é uma pergunta possível de aparecer quando o tema de pesquisa envolve questões sobre os pobres que viveram durante o período altomedieval. Afinal, toda pesquisa historiográfica parte de uma pergunta norteadora que instiga a curiosidade do(a) historiador(a).

Nesse sentido, por vezes, esse(a) historiador(a) precisa trabalhar com uma enorme quantidade de documentos que rodeiam e fundamentam o seu estudo e, nesse caso, algo que poderia facilitar os trabalhos desse profissional é a organização de um banco de dados prático e acessível. É justamente nesse tema e nessa funcionalidade que o artigo História Medieval e Ciência de Dados: A inovação na produção de conhecimento histórico auxiliada pelas tecnologias da informação, publicado pela Varia História (vol. 41, 2025), se constrói.

É possível que uma pergunta como a mencionada anteriormente tenha orientado a pesquisa de pós-doutorado de Thiago Juarez Ribeiro da Silva. O trabalho do autor (Universidade Federal de Goiás – UFG) escrito com Márcio Augusto Diniz (Icahn School of Medicine at Mount Sinai), buscou, dessa forma, demonstrar a importância da interconexão entre os Estudos Históricos e a Ciência de Dados, tomando como estudo de caso o banco de dados produzido para a pesquisa sobre o léxico da pobreza na Alta Idade Média.

Sob tal ótica, a produção de um estudo historiográfico é atrelada à incansável procura de elementos que auxiliam na resposta da pergunta-problema que o/a profissional da História submete ao seu projeto. No estudo de Silva e Diniz essa investigação não foi diferente. Ao longo do artigo os autores apresentam os resultados da pesquisa que combinou análise histórica e métodos computacionais. Para isso, foram utilizadas ferramentas digitais para investigar como os pobres eram designados e representados na documentação latina do início da Idade Média. Dessa maneira, os autores demonstram como a interconexão entre a História Medieval e a Ciência de Dados pode democratizar o acesso da produção de conhecimento histórico.

No artigo é possível perceber que a relação entre a História e as tecnologias digitais transformou profundamente o modo como o passado é estudado, narrado e ensinado. O dossiê História Conectada: Inovações digitais na produção de conhecimento histórico (2025), organizado por Maria Cristina Correa Leandro Pereira, professora da Universidade de São Paulo (Brasil) e Sylvie Joye (2025), professora da Universidade de Lorraine (França), também discute essa ideia, propondo uma reflexão sobre essas mudanças, destacando como as ferramentas digitais estão redesenhando as práticas de pesquisa e ensino histórico.

O texto evidencia obras que fundamentam o debate sobre a história digital, mostrando de que maneira autores como Daniel Cohen, Roy Rosenzweig, Jack Dougherty, Kristen Nawrotzki, Patrick Manning e Tiago Luís Gil abordam a acessibilidade às fontes, o uso pedagógico das tecnologias, a colaboração online, o emprego de grandes bases de dados e a necessidade de formação técnica dos historiadores. Em conjunto, essas obras indicam que o digital representa não apenas uma inovação técnica, mas uma transformação epistemológica na produção, difusão e divulgação do conhecimento histórico.

Nesse sentido, todo o método apresentado no artigo aqui exposto é detalhado. O ponto inicial é o estudo semântico histórico da palavra pobre e do tema pobreza; visando a isso, são enumeradas palavras e expressões que se relacionam ao tema, sem deixar de fora os substantivos comuns, como por exemplo: pauper, egens, inops, mendicus, miser e seus derivados como pauperrimus, além expressões como as de orph(f) anus, vidua, fames, dives, decima, solidus, oppressio, entre outras, que vão construindo o campo.

Desse modo, a pesquisa se debruça sobre e se divide em três pontos principais, que envolvem o levantamento dos dados, a elaboração e organização desses dados, que facilite o acesso do público, ponto central para os autores, e, por fim, a criação de ferramentas que auxiliem a análise desses dados.

 

 

A partir dessa estrutura metodológica, os autores desenvolvem três produtos fundamentais que demonstram o potencial da articulação entre História e Ciência de Dados. O primeiro é um banco de dados online sobre o léxico da pobreza, disponível publicamente e organizado com filtros e metadados que permitem ao usuário explorar os dados de forma autônoma, que pode ser acessado por meio do link.

O segundo é o programa PaupeR, elaborado em linguagem R, cuja função é cruzar informações semânticas e contextuais, possibilitando análises estatísticas refinadas a partir das 2.514 ocorrências identificadas nos documentos da Monumenta Germaniae Historica por meio do buscador eletrônico eMGH.

O terceiro produto é um repositório público no GitHub, que abriga todos os dados, ferramentas e códigos utilizados no projeto, reforçando o compromisso com a ciência aberta e colaborativa. Esses recursos não apenas facilitam o acesso e a reutilização das informações históricas, como também permitem novas interpretações e visualizações, ampliando as possibilidades de compreensão da pobreza na Alta Idade Média.

Uma das contribuições do artigo para a área de pesquisa em História e consequentemente, para a sociedade em geral é a democratização do acesso aos dados de uma pesquisa historiográfica e o compartilhamento de fontes, promovidos pelo uso de ferramentas da Ciência de Dados na investigação histórica. Ao desenvolver instrumentos reutilizáveis, como o banco de dados, o programa PaupeR e o repositório público, os autores não apenas oferecem suporte para novas pesquisas, mas também promovem o acesso aberto ao conhecimento, alinhando-se aos princípios de uma ciência aberta.

Essa abordagem reinterpreta os paradigmas convencionais ao propor que a História também pode ser tratada como Ciência de Dados, capaz de lidar com grandes volumes de informação e de revelar padrões antes invisíveis. Com isso, a pesquisa evidencia que a digitalização das fontes, aliada ao uso de tecnologias informáticas, permite o surgimento de novas interpretações sobre questões complexas, consolidando-se como um marco importante no tópico da História Digital.

O artigo destaca-se pelo manejo das fontes históricas, tratadas como dados que possibilitam um mapeamento sistemático. Esse procedimento não apenas organiza e amplia o acesso às informações, mas também, ao facilitar a pesquisa de um único historiador, permite que outros/as pesquisadores/as também usufruam desse método, ampliando as possibilidades de pesquisa de uma mesma área. No entanto, essa proposta também impõe desafios importantes, como a necessidade de formação técnica em linguagens de programação, à qual o/a historiador/a está sujeito a buscar pelas próprias mudanças da atualidade que irão respingar no seu trabalho.

O dossiê, ao reunir esses estudos, esclarece que a história digital é um campo em expansão, que combina inovação técnica e reflexão crítica. Por outro lado, as autoras ressaltam que essa transformação também traz desafios: a necessidade de formação técnica dos pesquisadores, a dependência de financiamento para manter plataformas digitais e o risco de aprofundar desigualdades de acesso.

Assim, a integração entre História e tecnologia deve ser fundamentada, como no trabalho de Silva e Diniz, e acompanhada por uma reflexão ética e política sobre quem tem acesso a essas ferramentas e como elas podem ser utilizadas para democratizar, e não restringir, o conhecimento histórico.

Para o futuro, o artigo publicado na Varia Historia projeta a ampliação de seu escopo para outros temas e períodos, além do aperfeiçoamento do programa PaupeR, tornando-o ainda mais acessível e funcional. Dessa forma, espera-se que a História Digital continue expandindo seu potencial como campo metodológico, incorporando novas ferramentas, conjuntos de dados e perspectivas interdisciplinares.

Nesse horizonte, despontam possibilidades de abordagens colaborativas cada vez mais capazes de transformar o modo como pesquisamos, interpretamos e compartilhamos o conhecimento histórico. Assim, abre-se um caminho promissor para que a História Digital avance como campo metodológico, promovendo novas abordagens colaborativas e interdisciplinares.

Para ler o dossiê temático acesse

PEREIRA, M.C.C.L. and JOYE, S. História conectada: inovações digitais na produção de conhecimento histórico. Varia Historia. 2025, vol. 41, e25032 [viewed 11 December 2025]. https://doi.org/10.1590/0104-87752025v41e25032. Available from: https://www.scielo.br/j/vh/a/gqqYzpFMJR5SdJFh3VGJqWD/

Para ler o artigo, acesse

RIBEIRO DA SILVA, T.J. and DINIZ, M.A. História Medieval e Ciência de Dados: A inovação na produção de conhecimento histórico auxiliada pelas tecnologias da informação. Varia Historia [online]. 2025, vol. 41, e25003 [viewed 11 December 2025]. https://doi.org/10.1590/0104-87752025v41e25003. Available from: https://www.scielo.br/j/vh/a/N6d6msRSg8X7CbhvJT9BFmL/

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

COSTA, C. O que a Linguagem sobre a Pobreza Medieval revela à Pesquisa Histórica [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2025 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2025/12/11/o-que-a-linguagem-sobre-a-pobreza-medieval-revela-a-pesquisa-historica/

 

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