A resistência cultural e histórica das mulheres africanas

Eduardo Rocha, jornalista, Belém-PA, Brasil.

Logo do periódico Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas.

O artigo de Liliana Parra-Valencia, intitulado Mulheres e artes: força espiritual e sabedoria ancestral africana, publicado no periódico Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, vol. 18, no. 2 (2023), expõe e referenda, com riqueza de detalhes, os sentidos da figura feminina na cultura de povos e dados acerca da relação da mulher com a fertilidade, a maternidade e a espiritualidade. 

Em contraposição ao patriarcalismo, entendido como um sistema articulado ao capitalismo, o colonialismo e o racismo, Parra-Valencia demonstra como a construção eurocêntrica está distante da compreensão do feminino em diversas culturas africanas. Nelas, a mulher aparece expressamente relacionada à vida, à vida em sociedade, ou seja, à fertilidade, maternidade e espiritualidade (vida-morte-vida). Na mitologia iorubá, por exemplo, a força feminina está presente na criação do universo.

A partir da análise, particularmente, de obras de arte, a autora promove um debate, sempre atual, acerca do desconhecimento de culturas únicas, abordando os significados das pombagiras da religiosidade afro-brasileira da umbanda e do candomblé, elementos de questionamento, preconceitos e estereótipos do feminino, de acordo com a moral ocidental.

Parra-Valencia explica que “as obras de arte são uma forma de nos aproximarmos do lugar da mulher nas cosmogonias africanas, a partir de uma perspectiva decolonial”. Assim, entre outros exemplos, a pesquisadora mostra que divindades femininas estão atreladas à água na cosmogonia africana. Nas culturas Ambo e Nyaneka, as bonecas são vistas como futuros filhos, e, então, precisam ser cuidadosa e prioritariamente preservadas por meninas. Até porque o direito à posse da boneca (símbolo de proteção aos descendentes da família) era herdado no sistema matrilinear.

Para ressaltar a relação entre as mulheres e a ancestralidade e espiritualidade, pode-se observar a figura de um banco de madeira, do povo Songo, na província de Malange, em Angola, de uma mulher sentada cujos órgãos genitais tocam a terra. Dessa forma, ela está conectada com a terra e o subsolo, simbolicamente associado ao local onde residem os ancestrais. 

Imagem de uma escultura do Museu Nacional de Etnologia de Lisboa.

Banco real. Songo, Angola. Arte de los Tchokwe y pueblos emparentados. Museu Nacional de Etnologia, Lisboa. Número de Inventário: 06172 TC. Altura 34,5 cm. Madeira. Imagem: José Pessoa, 1993.

Outras leituras

A mais recente edição da revista traz também artigos sobre a ciência indígena Guarani-Kaiowá em Memórias bioculturais dos Guarani-Kaiowá sobre a floresta e os seres que a coabitam: ecologia cosmopolítica na perspectiva da etnoconservação, de autoria de Sônia Pavão e Laura Gisloti. Bebidas fermentadas brasileiras: considerações histórico-semânticas sobre aluás, de Gabriel Gurián, é outra contribuição, e trata das bebidas fermentadas produzidas a partir do milho, do arroz ou do abacaxi, que, em seus sabor e modos de preparo distintos, entraram para o cardápio nacional histórico sob um mesmo nome: aluá. 

Já Noemi Porro e seus coautores escrevem o artigo intitulado “A ‘mãe palmeira’ ante a privatização de terras sob uso comum: desafios para a conservação do babaçu por quilombolas no vale do Mearim, Brasil”, onde expõem as relações e os significados construídos a partir dessa palmeira, conhecida como ‘mãe do povo’, em territórios tradicionais, como quilombos no Vale do Mearim, no Maranhão. 

Na seção Memória, Felipe Milanez apresenta a resistência histórica de sujeitos de lutas coletivas em conflitos fundiários na Amazônia brasileira, centrado nos defensores ambientais José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, assassinados em 2011. Para o autor de Ousadia e luta: o pensamento de defensores da floresta na Amazônia, “a coragem de agir diante do terror impulsiona a formação de sujeitos na luta coletiva pela floresta e pela vida”.

Capa da última edição do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas mostrando a Casa de Yemanyá, em Salvador, Bahia, Brasil.

Capa da última edição do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas traz a Casa de Yemanyá, em Salvador, Bahia, Brasil. Imagem: Liliana Parra-Valencia (2019).

Referências

GURIAN, G.F. Bebidas fermentadas brasileiras: considerações histórico-semânticas sobre aluás. Boletim Do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas [online]. 2023, vol. 18, no. 2, e20220087 [viewed 24 August 2023]. DOI: https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2022-0087. Available from: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/3RRfgS4pb7tq64Gmzmb4nCk/

MILANEZ, F. Ousadia e luta: o pensamento de defensores da floresta na Amazônia. Boletim Do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas [online]. 2023, vol. 18, no. 2, e20220037 [viewed 24 August 2023]. DOI: https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2022-0037. Available from: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/FvgdZyrk93SkqSqBWh5zdVw/   

PAVÃO, S. and GISLOSTI, L.J. Memórias bioculturais dos Guarani-Kaiowá sobre a floresta e os seres que a coabitam: ecologia cosmopolítica na perspectiva da etnoconservação. Boletim Do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas [online]. 2023, vol. 18, no. 2, e20220006 [viewed 24 August 2023]. DOI: https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2022-0006. Available from:  https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/SMYVk4RwKVLWm6vRTHbVWVr/ 

PORRO, N.S.M., et. al. A ‘mãe palmeira’ ante a privatização de terras sob uso comum: desafios para a conservação do babaçu por quilombolas no vale do Mearim, Brasil. Boletim Do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas [online]. 2023, vol. 18, no. 2, e20220047 [viewed 24 August 2023]. DOI: https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2022-0047. Available from: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/vDzmyGdRFrpdmby4zL4yyXn/

Para ler o artigo, acesse

PARRA-VALENCIA, L. Mujeres y artes: fuerza espiritual y sabiduría ancestral africana Women and arts: spiritual force and ancestral African wisdom. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum [online]. 2023, vol. 18, no. 2, e20230008 [viewed 24 August 2023]. DOI: https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0008. Available from: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/qqJDnSRGWGCNHy6NZTPQKCy/?lang=es 

Links externos

Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas – BGOELDI: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/

Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas – Facebook: http://www.facebook.com/boletimgoeldiCH

Última edição do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas – http://editora.museu-goeldi.br/humanas/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

ROCHA, E. A resistência cultural e histórica das mulheres africanas [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/08/24/a-resistencia-cultural-e-historica-das-mulheres-africanas/

 

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