Entrevista com Ian Jarvie

Ian Jarvie

Ian Jarvie

Por Francisco Osorio
(fosorio@u.uchile.cl)
Universidade do Chile, Faculdade de Ciências Sociais

Ian Jarvie, editor: uma entrevista sobre publicação científica, filosofia e ciências sociais

Ian Jarvie é um conhecido filósofo da Universidade de York, em Toronto. No entanto, esta entrevista será sobre publicação científica, filosofia e ciências sociais, referindo-se à sua função de editor do periódico Philosophy of the Social Sciences (Filosofia das Ciências sociais – PoSS). Esta conversa foi estabelecida por e-mail devido a um convite a Ian Jarvie para palestrar em uma conferência em Santiago para editores de periódicos patrocinados pela Comissão Chilena de Ciências e Tecnologia, que ocorreu em dezembro de 2013. O periódico latino-americano Cinta de Moebio foi o principal interlocutor neste projeto, devido ao seu interesse em epistemologia das ciências sociais, e estava ansioso por conhecer a experiência de Jarvie na direção da PoSS.

1. Poderia começar perguntando como você acabou sendo o editor executivo do PoSS nos anos setenta?

Meu falecido colega de York, John O. Wisdom (que também conheci no LSE – London School of Economics and Political Science, onde ele tinha sido editor do The British Journal for the Philosophy of Science), propôs que estabelecêssemos um Instituto de Filosofia das Ciências Sociais e um periódico associado. Isso em 1968 ou 1969. Ele organizou diversas reuniões com cientistas sociais e filósofos com os mesmos ideais e, eventualmente, fez uma proposta ao Reitor da Universidade, que disse que o orçamento estava apertado e um Instituto seria caro demais. Um periódico, no entanto, era uma ideia excelente e ele estava disposto a oferecer dinheiro para iniciar o projeto. Eu, Wisdom, John O’Neill e Harold Kaplan, um Cientista Político, fomos escolhidos para gerir como Editores e eu fui escolhido como o responsável pela coordenação e gestão. Minha função original era “Secretário de Redação”. Wisdom notou a possibilidade de consolidar uma especialidade filosófica emergente como foi feito na geração anterior com os periódicos Philosophy of Science e, mais tarde, The British Journal for the Philosophy of Science. Desde o princípio, ele queria que o periódico fosse um ponto de encontro de filósofos da ciência e cientistas sociais. Ele também queria que dialogássemos entre diversos grupos e escolas (vide a declaração de objetivos esboçados por ele nos primeiros números). Os editores eram dois cientistas sociais e dois filósofos. Encontramos uma editora que aceitou publicar o periódico (Aberdeen University Press) e nossos subsídios eram suficientes para vários anos.  Colocamos anúncios em jornais e o restante da história pode ser encontrado na internet no arquivo de publicações passadas. As condições sociais e institucionais que permitiram esse desenvolvimento foram da York que, desde de sua fundação (em 1959), concentrou-se em ciências sociais e humanas e tem sido estruturada para nutrir a interdisciplinaridade. Foram essas características que atraíram os editores à universidade. 

2.  Há diversas questões interessantes que poderiam se seguir. A primeira é sobre comparações entre publicação naquela época e as tendências atuais. A outra é sobre o que você pensa sobre seu papel como editor nos anos setenta e hoje em dia. O que me interessa nesta conversa é a sua experiência, porque você liderou e testemunhou as transformações da comunicação acadêmica no mundo interdisciplinar da filosofia e ciência social.

Comecemos com o passado. Eu me via mais coordenando – mas às vezes iniciando – tentativas de criar diálogos interdisciplinares. Os currículos dos editores incluíam interdisciplinaridade.  Wisdom trabalhou com psicologia, O’Neill com sociologia, Kaplan com ciência política e eu tive publicações de antropologia social. Pensávamos que havia boa e má filosofia relacionada com as ciências sociais; e que elas tinham críticas interessantes do positivismo e do individualismo, basicamente tomado como certos pela filosofia. Wisdom tinha um passado na filosofia de ciências naturais e matemática.  John O’Neill fora supervisionado pelo Marxista Baran e traduziu algumas obras de Merleau-Ponty. Eu, claro, fui instruído por Popper. Naquela época, e até hoje, o modelo característico de misturar filosofia e ciências sociais foi a do cientista social que adota uma filosofia (Marxismo, fenomenologia, positivismo, Wittgenstein, Popper, realismo crítico) e, então, “a aplica” ao seu projeto. Conceitos eram simplesmente importados e operacionalizados e, ao jargão existente, era dado um novo significado.  Esperava-se que a “primeira filosofia” deveria esclarecer os problemas da sociedade considerados insolúveis. Nós, como editores, vimos que exercícios como esses pertenciam à oralidade e estavam no caminho errado. O propósito da filosofia não era “ajeitar” as confusões das ciências sociais. Antes, o modelo que preferíamos lidava com discussões de pressupostos e alternativas como problemas filosóficos, que surgiam de problemas primariamente das ciências.  A filosofia era apenas uma discussão racional de tais problemas, usando qualquer método disponível. Os compromissos da filosofia social sempre estavam implícitos no plano de fundo. A resistência ao individualismo metodológico, por exemplo, geralmente vinha de um compromisso com o holismo de Marx ou Durkheim; e a adoção de tais posições, por sua vez, tinha a ver com ser visto como radical ou alternativas necessárias para condições sociais atuais e até mesmo normas. Outro modelo característico era a utilização da filosofia como arma cética contra a mera possibilidade de pôr em prática as ciências sociais. Quando o PoSS foi fundado, havia muitas discussões turbulentas sobre a declaração de Peter Winch que a obra de Wittgenstein punha de lado e impossibilitava qualquer ciência da sociedade, tal como o previsto por Mill, ou Durkheim ou Weber.  De uma outra fonte, aqueles influenciados pela fenomenologia declaravam a impossibilidade da existência de ciências sociais “positivistas”, como o previsto por Mill ou Durkheim, levando em conta a definição de sociedade como um exercício interpretativo. Essas declarações céticas supunham uma articulação rigorosa e uma discussão robusta que usavam argumentos válidos, incluindo argumentos empíricos. Pensávamos no PoSS como um local onde tais debates pudessem florescer.  Wisdom e eu pensávamos, certamente, que a filosofia de Popper era uma forma de trabalho ideal para legitimas trocas dialógicas. É difícil avaliar o quanto fomos bem sucedidos.  Qual critério de avaliação usaríamos? Alguns diálogos não foram possíveis, mas, igualmente, posições opostas foram expostas mais claramente evitando confronto direto. As declarações mais claras foram basicamente resultantes de processos de moderação. Com a exceção de alguns números especiais, dependíamos do que nos era enviado. Talvez acreditar no diálogo produtivo fosse ingênuo. Se olhássemos em outras áreas ativas, como os debates sobre Winch, sobre individualismo metodológico, sobre a Teoria Crítica da Sociedade, a trajetória observada é que protagonistas desenvolvem e mantêm suas posições, mas, ainda assim, são alcançados consensos em relação ao que é interessante e produtivo. Os interesses mudaram. Racionalistas podem até esperar que isso ocorra devido a considerações argumentativas; nós tememos que seja uma mudança de moda. Artigos de acadêmicos mais jovens refletem onde eles e seus supervisores supõem que está o foco, ou para onde ele está indo.  Tais questões, portanto, foram solucionadas. Mesmo se uma pessoa discordar de tal consenso, deve-se notar que é deste modo que se age no mundo acadêmico. Agora, permita-me focar nas diferenças das publicações acadêmicas NAQUELA ÉPOCA (anos setenta), comparadas com as de AGORA. Primeiramente, a filosofia das ciências sociais era um nicho, um campo muito pequeno. Agora, se contarmos economia, teorias dos jogos e de escolhas racionais, foi consideravelmente expandida e subdividida. Além disso, era um campo emergente do colapso do positivismo lógico como uma revolução falha na filosofia. Alguns filósofos estavam modificando o programa para salvar o que podiam; alguns tinham uma forte atitude anticiência, tentando resolver as implicações. Por fim, todas as publicações eram impressas: ninguém imaginava a existência da revolução digital, não. Isso significava que o processo de publicação era muito lento. Os manuscritos eram enviados junto com a um questionário bem detalhado, em uma semana ou duas para moderadores que tinham de 6 a 8 semanas para responder. Demorou para que se criasse um banco de moderadores dispostos a avaliar os artigos de qualidade variável para o novo periódico sem uma recompensa tangível. Alguns estavam dispostos a arbitrar, mas não de fazer um julgamento fundamentado. Wisdom, que desenvolveu nosso sistema de moderação, insistiu para que déssemos razões para aceitação ou rejeição, bem como, obviamente, para a melhoria de meios especificáveis.  Portanto, muitos acadêmicos receberam feedback gratuito de nossos valorosos voluntários, quer tenham ou não uma obra publicada no processo. AGORA a filosofia das ciências sociais está bem estabelecida e apoiada por periódicos rivais e alternativos. É como se fosse discutida mais abertamente fora da América do Norte que dentro. É dificilmente marcada pelas consequências do positivismo lógico e, quando é, consiste em sua forma menos interessante. Talvez a venda de nosso periódico à Sage Journals foi um sinal de nosso sucesso na institucionalização do assunto: somos parte de um empreendimento editorial acadêmico lucrativo que monitora nossa performance de perto, ao qual, presumivelmente, somos reféns. Coincidindo com essa mudança, veio o aumento de instituições que facilitam o diálogo cara a cara, especialmente a Roundtable (original de St. Louis), fonte de artigos de cada edição de março e, mais recentemente, a ENPOSS, que traz o ativo cenário Europeu, e é fonte dos artigos das edições de setembro. E, finalmente, a mudança do meio impresso para o digital. Isso foi alcançado com poucos problemas graves, provavelmente, porque os designers de software já tinham tentado suas ideias em outros empreendimentos. Toda a nossa lista de moderadores foi incorporada na administração do site, todos os artigos enviados estavam online e todo o arquivo do periódico foi digitalizado para que pudesse ser localizado instantaneamente. É uma questão de tempo, na minha opinião, para que os periódicos impressos (?) desapareçam enquanto os leitores aumentam em número.

3. Antes de voltar às editoras, permita-me voltar um pouco ao seu papel como editor. Talvez, entender a forma como a filosofia e as ciências sociais se relacionam (seja sob a forma de colaboração ou de completos mal-entendidos) é, hoje, o papel do editor. Isso não mudou em sua essência. O que vejo como o seu papel é promover debates, deixar que os argumentos sejam apresentados e discutidos e, talvez, direcioná-los de algum modo (se isso é alcançado ou não, é outra história). Então, minha pergunta é se o papel do editor continua, de alguma forma, sendo o mesmo, enquanto o das publicações se desenvolveu tão rápido em tantas direções diferentes.

Sua pergunta é um pouco complicada. Devemos levar sempre em consideração que o papel do editor é de apoio, e não de liderança. Muitos periódicos trocam de editores de tempos em tempos. Naturalmente, os novos editores costumam tentar melhorar a eficiência e o formato do periódico de algum modo, contudo, existem limitações institucionais para isso, além das questões de integridade intelectual. Normalmente, o editor do periódico não tenta imprimir nele sua personalidade da mesma forma que fazem os editores de um jornal ou revista. Ele não costuma receber um salário razoável para viver bem. Na realidade, ele assume a tarefa pela pura realização de servir a uma comunidade intelectual e às suas produções. Fazer escolhas, fiscalizar os padrões e controlar os acessos são alguns dos critérios. Fomentar discussões críticas sempre foi meu objetivo ao escolher tais padrões e persistir neles. Naturalmente, sendo uma pessoa interdisciplinar, adequei-me bem ao periódico. Apesar de o PoSS ser mais aberto do que outros em serviço do Racionalismo Crítico ou com nuances Popperianas, nunca tentamos trazer a disciplina para o nosso lado, pois acreditamos que o engajamento e os debates são mais importantes. Assim, incentivamos debates sobre Winch e sua antifilosofia Wittgensteiniana das ciências sociais. Estimulamos os debates sobre as teorias Críticas. Discutimos livros importantes, como a teoria social da filosofia de Collins e a teoria do mundo social de Searle. Enquanto as discussões persistirem e nenhum ponto de vista razoável for ignorado, consideramo-nos bem-sucedidos. Essa liderança proporcionada pelo cargo de editor permite que isso aconteça. Em minhas produções, tentei advogar em favor do Racionalismo Crítico com um sucesso limitado, na melhor das hipóteses. Em relação às mudanças nas publicações e seus efeitos no papel editorial, o resultado de todas essas mudanças de hoje em dia não estão claros. As instituições, como os periódicos, estão se renovando para a era digital, mas isso está mais relacionado aos meios e não aos fins. Antes da existência dos periódicos, instituíam-se correspondências entre os cientistas. Os periódicos coexistiram com elas e tiraram vantagem do impacto dos emails. Digitalizar os arquivos da ciência é um grande feito e uma ótima fonte. Mesmo que os periódicos impressos desapareçam, esses são apenas a “casa” dessas instituições intelectuais, mas a instituição em si é necessária à ciência e, portanto, continuará existindo sob outra forma. Atualmente, os periódicos online são um acervo misturado. Meu palpite é que os periódicos vinculados a comunidades científicas ou universidades continuarão a dominar, pois as decisões de contratação e os mandatos ainda precisam de avaliações, e as avaliações demandam padrões. As universidades e comunidades científicas são os estandartes dos padrões. Os periódicos que tiverem fins lucrativos ou que tiverem publicações independentes ficam sujeitos a suspeitas em relação aos padrões acadêmicos. Fraudes e plágios são grandes tentações, que são facilitadas devido às publicações na internet e, simplesmente, retirar essas publicações não será suficiente para recuperar a credibilidade. Recentemente, ficamos sabendo de plagiadores e fraudadores que perderam os incentivos financeiros e os empregos. Alguns governos consideram que, se houver mau uso do dinheiro público, essa fraude constitui um crime. Desse modo, entendemos a confiabilidade passada por instituições consolidadas: universidades, sociedades científicas, governos, leis. Uma das dificuldades que vejo é que as editoras naturalmente ficam do olho no resultado líquido. Um periódico como o nosso, que é de nicho, que serve a uma subespecialidade (filosofia das ciências sociais) de uma especialidade (filosofia da ciência) de temas de ciências não naturais (humanidades; ciências sociais), não tem como visar uma circulação muito alta, mesmo online. Se e como esse tipo de periódico irá sobreviver, é pura especulação. Algumas editoras buscam mais lucro do que outras. As editoras de periódicos de nicho, como a PoSS, administram um orçamento pequeno. A digitalização torna uma parte do trabalho muito mais fácil, além de ser muito vantajosa para os acadêmicos que não estão em grandes centros (eles conseguem se manter em contato e buscar uma exposição mais ampla). Uma grande parte também depende de manter a comunicação acadêmica eletrônica simples e sem entraves.

4. Estou tentado a ingressar no campo digital e suas consequências, mas, antes disso, permita-me fazer-lhe uma pergunta como um filósofo. Na sua visão, quais são os problemas que você observa na filosofia atual das ciências sociais? Estou tentando imaginar como seria a PoSS se ela fosse criada em 2013. Imagino que o positivismo lógico não seria um tema principal (não estou dizendo que não seja importante), mas, talvez, haja outros assuntos sobre os quais os filósofos e cientistas sociais estejam tentando refletir.

O principal problema da filosofia das ciências sociais na atualidade é o conflito entre os métodos empíricos e a priori. Aqueles que estão do lado da filosofia científica desejam avaliar as ciências sociais para o novo conhecimento desenvolvido. Já os do campo do a priori desejam buscar um entendimento mais profundo da vida social partindo de reflexões e análises, e não de pesquisas empíricas. Os filósofos analíticos das ciências sociais, que hoje são a maioria, tentam misturar clareza e rigor com os métodos a priori. Até certo ponto, eles se dividem entre os naturalistas, que podemos ver como os descendentes do positivismo e os convencionalistas e intencionalistas antinaturalistas. A ciência social dominante é a economia e suas diversas aplicações e variações. A economia também visa explicar as coisas e auxiliar nas políticas. Ela contém elementos a priori, mas também há fortes alegações empíricas que parecem poder ser testadas. Isso leva a uma grande produção de literatura e periódicos especializados. Nós não focaríamos nisso se o periódico tivesse sido fundado hoje, pois há muito material e muita concorrência. O Philosophy of Social Sciences pincela os desenvolvimentos feitos nesse campo, mas raramente dá lugar aos maiores debates. Isso ocorre porque o periódico é voltado para a sociologia, a antropologia e a ciência política. A história, a geografia e a economia têm seus próprios periódicos e, portanto, suas respectivas filosofias. Publicamos os eventuais desdobramentos e repercussões sobre esses assuntos. Uma forma de caracterizá-los seria dizer que somos o periódico de escolha para as mais gerais das questões, metodológicas, históricas e metafísicas. Os autores que desejarem verificar os pressupostos do pensamento atual em um campo terão em nós o periódico escolhido. Assim, publicamos os trabalhos desenvolvidos por realistas críticos que combinam a crítica metafísica e metafórica da ciência social contemporânea. Publicamos racionalistas críticos que conduzem campanhas para tornar as ciências sociais mais abertas à falseabilidade e menos em busca de justificações. Ocasionalmente, publicamos as críticas ferrenhas dos Wittgensteinianos, que fazem tipos específicos de críticas a priori da ciência social. A discussão imensa e contínua sobre intenções coletivas e coletividades, normalmente, suscitadas a partir do trabalho de Gilbert, Tuomela, Searle e de muitos outros filósofos menos imponentes, é parcialmente conduzida em nossas páginas. Essa discussão é, simultaneamente, metafísica e metodológica e já substituiu debates holísticos/individualistas mais antigos. A redução, emergência e influência do Darwinismo nas ciências sociais são discutidas de maneira intensa. Existem outras questões, mas tenho a impressão de que a questão central é em relação à verdade. O pragmatismo americano influenciou muito na Europa e os realistas, tanto os críticos quanto os racionalistas críticos, tentam fazê-lo retroceder. Essa pauta remete a Popper que via o convencionalismo pragmático como algo que soava lógico, mas ainda assim era insatisfatório. Sem nem mesmo saber que essa pauta remete a Popper, muitos acadêmicos a tomam como sua problemática de conhecimento. Naturalmente, outros assuntos aparecem em nossas páginas, incluindo discussões animadas sobre as últimas intervenções nos livros e/ou artigos. A filosofia das ciências sociais, enquanto tema, é muito mais dispersa e ativa do que há 40 anos, e, apesar da mudança da problemática, existem relações de descendência e sobreposição entre então e agora. Em resumo, servimos a um campo maior e mais ramificado do que quando começamos e como os periódicos como os nossos fazem, mas cobrimos apenas uma parte disso. Se começássemos hoje, teríamos ambições e coberturas mais modestas.

5. Deixe-me relacionar seu argumento – de que a filosofia das ciências sociais nos dias de hoje é muito ativa e dispersa – a duas ideias. Primeiro, as tendências atuais das universidades (equipe em regime de meio período, pressão por publicações, falta de financiamento, rankings etc.). Segundo, as tendências atuais da publicação digital (acesso livre, blogs, periódicos online, Internet, Facebook, Twitter etc.). Não estou sugerindo um relacionamento casual, mas gostaria de saber seu posicionamento quanto ao papel do editor frente às tendências das universidades contemporâneas e das novas tecnologias de informação e comunicação e publicações digitais.

A primeira questão, quanto às tendências de universidades, refere-se à política; a segunda, a digitalização, à tecnologia. Sem dúvidas, há uma oportunidade de explorar mudanças tecnológicas por razões políticas. Embora a economia mundial esteja afluente de um modo sem precedentes, os governos sentem a necessidade de declarar que estão “economizando”. A implementação de tecnologias quase sempre tem o respaldo de tais declarações, vide as universidades virtuais (“educação à distância”). Em contraste, quando a questão da filosofia das ciências sociais surgiu (década de 40), a situação política era favorável à engenharia social. Portanto, tanto a filosofia quanto as ciências sociais foram levadas a sério e utilizadas como precursoras para a reforma e expansão educacional e para o desenvolvimento do estado protecionista. Nosso periódico, Philosophy of the Social Sciences, foi fundado por acadêmicos que eram a favor da, assim chamada, filosofia científica; em outras palavras, eram a favor da separação e crescimento contínuo com a iniciativa científica. Naquele momento, teríamos considerado a economia como parte do consenso sobre reforma e engenharia social. É impressionante o quanto a situação mudou de modo quase imperceptível. A economia, a maior e mais respeitada ciência social, mudou sua posição quanto ao espectro político de intervenção e tecnologia (Keynesianismo) em direção à pregação do neoliberalismo, ou seja, intervenção mínima e instituição de competição mercadológica sempre que possível. Alguns economistas resistiram, evidentemente. Porém, o que realmente importa é que, no mesmo período, a sociologia, antropologia e geografia tornaram-se mais radicais e afastaram-se da economia de modo intenso, quando se esperava o contrário. Fica a cargo dos historiadores decidir se essa mudança e, de fato, separação das ciências sociais, são os resultantes ou os resultados das mudanças no vasto campo da política. Certamente, tais mudanças políticas nas ciências sociais ocorriam muito antes da queda do Muro de Berlim e o término oficial da Guerra Fria. No entendimento da academia, o neoliberalismo favorece a mudança radical de financiamentos e estruturas para que a educação superior torne-se um risco de investimento aos indivíduos que se beneficiam, ao invés da sociedade que beneficia. O conceito ultrapassado de que a educação por si só é ótima e, portanto, quanto mais educada for uma população, melhor (J. S. Mill), tem sido analisado com base no custo-benefício, com o intuito de sugerir-se o contrário. É evidente que modelos anteriores de educação superior eram dirigistas, ao invés de orientados pelo mercado. As universidades, que já foram instituições extremamente conservadoras, tornaram-se, na era da expansão, estandartes da esquerda. Ao mesmo tempo, tais estandartes da esquerda resistiram a mudanças na academia, incluindo aquelas que questionaram o valor da educação das ciências sociais e humanas, assim como aquelas que questionaram promoções oferecidas com base em pesquisas, e os respectivos privilégios, quando da efetivação. Mesmo assim, nosso campo, a filosofia das ciências sociais, cresce. De certo modo, isso se deve à expansão da própria educação superior, como consequência da globalização. Uma característica muito conhecida da globalização é o entrincheiramento, nos negócios, como no contexto acadêmico, da língua inglesa como lingua franca. Portanto, embora a filosofia das ciências sociais, em determinado momento, tenha sido uma iniciativa anglo-americana, atualmente, é uma empresa global que tem vigorosas contribuições da Escandinávia, Ásia e Europa Continental. Nesse ponto, a América do Sul fica um pouco atrás, embora haja sinais de que isso irá mudar. Mesmo quando o debate sobre a filosofia das ciências sociais se torna acadêmico, há uma esperança de que assuntos socialmente relevantes estejam em questão. A academia pode estar na vanguarda, esperando que a tendência neoliberalista seja recusada. Os desafios tecnológicos nas práticas de publicação são outra questão. Possivelmente, estamos diante do desaparecimento gradativo do modelo dos periódicos impressos, que vem sendo utilizado desde o século XIX. A digitalização dos periódicos conhecidos já facilita muito o processo de pesquisa, ao mesmo tempo em que gera várias medidas numéricas falsas sobre possíveis “impactos”. O periódico que edito possui uma base muito pequena de assinantes de cópias impressas, porém esse número é significantemente maior para assinaturas digitais de pacotes de periódicos. Dessa forma, a digitalização nos proporciona um público maior, ao mesmo tempo em que o uso difundido do inglês como linguagem acadêmica nos leva a uma maior variedade de contribuintes. Os baixos orçamentos e a falta de posições permanentes não afetam muito. Mesmo no início do periódico, em 1970, recebíamos manuscritos de acadêmicos que ainda estavam em cursos stricto e lato sensu. Ou seja, os alunos já tinham a consciência da necessidade de desenvolver seus currículos antes de entrarem no mercado de trabalho, e não somente enquanto estivessem em estágio probatório.  Nesse contexto, o papel do editor está mais para observador do que participante.  Normalmente, o editor é um acadêmico sênior e, portanto, possui uma posição permanente, e não temporária. Ter uma posição editorial é uma questão de status, porém seus poderes são restritos. O editor não possui influência sobre a formação e financiamento de instituições acadêmicas. Assim como os periódicos, meu papel editorial está intrinsecamente ligado às instituições acadêmicas. A maioria dos periódicos é publicada por empresas comerciais, mesmo quando são editoras “universitárias” e, com exceção de onde há um órgão patrocinador de grande porte, a maioria das decisões sobre sua manutenção e adaptação a tecnologias são tomadas por tais empresas de publicação. Nossa transição de trabalhos impressos para virtuais, por exemplo, foi totalmente executada por nosso editor, Sage. Essa transição nos trouxe muitos benefícios, mas ela foi anunciada, e não discutida. Portanto, um editor sente-se obrigado a focar-se nos padrões e outros valores acadêmicos e encontrar maneiras de garanti-las em um ambiente tecnológico que está em constante alteração. Até o momento, os periódicos existentes fizeram um bom trabalho. A aparência dos periódicos empresariais, feitos com baixo custo e visando lucros, é outro assunto. Enquanto os acadêmicos não começarem a levá-los a sério, eles não apresentarão ameaças. Isso tornará fundamental o papel dos comitês de efetivação e conselhos de alunos de pós-graduação. O primeiro precisa ser muito claro sobre as publicações digitais que necessitam de padronização e, o segundo, alertar pós-graduandos quanto à existência de periódicos que aparentam ser algo que não são. De modo geral, quanto mais publicações online forem possíveis, melhor, por tratar-se de uma área comum àqueles que estão dedicados ao diálogo. A liberdade de expressão existe, teoricamente, em todos os lugares (na prática, é outra história). No entanto, a internet é indisciplinada, o que é bom em termos de expressão, mas nem tanto em termos de padrões. A ciência e os estudos acadêmicos são áreas que necessitam de padrões, para que sempre tenham uma posição privilegiada na arena de publicação. Os periódicos são como laboratórios, experimentos e conferências: essenciais para o criticismo intersubjetivo que estimula a ciência. Sendo assim, eles são presença permanente, porém sofrem muitas transformações.

Link relacionado

Cinta de Moebio

http://www.facso.uchile.cl/publicaciones/moebio/ ou http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_serial&pid=0717-554X&lng=pt&nrm=iso

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

Entrevista com Ian Jarvie [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2013 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2013/12/18/entrevista-com-ian-jarvie/

 

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