A escola como organização ideológica e falaciosa neutralidade do Projeto de Lei “Escola sem Partido”

Caroline Bastos Capaverde, Doutoranda em Administração na Universidade Federal do Rio Grade do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

Bruno de Souza Lessa, Doutorando em Administração na Universidade Federal do Rio Grade do Sul, Porto Alegre RS, Brasil

Fernando Dias Lopes, Professor Adjunto na Universidade Federal do Rio Grade do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

Fonte: https://jornalggn.com.br/noticia/escola-sem-censura-contra-o-cerceamento-da-sem-partido

No ensaio teórico intitulado “Escola sem Partido” para quem?”, publicado no periódico Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação (v. 27, n. 102), os autores se opõem à ideia de que o Projeto de Lei (PL) denominado popularmente de “Escola sem Partido” combateria de fato uma determinada forma de assédio ideológico impetrado nas escolas pelos professores. Primeiramente, questionamos a compreensão de ideologia apresentada no texto do PL, amalgamada em torno de uma ideia de neutralidade inalcançável tanto no sistema formal de ensino quanto no próprio mundo social.

Lastreados pelos escritos de Maurício Tragtenberg (1978, 2006), sustentamos que as escolas, como organizações parte de um corpo burocrático estatal, não estão livres de ideologias nem poderiam ser neutras.  Por outro lado, o PL, soçobrado em contradições, se apresenta favorável a uma educação livre, dentre outros, da chamada “ideologia de gênero”; o que, por si só, se engendra numa tentativa de inculcação de um determinado conteúdo que é flagrantemente ideológico.

Em um segundo movimento teórico, sustentamos, a partir da teoria do Estado de Pierre Bourdieu (2014), que essa confluência de lutas e forças em torno do sistema formal de ensino é, também, resultado da disputa permanente de grupos dominantes e dominados, seja pela manutenção seja pela subversão da ordem social. Na esteira deste pensamento, interpretamos que o PL “Escola sem Partido” não é neutro, mas uma tentativa patente de manutenção reacionária de uma determinada ordem societária.

Por fim, defendemos que o PL “Escola sem Partido” representa, na cotidianidade da prática docente, um retrocesso, pois confronta propostas educacionais emancipatórias. Propostas que visam a promover a autonomia e a liberdade de pensamento, para se efetivar, precisam dotar os indivíduos do entendimento sobre as mais variadas orientações sexuais, de gênero e de sexualidade, dentre vários outros. Para tanto, um projeto emancipatório efetivamente comprometido com o desenvolvimento da educação nacional não deveria se dispor a criminalizar docentes por reverberarem temas – como a diversidade – intrínsecos à condição humana contemporânea. Do que precisamos? No caminho oposto, nossa prática deve incentivar este debate, tornando-o mais plural e consistente.

Referências

BOURDIEU, P. Sobre o estado: cursos no Collège de France (1989-1992). São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

Projeto de Lei do Senado n° 193, de 2016, inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional, de que trata a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, o “Programa Escola sem Partido”. Available from: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/125666. Consultado em 30 jan. 2018.

Relatório do Alto Comissariado para a promoção dos Direitos Humanos à Educação, da Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão e da Liberdade de Religião e de Crença da ONU publicado em 13 de abril de 2017. Available from: http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Opinion/Legislation/OLBrazileducation.pdf.  Consultado em 30 jan. 2018.

TRAGTENBERG, M. A escola como organização complexa. GARCIA, W. E. (Org.). Educação brasileira contemporânea: organização e funcionamento. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1978. p. 15-30.

TRAGTENBERG, M. Burocracia e ideologia. São Paulo: Ed. da UNESP, 2006.

Para ler o artigo, acesse

CAPAVERDE, C. B., LESSA, B. S. and LOPES, F. D. “Escola sem Partido” para quem?. Ensaio: aval.pol.públ.Educ., v. 27, n. 102, p. 204-222, 2019.  ISSN: 0104-4036. [viewed 20 March 2019] DOI: 10.1590/s0104-40362018002601369. Available from: http://ref.scielo.org/z699sy

Links externo

Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação – ENSAIO: www.scielo.br/ensaio

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

CAPAVERDE, C. B., LESSA, B. S. and LOPES, F. D. A escola como organização ideológica e falaciosa neutralidade do Projeto de Lei “Escola sem Partido” [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/03/20/a-escola-como-organizacao-ideologica-e-falaciosa-neutralidade-do-projeto-de-lei-escola-sem-partido/

 

One Thought on “A escola como organização ideológica e falaciosa neutralidade do Projeto de Lei “Escola sem Partido”

  1. Pingback: A escola como organização ideológica e falaciosa neutralidade do Projeto de Lei “Escola sem Partido”

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Post Navigation