Espaços públicos de propriedade privada em Curitiba apresentam restrições e menor diversidade

Rafael Kalinoski, doutorando em Gestão Urbana na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), membro do Corpo Editorial da Revista Urbe, e professor no Centro Universitário de Tecnologia de Curitiba (UNIFATEC) e no Instituto Municipal de Administração Pública (IMAP) da Prefeitura Municipal de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil.

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É tudo proibido!

Espaços privados, mesmo quando criam a impressão de serem públicos, têm regras subjacentes em sua configuração espacial e estética que delimitam o que pode ocorrer neles ou não. E mais, apresentam configurações que delimitam quem pode frequentá-los ou não. Em “Espaço público de propriedade privada”? Estudo sobre espaços privados abertos ao usufruto coletivo em Curitiba-PR, publicado no periódico urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, os autores investigam espaços privados de usufruto público na capital paranaense para entender em que medida usos públicos e privados podem coexistir e sob quais condições.

As regulamentações brasileiras para a “fruição pública” em propriedades privadas tratam de possibilidades para que recortes de propriedades privadas, tipicamente partes térreas de determinadas edificações, sejam dedicadas ao uso público e independente da atividade privada que ocorre no interior da edificação. A investigação científica ora relatada também guarda relação com a tendência de conceder espaços genuinamente públicos, como praças e parques, para a administração privada. Os “incentivos para consolidação de espaços públicos a partir da propriedade privada” podem resultar em novos modelos de restrições de uso do espaço que, mesmo não tendo barreiras físicas, têm barreiras simbólicas que dificultam o exercício da cidadania no espaço urbano.

Por meio de estudo caso-controle, os pesquisadores escolheram um espaço público (controle: Praça do Japão) que pudesse ser confrontado a três espaços privados abertos ao público (casos: fruição pública do edifício City Centro Cívico e as praças dos edifícios Evolution Tower e Neo Superquadra) em Curitiba (Figura 1). Por meio de pesquisa qualitativa em campo, cada local foi visitado seis vezes, três durante a semana e três aos finais de semana, em horários variados.

Mapas com a localização dos objetos de estudo. Mapa menor: cidade de Curitiba-PR delimitando os bairros em que as praças e fruição se localizam. Mapa maior: praças e fruição, em seus respectivos bairros.

Figura 1: Localização dos objetos de estudo. Mapa menor: cidade de Curitiba-PR delimitando os bairros em que as praças e fruição se localizam. Mapa maior: praças e fruição, em seus respectivos bairros. Fonte: Base do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), alterado por Gláucia Dalmolin (2019).

Ao observar a frequência de usuários nos espaços, ficou evidenciado que, no espaço público de controle da pesquisa, o número de usuários não variou tanto entre dias de semana e finais de semana quanto ocorreu nos espaços privados abertos ao público. Nestes, o número de usuários aos finais de semana foi significativamente menor que durante a semana.

O comportamento dos usuários foi documentado por meio de cinco padrões de atividade:

  • Avanço rápido: caracterizado pelo comportamento objetivo dos pedestres.
  • Eixo do trajeto: caracterizado pelo uso de atividades internas às edificações.
  • Território de espera: caracterizado por pessoas andando de modo ocioso.
  • Progressão casual: caracterizado por pessoas andando de modo lento e flutuante.
  • Curiosidade na passagem: caracterizado por pessoas paradas no decorrer do percurso.

Os padrões de atividade encontrados foram majoritariamente de movimento (3.712 ocorrências) e menos de permanência (835 ocorrências). Na Praça do Japão e na fruição do Edifício City Centro Cívico todos os cinco padrões foram encontrados. Nos outros dois casos, a diversidade foi menor, com destaque para a ausência de ocorrências de “progressão casual”, “território de espera” e “curiosidade na passagem”.

Quanto às atividades realizadas nesses espaços, a Praça do Japão também apresentou a maior diversidade, com destaque para circulação, passeio com cachorro, uso de celular e descanso (Figuras 2 e 3). Também foi identificado o equilíbrio de gênero aparente entre os usuários e a presença de pessoas de diferentes idades. Isso sugere que o espaço genuinamente público se aproxima mais de uma configuração de acessibilidade irrestrita por cidadãos diversos.

Características materiais da Praça do Japão ajudam a explicar os resultados, pois há grama, bancos e pedras que servem como bancos, e árvores que projetam sombra e configuram espaço para piqueniques. Mesmo que o “avanço rápido” tenha sido predominante, a qualidade do espaço contribuiu para identificar atividades como meditar, cochilar ou tocar instrumentos musicais.

Fotomontagem com quatro imagens de espaços em Curitiba.

Figura 2: A) Recuo frontal idêntico a calçada pública; B e C) Barreiras físicas separando espaços públicos e privados; D) Trabalhadores provindos do empreendimento, cuidando do jardim. Fonte: Gláucia Dalmolin (2019).

 

Fotomontagem com seis imagens de espaços em Curitiba.

Figura 3. A) Diversidade de público; B) Piquenique; C) Rede de relacionamentos no “passeio com cachorro”; D) Alunos passeando; E) Leitura; F) Tai chi chuan. Fonte: Gláucia Dalmolin (2019).

As conclusões do estudo apontam que, no espaço genuinamente público, o total de frequentadores representou maior variedade de pessoas e de atividades, ao passo que nos espaços privados abertos ao público, mesmo quando bastante frequentados, não houve tanta diversidade. O entendimento do espaço público como uma “bússola de tensões de uma dada sociedade” evidencia que, mesmo quando um espaço privado é dedicado à fruição pública, sua configuração pode não incentivar o uso público, especialmente por conta de medidas de controle que podem ser exercidas pelo agente privado à revelia do interesse público para determinar o público “ideal” para aquele espaço.

Para ler o artigo, acesse

DALMOLIN, G.H. and ROSANELI, A.F. “Espaço público de propriedade privada”? Estudo sobre espaços privados abertos ao usufruto coletivo em Curitiba-PR. urbe, Rev. Bras. Gest. Urbana [online]. 2023, vol. 15, e20220075 [viewed 02 August]. https://doi.org/10.1590/2175-3369.015.e20220075. Available from: https://www.scielo.br/j/urbe/a/33XfZbQrFmD8d6KvBdvrDMq/

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

KALINOSKI, R. Espaços públicos de propriedade privada em Curitiba apresentam restrições e menor diversidade [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/08/02/espacos-publicos-de-propriedade-privada-em-curitiba-apresentam-restricoes-e-menor-diversidade/

 

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