Os longos deslocamentos dos entregadores reafirmam a relação centro-periferia e a desigualdade espacial em São Paulo

Paula Cristiane Strina Juliasz, editora-chefe da Revista GEOUSP e professora doutora no Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. 

Vinicius Santos Almeida, estudante de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. 

Logo do periódico GEOUSP.

O artigo Espaço urbano e plataformas digitais: deslocamentos e condições de trabalho dos cicloentregadores da metrópole de São Paulo, publicado no vol. 27, no. 2 (2023) do periódico Geousp – Espaço e Tempo, aborda as condições de trabalho dos entregadores que utilizam bicicletas elétricas. O estudo teve a finalidade de analisar os deslocamentos dos entregadores que trabalham por meio do aplicativo iFood, e concluiu que as longas distâncias percorridas por esses trabalhadores acarretam impactos significativos em sua qualidade de vida e condições trabalhistas.  

Nesse artigo, a autora Lívia Maschio Fioravanti, docente do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) e líder do Grupo de Estudos em Desenvolvimento Urbano (NEDurb), discute as novas formas de trabalho provenientes das plataformas digitais, contribuindo para a compreensão do aumento dessa modalidade de trabalho, que foi impulsionada no período de isolamento social da Pandemia da Covid-19. A publicação permite compreender as dimensões não apenas quantitativas, mas também qualitativas sobre a infraestrutura e serviços urbanos para o deslocamento dos entregadores das empresas-aplicativos. 

De acordo com a autora: “Os trabalhadores engajados por meio das plataformas digitais, submetidos a novas práticas de sobrevivência e precarização, produzem práticas urbanas decorrentes de suas condições de trabalho e das especificidades desse trabalho (o deslocar-se). As condições de trabalho dos entregadores, primordialmente do iFood, revelam determinados aspectos do trabalho sob demanda que, somados à baixa remuneração por cada tarefa/entrega realizada, constituem-se em elementos-chave para a compreensão dos fluxos desses trabalhadores pela metrópole, da necessária intensificação dos ritmos de trabalho e da busca por realizar mais entregas (FIORAVANTI, 2023, p. 07)”.

Conforme apresentado no artigo, em sua dinâmica de trabalho esses profissionais precisam esperar até 6 horas por dia para obtenção do seu meio de locomoção (a bicicleta elétrica). O texto cobre outros aspectos do dia a dia dos entregadores, dentre eles, os custos despendidos para adquirir instrumentos essenciais de trabalho, como bolsa térmica, capacete, capa de proteção para o celular, além dos gastos com deslocamento entre suas moradias e o posto do iFood Pedal.

Observa-se na análise da autora que a baixa remuneração impulsiona a busca por regiões onde há maior atendimento pelo aplicativo. Desta forma, o entendimento de como as empresas-aplicativos atuam contribui para analisar a relação centro-periferia, ampliando o conceito de centralidade em Geografia.

A publicação também evidencia a importância do trabalho de campo para atualização e obtenção de dados para a pesquisa em Geografia, uma vez que, em sua metodologia, além do levantamento bibliográfico e da pesquisa documental, foram realizadas entrevistas e trabalhos de campo, que ocorreram entre janeiro e abril de 2022. 

A pesquisa conclui que a concentração de infraestrutura cicloviária e as bases para obtenção de bicicletas compartilhadas ocorrem em determinadas regiões da metrópole, o que evidencia o deslocamento dos trabalhadores da periferia para regiões centrais, onde a demanda por serviços de delivery é mais alta. 

Os entregadores se organizam de acordo com uma divisão do trabalho baseada nas ferramentas que utilizam (bicicleta convencional, elétrica, mobilete, motocicleta, etc.) e nas estratégias territoriais que precisam criar. Isso incluiu o deslocamento de seus locais de moradia até os locais de retirada da bicicleta e de trabalho, até o estabelecimento de critérios, por vezes compulsoriamente, para decidir quais e quantas corridas devem aceitar em uma jornada. Essa organização reitera a forma como a mobilidade constitui os deslocamentos na metrópole e evidencia o aprofundamento da desigualdade espacial, já que a maioria dos entregadores reside em bairros periféricos e trabalha nas áreas mais acessíveis para eles.

Referências

ABÍLIO, L.C. Uberização: a era do trabalhador just in time? Estudos Avançados [online]. 2020, vol. 34, no. 98, pp. 111-26 [viewed 30 October 2023]. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.008. Available from: https://www.scielo.br/j/ea/a/VHXmNyKzQLzMyHbgcGMNNwv/  

CARLOS, A.F.A.  Segregação  socioespacial  e  o  “direito  à  cidade”.  Geousp – Espaço e Tempo [online]. 2020, vol. 24, no. 3, pp. 412-424 [viewed 30 October 2023]. https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2020.177180. Available from: https://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/177180  

Links externos

GEOUSP – GEO: https://www.scielo.br/j/geo/

GEOUSP – Site: https://www.revistas.usp.br/geousp/issue/view/12497

Livia Maschio Fioravanti – ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5247-1582 

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

FIORAVANTI, L.M. Os longos deslocamentos dos entregadores reafirmam a relação centro-periferia e a desigualdade espacial em São Paulo [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/10/30/os-longos-deslocamentos-dos-entregadores-reafirmam-a-relacao-centro-periferia-e-a-desigualdade-espacial-em-sao-paulo/

 

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