Victor Antunes Leocádio, Doutor em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte-MG, Brasil.
Ana Paula de Andrade Verona, Professora Associada II do Departamento de Demografia do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte-MG, Brasil.
Simone Wajnman, Doutora em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte-MG, Brasil.
No estudo das intenções de fecundidade, é crucial diferenciar entre intenções e desejos, frequentemente usados de forma intercambiável, embora sejam conceitualmente distintos. Em essência, desejos (ou os seus sinônimos ideais e preferências) de fecundidade buscam investigar o número ideal de filhos e, por consequência, o tamanho ideal de família. Estes desejos não consideram os diferentes obstáculos que podem impactar a fecundidade observada.
Em contraste, as “intenções de fecundidade” consideram os possíveis obstáculos ao longo da vida reprodutiva, representando um plano de ação realista para ter filhos. Nesse sentido, as intenções de fecundidade (que podem ser classificadas como de curto prazo ou longo prazo) têm maior poder preditivo em relação à fecundidade observada, não deixando de ser passíveis, no entanto, de revisão à medida que os contextos e obstáculos evoluem ao longo da vida.
Para além desses conceitos e dessas diferenciações, o artigo Intenções de fecundidade: uma revisão da literatura acerca da variável em países de renda alta e no Brasil aborda as principais teorias que discutem o processo de formação das intenções de fecundidade. Uma delas é a Teoria do Comportamento Planejado (TCP ou TPB, originalmente – Theory of Planned Behavior), a qual, através de um pensamento psicossocial de escolhas e comportamentos racionais, considera que as intenções são precursoras imediatas de um determinado comportamento (AJZEN, 1991; KLOBAS, 2011). Outra importante teoria é a TDIB (Traits-Desires-Intentions-Behavior), que, através de uma crítica à TCP, incorpora também processos não conscientes e automáticos numa sucessão de etapas que definem o comportamento reprodutivo (MILLER, 1994; MILLER; SEVERY; PASTA, 2004).
Ademais, são discutidos os fatores nos níveis micro, meso e macro, que, de alguma forma, estão relacionados ou influenciam as intenções de fecundidade. Isso inclui, no nível micro, determinantes como escolaridade, renda, idade, parturição e conjugalidade; interação social, no nível meso; e incerteza econômica, na escala macro.
Essa análise se concentra em investigar a relação entre intenções (e desejos) de fecundidade e fecundidade observada, questão amplamente abordada em inúmeras produções acadêmicas voltadas à fecundidade e temas correlatos. Nesse contexto, o estudo observa que a prevalência da preferência por dois filhos (two-child fertility ideal), aliada à fecundidade abaixo do nível de reposição, isto é, abaixo de 2,1 filhos por mulher, (SOBOTKA; BEAUJOUAN, 2014), denota a permanência de uma demanda não alcançada por filhos – quando níveis de fecundidade observada são inferiores aos níveis de intenções ou ideais. Além disso, embora possam existir mecanismos (vide a discutida hipótese da armadilha da baixa fecundidade) que sugiram uma redução desse gap, permanece o cenário de prevalência de uma demanda não alcançada por filhos.
Isso se aplica tanto a países de alta renda quanto a outros países de menor renda, dentre eles o Brasil. Vale destacar, no entanto, que, apesar de a média nacional apontar para uma demanda não alcançada por filhos, os contextos brasileiro e latino-americano em geral possuem particularidades e heterogeneidades em relação aos seus subgrupos populacionais.
Há uma parcela de mulheres com discrepância positiva, isto é, com nascimentos e gravidezes indesejados, principalmente entre as mais jovens (CARVALHO; WONG; MIRANDA-RIBEIRO, 2016; VIGNOLI, 2017). Tal cenário ocorre também em países de renda alta, porém, em uma escala menor (SOBOTKA, 2011). No Brasil, essa discrepância positiva tem maior concentração nas regiões Norte e Nordeste e entre as mulheres de menor escolaridade e condição socioeconômica (CARVALHO; WONG; MIRANDA-RIBEIRO, 2016).
Portanto, em diferentes países com média de renda e fecundidade abaixo do nível de reposição, como é o caso do Brasil, é preciso direcionar atenção para a demanda não alcançada por filhos, fenômeno que, na média, mais se observa atualmente. Porém, é igualmente importante não esquecer que subgrupos populacionais de estratos socioeconômicos inferiores, especialmente entre as mulheres mais jovens, continuam a apresentar fecundidade indesejada e, portanto, seguem demandando meios de regulação da fecundidade (GONZÁLEZ, 2015; CARVALHO; WONG; MIRANDA-RIBEIRO, 2016; VIGNOLI, 2017; COUTINHO; GOLGHER, 2018; UNFPA, 2018).
Semana Especial Revista Brasileira de Estudos de População 2023
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Referências
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AJZEN, I. and KLOBAS, J. Fertility intentions: an approach based on the theory of planned behavior. Demographic Research [online]. 2013, vol. 29, no. 8, pp. 203-232 [viewed 28 November 2023]. https://doi.org/10.4054/DemRes.2013.29.8. Available from: https://www.demographic-research.org/articles/volume/29/8
CARVALHO, A.A., WONG, L.L.R. and MIRANDA-RIBEIRO, P. Discrepant fertility in Brazil: an analysis of women who have fewer children than desired (1996 and 2006). Revista Latinoamericana de Población [online]. 2016, vol. 8, pp. 83-106 [viewed 28 November 2023]. https://doi.org/10.31406/relap2016.v10.i1.n18.4. Available from: https://revistarelap.org/index.php/relap/article/view/124
GONZÁLEZ, M.A Discrepância entre a fecundidade desejada e a fecundidade concretizada enquanto uma questão de gênero [online]. Repositório da Produção Científica e Intelectual da Unicamp. 2015 [viewed 28 November 2023]. https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2015.960889. https://repositorio.unicamp.br/Acervo/Detalhe/960889
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MILLER, W. B. Childbearing motivations, desires, and intentions: a theoretical framework. Genetic, Social, and General Psychological Monographs [online]. 1994, vol.120, no. 2, pp. 223-258 [viewed 28 November 2023]. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8045374/
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Para ler o artigo, acesse
LEOCÁDIO, V. VERONA, A.P and WAJNMAN, S. Intenções de fecundidade: uma revisão da literatura acerca da variável em países de renda alta e no Brasil. Revista Brasileira De Estudos De População [online]. 2023, vol. 40, pp. 1–32 [viewed 28 November 2023]. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0238. Available from: https://www.scielo.br/j/rbepop/a/fL9zgmhsyDj6PpFhS5rVXKJ/
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