Fernanda Cantarim, doutoranda no Programa de Gestão Urbana na Pontifícia Universidade Católica do Paraná e membro do corpo auxiliar da urbe, Curitiba, PR, Brasil
Flávia Marcarine Arruda, da Universidade de São Paulo e do Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos, é a autora do artigo “A participação do usuário na arquitetura e em intervenção urbana”, publicado no periódico urbe (v. 9, n. 3, 2017). Arruda tem como ponto central de seu artigo a discussão sobre o processo de participação do usuário na concepção de espaços arquitetônicos e de intervenções urbanas. A partir do estudo do caso “O lixo não existe”, realizado pelo coletivo Basurama na cidade de São Paulo, a autora chegou à conclusão de que, apesar de o projeto aproximar os indivíduos e o espaço produzido, a extensão da contribuição dos usuários é muito limitada e distante do ideal dissensual.
A metodologia de análise utilizada por Arruda se baseia no cruzamento da concepção de emancipação/dissenso, de Jacques Rancière (1996, 2002, 2005, 2010, 2012), e da ética do bem-dizer, da psicanálise de Jacques Lacan (2008). Ambos autores tratam sobre as relações entre especialista e público e o pressuposto de igualdade entre ambas as partes. A autora realizou duas entrevistas — uma com um dos membros do coletivo Basurama e outra com um dos participantes. O intuito de Arruda é perceber como é a participação do sujeito no processo de elaboração do espaço e se realmente existe a promoção de “autonomia do sujeito contra uma passividade e alienação, além da defesa do resgate da subjetividade e do estabelecimento de uma prática democrática” (ARRUDA, 2017, p. 486).
Os processos participativos começaram a ganhar visibilidade nos anos de 1960, sendo uma alternativa ao pensamento universal e reducionista aplicados nos projetos arquitetônicos e urbanos (AWAN; SCHNEIDER; TILL, 2015; LEFEBVRE, 1991). A contribuição do usuário na concepção projetual seria uma forma de responder aos problemas locais considerando os anseios da população. Em teoria, essa participação permite que os espaços resultantes sejam menos deterministas quanto a sua utilização e permitem que os sujeitos tenham maior emancipação. Além disso, essa partilha da produção projetual faz com que os sujeitos envolvidos tenham o sentimento de pertencimento e criem um vínculo mais forte com o local.
O caso estudado por Arruda, “O lixo não existe”, foi uma iniciativa do coletivo Basurama, formado por artistas e arquitetos espanhóis e com sedes em Madri, Bilbao e São Paulo. A ideia central do coletivo é transformar resíduos descartados em mobiliário urbano que possam ser utilizados em espaços públicos degradados. São três os requisitos básicos para as intervenções urbanas do Basurama: materiais descartados; troca de conhecimento; e participação dos usuários.
Apesar de o projeto realmente ter aproximado os usuários e o espaço, não se pode dizer, a partir dos resultados obtidos por Arruda, que ele teve êxito quanto a seguir a lógica dissensual ou a do bem-dizer. A autora levanta a questão que “os proponentes da intervenção não se dispuseram muito mais como sujeitos potencialmente conhecedores e proprietários de um saber maior” (ARRUDA, 2017, p. 492). Quando existem muito pressupostos sobre os papéis e hierarquia dos especialistas e usuários, não se chegará a um resultado dissensual no processo de produção espacial.
Referências
AWAN, N.; SCHNEIDER, T.; TILL, J. Participation. Spatial Agency. 2017. [viewed on 13 April 2015]. Avaliable from: http://www.spatialagency.net/database/how/empowerment/participation.1970s
LACAN, J. Seminário, livro 7: a ética da psicanálise, 1959-1960. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008.
LEFEBVRE, H. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991.
RANCIÈRE, J. O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Ed. 34, 1996.
RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
RANCIÈRE, J. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Ed. 34, 2005.
RANCIÈRE, J. A associação entre arte e política. Revista Cult, 2010, n. 139, p. 123-133.
RANCIÈRE, J. O espectador emancipado. São Paulo: WMF M. Fontes, 2012.
Para ler o artigo, acesse
ARRUDA, F. M. A participação do usuário na arquitetura e em intervenção urbana. urbe, Rev. Bras. Gest. Urbana [online]. 2017, vol.9, n.3, pp.500-512. [viewed 18 October 2017]. ISSN 2175-3369. DOI: 10.1590/2175-3369.009.003.ao09. Available from: http://ref.scielo.org/thvxv5
Links externos
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