Lucio Hanai, Professor tutor do Grupo IBMEC-Wyden, São Paulo, SP, Brasil
As organizações dos megaeventos das últimas décadas, notadamente Olimpíadas e Copa do Mundo, tem potencial para atuar como agentes difusores de modelos urbanísticos que reforçam os processos de financeirização do espaço urbano, conforme defende Lucio Hanai Valeriano Viana no artigo “A ideologia na produção do espaço: os megaeventos como agentes difusores da ideologia (neo)liberal”, publicado no Cadernos Metrópole (v. 21, n. 44).
O autor analisa a experiência da cidade do Rio de Janeiro na realização dos Jogos Olímpicos de 2016 partindo da hipótese de que a replicação de modelos urbanísticos a partir da experiência de Barcelona, vem sendo incentivada e difundida em outros contextos e localidades. Entre suas conclusões está a de que o incentivo às práticas gerenciais voltadas ao custo-benefício, bem como a difusão de modelos urbanísticos considerados exitosos (como o de Barcelona), resultam em políticas que induzem ao encarecimento do solo urbano e, por conseguinte, ao processo de gentrificação.
A partir da análise das relações de poder e dos interesses que interferem na produção do espaço, o autor conclui que os projetos de realização de megaeventos são marcadamente voltados aos interesses do mercado imobiliário e se apoiam em estratégias mercadológicas amplamente representadas pelo ideário neoliberal.
A padronização das intervenções urbanísticas com a finalidade de atrair investimentos para as cidades na verdade oculta a estratégia de venda dos espaços urbanos para grupos de interesse específicos. Essa foi a estratégia adotada por diversas cidades do mundo: Paris, Bilbao, Lisboa, Berlim e, principalmente, Barcelona. Hanai cita Rolnik (2015) para apontar a crescente utilização de modelos urbanos inspirados na experiência de Barcelona, disseminados por organismos de cooperação de atuação mundial.
Nestes casos, empresta-se a ideia de modernidade à transferência de responsabilidades públicas ao setor privado. Essa prática é construída não apenas de forma discursiva, mas também por meio de mecanismos que conciliam o discurso às imagens do moderno. Daí a necessidade da arquitetura arrojada e ultrafuturista que simboliza os megaeventos. A superexposição do “moderno” costuma ser amplamente utilizada pelas empresas de comunicação que centram as suas estratégias comerciais em merchandising e em outros produtos que ampliam as oportunidades de negócio. Assim, o discurso do moderno ligado ao modus operandi da gestão pública vai ganhando legitimidade.
Nos países de capitalismo tardio, como o Brasil, a ideologia político-econômica atrelada aos conceitos de intervenção urbana (que assumem o livre-mercado como procedimento balizador das estratégias de intervenção urbana), serve apenas para a manutenção do atraso, na medida em que agrava a exclusão social e precariza as condições de vida das classes menos favorecidas. Daí o seu caráter conservador. Segundo Silveira (2007), se a opção tivesse sido sanar os problemas sociais, os gastos teriam sido inferiores aos que foram dispendidos na realização dos megaprojetos voltados ao turismo.
Referências
ROLNIK, R. Guerra dos lugares: a organização das terras e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015.
SILVEIRA, C. E. R. Processos de gentrificação: a (re)organização espacial nas cidades, a construção de territórios e a questão do espaço como um sistema informacional. In: ENANCIB – Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, 8., 2007. Anais… 28 a 31 de outubro, Salvador, Bahia, 2007.
Para ler o artigo, acesse
VIANA, L. H. V. A ideologia na produção do espaço: os megaeventos como agentes difusores da ideologia (neo)liberal. Cad. Metrop., v. 21, n. 44, p. 79-97, 2019. ISSN: 1517-2422 [viewed 7 august 2019]. DOI: 10.1590/2236-9996.2019-4404. Available from: http://ref.scielo.org/c75yn7
Link externo
Cadernos Metrópole – CM: www.scielo.br/cm
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