Luís Armando Gandin, Editor-chefe, Porto Alegre, RS, Brasil
Educação & Realidade publicou, como seu terceiro número de 2015, uma edição cuja seção temática foi organizada pelas professoras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Claudia Glavam Duarte e Simone Valdete dos Santos, abordando a Educação do Campo. As discussões sobre esta temática tornam-se relevante visto que 38 instituições de Ensino Superior, Universidades e Institutos Federais passaram a ofertar cursos de Licenciatura com formação nas diferentes áreas do conhecimento. Além da formação por área do conhecimento, os desafios para a implementação destes cursos envolvem questões que vão desde a gestão e administração do curso até questões curriculares e didático metodológicas, pois seu funcionamento está alicerçado na Pedagogia da Alternância, pedagogia que alterna os tempos de aprendizagem, tempo Universidade e Tempo Comunidade. Para as comunidades rurais esta possibilidade de alternar tempos estudos com a produção na lavoura, nas atividades pastoris é fundamental. Tais tempos de estudo respeitam e valorizam o trabalho no meio rural e suas diversas aprendizagens específicas.
Na perspectiva de dar visibilidade a estas discussões apresentamos abaixo uma breve entrevista realizada com as professoras organizadoras da seção temática referida. Simone Valdete dos Santos é diretora da Faculdade de Educação da UFRGS, e a professora Claudia Glavam Duarte é coordenadora do curso Licenciatura em Educação do Campo no campus Litoral Norte da UFRGS. Nessa entrevista elas buscam esmiuçar e refletir sobre as especificidades que requer este tipo de educação e as disputas políticas que a envolvem.
1. Vocês foram as organizadoras de uma seção temática sobre Educação do Campo, publicada em Educação & Realidade, recentemente. Qual a importância para o contexto educacional brasileiro, em suas opiniões, de uma publicação sobre essa temática específica, neste atual momento histórico e político que vivenciamos?
Levando em consideração que temos atualmente 358.752 professores no campo e que 134.605 (42,5%) não possuem educação superior (30.505 com ensino médio, 83.310 com ensino médio magistério e 1.586 com ensino fundamental), o Ministério da Educação no ano de 2012, no âmbito do PRONACAMPO, organizou um edital para as Universidades Federais e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia para que fossem oferecidos cursos de Licenciatura em Educação do Campo. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul fez sua candidatura em Ciências da Natureza – sendo então um curso de caráter interdisciplinar com Química, Física e Ciências Biológicas integradas. Este edital promoveu uma expansão de oferta de licenciaturas, cujo objetivo principal é formar professores e professoras para atuarem na Educação Básica das escolas do meio rural, com uma abordagem curricular específica. Tal abordagem busca romper com o ruralismo pedagógico vivenciado, durante longo período, pelas escolas rurais que tinham por objetivo prioritariamente evitar o êxodo rural e preparar os sujeitos para elevar a produtividade do campo.
Na direção contrária e na busca de superação deste ideário, busca-se na Educação do Campo construir, em conjunto com os sujeitos do campo, uma educação que legitime seus modos de ver o mundo, suas racionalidades e crenças. Nesta perspectiva, encontram-se as licenciaturas em Educação do Campo que buscam formar um docente sensível a estas questões. Cabe também destacar a importância das licenciaturas no que tange a luta pelo não fechamento das escolas nas comunidades. Além de o estudante ter direito de ser educado no lugar onde vive e da ideia de que as escolas situadas nas próprias comunidades cumprem com a importante função de reforçar as culturas, os modos de vida, os saberes, enfim, as identidades locais, argumenta-se que a representatividade do Estado está corporificada nessas comunidades por intermédio da escola. É no espaço escolar que, não raro, se organizam coletivamente os sujeitos da comunidade para ali discutirem diferentes questões que lhes dizem respeito, inclusive questões que apontam/denunciam a minimização do Estado nesses locais. Exemplo dessa minimização fica evidenciado nos mutirões realizados pela comunidade para garantir uma infraestrutura básica de funcionamento da escola.
2. Vocês podem, sinteticamente, descrever os temas abordados no conjunto de artigos que compõem a seção temática Educação do Campo?
A Educação do Campo, por suas especificidades, a formação por área de conhecimento e a Pedagogia da Alternância, tem nos colocado frente a novos desafios educacionais. Tal pedagogia, que divide os tempos de formação em Tempo Escola/Universidade e Tempo Comunidade, tem contribuído para repensarmos a relação entre os conhecimentos escolares e as singularidades existentes na vida dos estudantes. Nesse sentido, essa edição transita por diferentes temáticas que suscitam uma reflexão sobre as especificidades da Educação do Campo. O texto de Pilar Abós, por exemplo, questiona se tais especificidades não podem servir de balizadoras para pensarmos a educação de forma geral e sugere que as práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas rurais devem adquirir maior visibilidade no meio educacional. Outros textos apontam, de forma bastante densa, para as articulações entre os movimentos sociais e a emergência/consolidação de uma educação voltada para os sujeitos do campo e sinalizam a importância de fortalecermos o vínculo das escolas do Campo com as lutas sociais. Este é o caso do texto de Bruno Baronnet e o de Vândiner Ribeiro e Marlucy Paraiso. Por último, mas não menos importante, estão os artigos que discutem as práticas pedagógicas vivenciadas por estudantes e professores vinculados às Licenciaturas em Educação do Campo. Tais textos apontam para as potencialidades e dificuldades experienciadas na formação por área de conhecimento.
3. Considerando a afirmação de Caldart (2005) “[…] de que o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive […] o povo tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com sua participação, vinculada a sua cultura, e suas necessidades humanas e sociais”, de que modo vocês percebem os atuais movimentos políticos e institucionais, em caráter nacional especificamente, no sentido de concretizar na prática esse anseio teórico por uma educação que pense na origem e demanda dos educandos como princípio básico?
A concretização desses anseios tem ocorrido em diferentes frentes. Primeiro destacamos a ampliação da oferta de Licenciaturas em Educação do Campo nas universidades e Institutos Federais que têm como público prioritário os sujeitos do campo. Em 2007 tínhamos somente quatro instituições (UNB, UFBA, UFMG e UFS) oferecendo as licenciaturas. Em 2008 e 2009 o programa foi expandido para 32 IES parceiras por meio de editais e atualmente temos mais de 40 instituições envolvidas nesta formação. Importante salientar que todas estas IES possuem a organização curricular por etapas equivalentes a semestres regulares cumpridas em Regime de Alternância entre Tempo-Escola e Tempo-Comunidade. Além disto, o Currículo está organizado de acordo com áreas de conhecimento previstas para a docência multidisciplinar: (I) Linguagens e Códigos; (II) Ciências Humanas e Sociais; (III) Ciências da Natureza, (IV) Matemática e (V) Ciências Agrárias. Assim, o aumento da oferta de vagas no ensino superior, as especificidades de formação por área e principalmente a Pedagogia da alternância experienciada na licenciatura têm contribuído para que se leve em consideração a origem a demanda dos educandos. Pontuam-se ainda os encontros regionais e nacionais de educadores do Campo. Tais encontros têm se constituído em lócus para troca de experiência dos diferentes atores da EDUCAMPO. Outra frente tem sido o Programa Escola da Terra, que substituiu o extinto Escola Ativa, que prioriza suas ações para as escolas/classes multisseriadas. Dados estatísticos recentes contradizem o discurso do senso comum de que as escolas/classes multisseriadas não seriam quantitativamente expressivas no cenário brasileiro. De acordo com o censo escolar de 2008, esta modalidade de organização escolar corresponde a 56,45% do total das escolas do campo. Ou seja, pode-se inferir que existem, aproximadamente, mais de 48 mil estabelecimentos de educação fundamental organizados de modo exclusivamente multisseriado, atendendo uma demanda de cerca de 1,3 milhão de alunos. Estes são exemplos de movimentos que têm sido realizados e que, no nosso entender, sinalizam uma forte preocupação na configuração de uma Educação que pense na origem e demanda dos educandos como princípio básico.
Mini currículo dos autores:
Claudia Glavam Duarte é doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2009). Atualmente é professora e coordenadora do curso de licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul-Campus litoral. Tem experiência na área de Educação Matemática com ênfase em Ensino-Aprendizagem, atuando principalmente nos seguintes temas: Etnomatemática, Educação do Campo, saberes populares e conhecimento científico. E-mail: claudiaglavam@hotmail.com
Simone Valdete dos Santos é doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003) e doutora em Educação na modalidade sanduíche pela Universidade Federal Fluminense (2000). Atualmente é professora associada 2, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação de Jovens e Adultos, atuando principalmente nos seguintes temas: educação de jovens e adultos, educação profissional, formação de professores, educação profissional integrada à EJA, educação ambiental e história da educação. E-mail:simone.valdete@ufrgs.br
Para ler os artigos, acesse:
DUARTE, C. G., and SANTOS, S. V. Apresentação – Educação do Campo. Educ. Real. [online]. 2015, vol.40, n.3, pp. 659-666. [viewed 16th October 2015]. ISSN 2175-6236. DOI: 10.1590/2175-623656800. Available from: http://ref.scielo.org/cqbh93
ABOS OLIVARES, P. El Modelo de Escuela Rural ¿Es un Modelo Transferible a Otro Tipo de Escuela?.Educ. Real. [online]. 2015, vol.40, n.3, pp. 667-684. [viewed 16th October 2015]. ISSN 2175-6236. DOI: 10.1590/2175-623645781. Available from: http://ref.scielo.org/ky6ngy
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RIBEIRO, V., and PARAISO, M. A. Currículo e MST: conflitos de saberes e estratégias na produção de sujeitos. Educ. Real. [online]. 2015, vol.40, n.3, pp. 785-808. [viewed 16th October 2015]. ISSN 2175-6236. DOI: 10.1590/2175-623645800. Available from: http://ref.scielo.org/qcxmpw
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Link externo:
Revista Educação & Realidade – http://www.scielo.br/edreal
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