Bruno Brulon, professor de Museologia na UNIRIO, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
O objeto de museu — que não significa meramente o objeto em museu —, como objeto musealizado, passa a adquirir um estatuto museológico. Tal conversão, do contexto ordinário da coisa ao universo simbólico do museu, implica um processo corolário de ressignificação para que o objeto ou coisa detentor de sentidos em seu contexto precedente não-museal adquira sentido no contexto museal.
Tudo se passa como se a vida anterior à musealização deixasse de existir para que o objeto de museu possa ‘renascer’ para um novo universo de significações. Nessa nova fase de sua existência são alterados, para além de sua função que deixa de ser utilitária e passa a ser interpretativa, os seus modos de se relacionar com os outros objetos e com os seres humanos que lhe dão sentido. O objeto não perde a sua funcionalidade e nem mesmo é possível afirmar que ele “morre” para o mundo do qual fazia parte anteriormente, no entanto, ele deixa de exercer as suas funções tradicionais para ser interpretado como símbolo ou signo de realidades sociais específicas (reais ou imaginadas).
O artigo “Re-interpretando os objetos de museu: da classificação ao devir” introduz uma reflexão sobre os enquadramentos tradicionalmente impostos aos objetos de museu questionando a sua sustentação empírica na Contemporaneidade, e propõe um outro olhar sobre eles, enxergando a relativização do conhecimento e da sua classificação.
Historicamente, ao se ater restritivamente à dimensão documental dos objetos musealizados, a perspectiva informacional vem se mostrando insuficiente para explicar as categorias e classificações utilizadas para organiza-los em conjunto nos museus. Por vezes ela deixa de considerar o caráter sociocultural das categorias construídas nos processos de musealização bem como o seu entendimento como enunciados performativos (Bourdieu, 2009) o que permitiria a compreensão da sua eficácia simbólica. Na prática social, a categoria faz existir aquilo que anuncia, e, neste sentido, é a classificação que cria a classe e não a informação.
Progressivamente a museologia contemporânea esgotou as suas formas objetivas buscando explorar na subjetividade dos visitantes a sua principal instância de atuação. A transição a que se refere o texto se deu principalmente por dois fenômenos distintos que se desenvolveram em paralelo na história contemporânea dos museus, quais sejam: (1) o novo sentido conferido ao objeto artístico pela arte contemporânea atuando na reordenação dos enunciados sobre os objetos e os valores neles investidos; e (2) o advento dos ecomuseus, que, em particular na França, a partir da década de 1970, se propõem a relegar ao segundo plano do discurso museal os objetos materiais e se voltam para a musealização das relações do humano com o meio. Em ambos os casos, as categorias classificatórias que comportavam os objetos nos museus são perturbadas.
Essas experiências que subvertem a relação tradicional entre o objeto observado e o olhar do observador já povoam o imaginário do público e geram problemas incontornáveis para os pesquisadores que as investigam. O objeto olhado é continuamente prisioneiro das palavras que o descrevem ou que o interpretam, constituindo simultaneamente documento de si mesmo e devir. Para melhor explorar tal noção aplicada aos objetos de museus, remete-se à ideia de devir disseminada por Deleuze e Guattari (2009), para se referir às relações estabelecidas entre subjetivações, totalizações, ou unificações que são produzidas a partir de multiplicidades. Nesse sentido, falar em objeto-devir significa fazer referência não mais ao objeto em si, mas às múltiplas relações que configuram sua existência social.
Argumenta-se, assim, que segundo a axiologia vigente, a consagração museal, ao invés de sancionar as categorizações, liberta o objeto das classificações tradicionais para torna-lo disponível às múltiplas interpretações do público.
Para maior aprofundamento no assunto de que trata o referido artigo, convido os leitores a acessá-lo na primeira edição de 2016 da Transinformação.
Referências
Bourdieu, P. Ce que parler veut dire: l’économie des échanges linguistiques. Paris: Fayard, 2009.
Deleuze, G.; Guattari, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2009.
Para ler o artigo, acesse
BRULON, B. Re-interpretando os objetos de museu: da classificação ao devir. Transinformação [online]. 2016, vol.28, n.1, pp.107-114. [viewed 21th March 2016]. ISSN 2318-0889. DOI: 10.1590/2318-08892016002800009. Available from: http://ref.scielo.org/rsprp7
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