Ana Carolina Sá Teles, doutoranda em Literatura Brasileira, São Paulo, SP, Brasil
Hélio de Seixas Guimarães, editor da Machado de Assis em linha, São Paulo, SP, Brasil
O periódico Machado de Assis em linha – revista eletrônica de estudos machadianos passa, a partir do seu número 17, a ter três edições anuais, em abril, agosto e dezembro. Trata-se do único periódico do país dedicado a um autor literário brasileiro, celebrado nacional e internacionalmente, com uma vasta fortuna crítica, que envolve as mais diversas áreas do conhecimento.
Nesta edição, o periódico destaca dois artigos sobre o romance Helena. Apesar de a crítica machadiana do século XX ter sido geralmente avessa ao romance em função do tom melodramático, esse aspecto é ressignificado por André Cabral de Almeida Cardoso no artigo “As armadilhas da gratidão: o poder e o código sentimental em Helena”. Cardoso lê a obra à luz da tradição do romance sentimental europeu, mas analisa como, em Helena, o código sentimental é articulado de forma particular e ambivalente, já que envolto pelos mecanismos de favor, característicos da sociedade brasileira. Em sua análise, Cardoso mostra como o código sentimental em Helena pode ser simultaneamente conciliatório e desigual, transparente e opaco, instrumento de opressão e de resistência. As considerações de Cardoso jogam nova luz sobre a importância de Helena no conjunto da obra de Machado de Assis, ao demonstrar como esse romance, peculiarmente sentimental, propõe uma reflexão crítica sobre os mecanismos de poder e opressão contra a mulher vigentes na sociedade patriarcal oitocentista e sobreviventes até hoje nos inúmeros episódios públicos e privados de violência de gênero, frequentes nos noticiários.
Priscila Salvaia, por sua vez, resgata Helena para a análise desse tema urgente na contemporaneidade: os papéis tradicionais de gênero e as possibilidades de subversão desses papeis. Assim, ela estuda o jogo de encenação quanto aos papéis masculinos e femininos na versão de Helena publicada em folhetim, em 1876, nas páginas do jornal O Globo. Na análise, Salvaia atenta para os contrapontos entre a representação do mundo feminino, doméstico, e do mundo masculino, público, que aparecia estereotipada nos folhetins, e a crítica dos mesmos papéis inscritas por Machado no romance. Segundo Salvaia, a heroína Helena tem consciência de sua condição social e possui ascendência indireta sobre resoluções do mundo público, mas não consegue fugir do jugo moral codificado para a experiência feminina. Dessa forma, o romance sugere, por meio da sua protagonista, as possibilidades de ação e subversão que as mulheres tinham num mundo dominado por códigos masculinos.
As reflexões sobre o mal-estar dos indivíduos numa sociedade cujos códigos se constroem à sua revelia, quando não atentam contra sua própria intimidade, estão presentes em dois artigos sobre contos de Machado de Assis lidos pelo viés da teoria e da clínica psicanalíticas. Lucia Serrano Pereira analisa “A cartomante”, segundo a hipótese do “efeito de vertigem”, que a autora compreende como marca estrutural dos contos machadianos. Esse “efeito de vertigem” se observa nos contos provocadores de uma desestabilização inquietante nos leitores, quando confrontados com a quebra da linearidade formal da narrativa relacionada a estados de incômodo e de descontinuidade, que estão em curso tanto na ficção de Machado de Assis quanto no nosso cotidiano. Robson de Freitas Pereira, por sua vez, aproxima a situação do leitor do conto “Pai contra mãe” com a situação do analisando ou do analista diante do mal-estar implicado no desvelamento do real, que no caso do texto machadiano evoca restos do trauma histórico da escravidão.
Esse conjunto de textos demonstra mais uma vez a potencialidade da escrita machadiana de nos aproximar das questões do seu tempo, o século XIX, e também do nosso tempo, no qual muitas dessas questões estão vivas e redivivas no cotidiano dos homens e mulheres.
Para ler os artigos, acesse
GUIMARAES, H. S and SENNA, M. Editorial. Machado Assis Linha [online]. 2016, vol.9, n.17, pp.1-2. [viewed 3rd June 2016]. ISSN 1983-6821. DOI: 10.1590/1983-682120169170. Available from: http://ref.scielo.org/xww8yy
MAGALHAES JUNIOR, R. “Singularidades literárias” e “Machado de Assis e a crise de 93”. Machado Assis Linha [online]. 2016, vol.9, n.17, pp.3-8. [viewed 3rd June 2016]. ISSN 1983-6821. DOI: 10.1590/1983-682120169171. Available from: http://ref.scielo.org/ydhbt2
PEREIRA, L. S. “A cartomante”: vertigem machadiana. Machado Assis Linha [online]. 2016, vol.9, n.17, pp.9-22. [viewed 3rd June 2016]. ISSN 1983-6821. DOI: 10.1590/1983-682120169172. Available from: http://ref.scielo.org/ft2ndx
PEREIRA, R. F. “Pai contra mãe”: quando o outro não é semelhante. Machado Assis Linha[online]. 2016, vol.9, n.17, pp.23-32. [viewed 3rd June 2016]. ISSN 1983-6821. DOI: 10.1590/1983-682120169173. Available from: http://ref.scielo.org/wnnk68
CARDOSO, A. C. A. As armadilhas da gratidão: o poder e o código sentimental em Helena. Machado Assis Linha [online]. 2016, vol.9, n.17, pp.33-50. [viewed 3rd June 2016]. ISSN 1983-6821. DOI: 10.1590/1983-6820169174. Available from: http://ref.scielo.org/fyzvdf
SALVAIA, P. Nas fronteiras entre o público e o privado: algumas notas sobre a representação (e subversão) dos papéis de gêneros no folhetim Helena (1876), de Machado de Assis. Machado Assis Linha[online]. 2016, vol.9, n.17, pp.51-66. [viewed 3rd June 2016]. ISSN 1983-6821. DOI: 10.1590/1983-682120169175. Available from: http://ref.scielo.org/nq9s75
PETRAGLIA, B. A astúcia da análise. Machado Assis Linha [online]. 2016, vol.9, n.17, pp.67-87. [viewed 3rd June 2016]. ISSN 1983-6821. DOI: 10.1590/1983-682120169176. Available from: http://ref.scielo.org/9s2y3c
OLIVEIRA, M. F. R. A Filosofia em Machado de Assis: Diógenes de Sínope e Quincas Borba. Machado Assis Linha [online]. 2016, vol.9, n.17, pp.88-98. [viewed 3rd June 2016]. ISSN 1983-6821. DOI: 10.1590/1983-682120169177. Available from: http://ref.scielo.org/g66qc5
Link externo
Machado de Assis em Linha – MAEL: www.scielo.br/mael
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