A participação de atores não-estatais na formulação das políticas do Brasil e do México: entrevista com Vinícius Rodrigues Vieira

Julia Borges e Victória Figueiredo, alunas da graduação do curso de Relações Internacionais da PUC-Rio e Ensino e Tutoria (PET) da PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Vinícius Rodrigues Vieira

Vinícius Rodrigues Vieira

Vinícius Rodrigues Vieira é pós-doutorando no Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI-USP), doutor em Relações Internacionais no Nuffield College, University of Oxford (2014) e mestre em Estudos Latino-Americanos na University of California, Berkeley (2010). Atualmente é pesquisador não-residente no Summer Program in Social Science do Institute for Advanced Study de Princeton (2015-2017). Sua pesquisa explora as interações entre fatores materiais e identitários em política internacional, com foco em potências emergentes e na formação de interesses nacionais no contexto de acordos comerciais.

Em um mundo globalizado, é muito comum identificar, especialmente, nos Estados democráticos, a participação de atores da sociedade civil em processos de tomada de decisão tanto no âmbito doméstico quanto internacionalmente. Por exemplo, a atuação crescente desses grupos em fóruns e organizações internacionais apontam nessa direção. Para que essa participação seja efetiva, entretanto, é necessário que haja legitimidade processual, a qual pressupõe o desenvolvimento válido e regular do processo decisório.

Nesse sentido, Vinícius Rodrigues Vieira, em seu artigo “When procedural legitimacy equals nothing: civil society and foreign trade policy in Brazil and Mexico” (Quando a Legitimidade Processual se iguala a nada: Sociedade Civil e Políticas de Comércio Exterior entre Brasil e México), publicado na Contexto Internacional, volume 38, número 1 de 2016, discute a forma como a legitimidade processual ocorre e como ela deveria proceder para que a sociedade civil participe eficazmente do processo decisório.

Segundo o autor, caso não haja uma igualdade de influência para diversos atores sociais, incluindo as organizações da sociedade civil e a organização de movimentos sociais, e caso as contribuições dos mesmos não sejam levadas em consideração no processo de tomada de decisão, a legitimidade se iguala a nada. Devido a isso, para o autor nem sempre a participação da sociedade civil sugere uma efetiva influência.

Para sustentar seu argumento, o autor usa o Brasil e o México nos anos 2000 como estudos de caso. O Brasil, embora tenha tido o Partido dos Trabalhadores (PT) no governo durante o mandato de Lula (2003-2011), usou as demandas da sociedade civil apenas para referendar outros interesses, ignorando, portanto, as posições de segmentos protecionistas nas negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) já que eles iam contra a busca por acesso a mercados agrícolas do Norte Global. O México, por sua vez, com uma liderança de direita (PAN), se manteve relativamente fechado aos inputs da sociedade civil desde o início e já havia estabelecido a priori seus interesses nacionais. Conclui-se, portanto, que somente inputs de solicitações não são suficientes para promover políticas com legitimidade, uma vez que as decisões finais estabelecidas pelo México e pelo Brasil foram estadocêntricas, embora de formas distintas.

Diante disso, o autor sugere que é necessário ir além do ativismo/ participação para uma análise da influência real de atores não-estatais na formulação das políticas estatais. Rodrigues Vieira argumenta que a legitimidade processual não depende apenas do “troughput legitimacy”, que foca nos processos entre os inputs e outputs em termos de accountability, transparência e abertura à sociedade civil. Também é necessário o comprometimento ético dos atores estatais, como burocratas e políticos, em levar a sério o maior número possível de posições da sociedade civil na elaboração de políticas públicas, inclusive as posições negociadoras em comércio exterior. Caso contrário, não haverá uma legitimidade “de facto” na formulação de tais políticas.

Tendo em vista tal discussão, Rodrigues Vieira, em entrevista concedida às alunas Julia Borges e Victoria Figueiredo, ambas bolsistas do PET do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, analisa em especial a participação da sociedade civil no processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e as diferenças no que tange a possibilidade de agência da sociedade civil ao longo do governo dela e de seus dois antecessores: FHC e Lula.

1. Considerando a atual situação da política brasileira, o senhor acredita que houve uma representação da sociedade civil durante a fase analítica do processo decisório em prol do impeachment da presidente Dilma Rousseff?

A partir de uma breve análise do movimento de impedimento da presidente Dilma Rousseff, desde que esse começou na câmara dos deputados, é possível apontar a sociedade civil como o principal impulsionador desse processo. Inicialmente, a maioria dos deputados, bem como das elites econômica e política (incluindo os principais veículos de imprensa), foi contra o impeachment da presidente. Contudo, particularmente após as manifestações em março desse ano, as chances da presidente ser afastada do cargo aumentaram. Assim, as evidências sugerem que a sociedade civil foi o ator principal que influenciou a fase de análise do processo de impedimento. Isto, obviamente, não exclui o fato de que alguns atores se juntaram ao movimento de impeachment por motivos particulares e até mesmo espúrios. No entanto, sem a pressão da sociedade civil nada teria acontecido.

2. Quais fatores indicariam uma participação legítima “de fato” dos atores da sociedade civil no processo de tomada de decisão e como tais atores alcançam essa legitimidade?

Os atores da sociedade civil, em especial aqueles que compõem coalizões governamentais, participam na formulação de políticas de forma legítima quando não são cooptados pelo Estado. Por cooptação, eu me refiro ao processo do governo de impor as próprias exigências ao invés de formá-las de deliberação e participação popular. Identificar legitimidade processual tanto no momento dos inputs quanto na fases de análise é, no entanto, uma tarefa difícil. Ou seja, é complicado separar ativismo de influência. A melhor estratégia para identificar a existência de uma fase analítica em legitimidade processual consiste na construção de contrafactuais. Por exemplo, no caso de impeachment, estaríamos testemunhando uma suposta “trama” das elites para afastar a presidente do cargo? Dado que essas elites se aliaram ao governo e apenas mudaram de ideia após a pressão popular da sociedade civil, é possível concluir que a atuação da sociedade civil foi o principal fator na promoção do movimento de afastamento da presidente Rousseff.

3. Como pode ser analisada a agência da sociedade civil na passagem do governo FHC (1995-2003) para Governo Lula (2003-2011) e Dilma (2011-2016)? Podemos observar uma mudança na participação da sociedade civil ao longo desses períodos?

Sob o mandato do FHC, apesar de o governo elogiar a participação da sociedade civil, não fez muito para incorporar as organizações da sociedade civil, em particular os movimentos sociais, na elaboração de políticas. Ou seja, havia uma contradição entre o discurso e a prática. Já o presidente Lula, no início do seu mandato, abre espaço para movimentos sociais, mas esses são, depois, cooptados pelo governo, que então começou a submeter atores sociais relevantes à sua agenda particular. Finalmente, sob o mandato da presidente Dilma, tal modelo atinge um limite, uma vez que surgem novos movimentos sociais com um perfil mais à direita do espectro político e conquistam o apoio de pessoas que defendem princípios simpáticos à esquerda, como educação e saúde públicas e gratuitas. Para a sociedade civil, a principal lição a partir de ambos os governos do PT deve ser: não importa quem governa, as organizações da sociedade civil e os movimentos sociais não podem depender do governo. Tais atores civis devem buscar se manter o máximo possível independente do poder estatal.

Para ler o artigo, acesse

VIEIRA, V. R. When Procedural Legitimacy Equals Nothing: Civil Society and Foreign Trade Policy in Brazil and Mexico. Contexto int. [online]. 2016, vol.38, n.1, pp.349-384. [viewed 19th August 2016]. ISSN 0102-8529. DOI: 10.1590/S0102-8529.2016380100010. Available from: http://ref.scielo.org/33bdpy

Link externo

Contexto Internacional – CINT: www.scielo.br/cint

Sobre Julia Borges

Julia Borges

Julia Borges

Julia Borges é aluna do quinto período do curso de Relações Internacionais da PUC-Rio e bolsista do TEPP/PET do Instituto de Relações Internacionais da PUC Rio, cuja pesquisa é guiada pelo projeto intitulado “Brasil Global: desafios da inserção internacional brasileira em um mundo em transformação”. Contato: contextointernacional@puc-rio.br

Sobre Victtória Figueiredo

Victória Figueiredo

Victória Figueiredo

Victória Figueiredo é aluna do quinto período do curso de Relações Internacionais da PUC-Rio e bolsista do programa PET do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, cuja pesquisa é guiada pelo projeto intitulado “Brasil Global: desafios da inserção internacional brasileira em um mundo em transformação”. Contato: contextointernacional@puc-rio.br

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

BORGES, J. and FIGUEIREDO, V. A participação de atores não-estatais na formulação das políticas do Brasil e do México: entrevista com Vinícius Rodrigues Vieira [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2016 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2016/08/22/a-participacao-de-atores-nao-estatais-na-formulacao-das-politicas-do-brasil-e-do-mexico-entrevista-com-vinicius-rodrigues-vieira/

 

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